JOGOS DO AMAR

Chegam os versos, num aceno delicado da autora. Acompanha o pedido de avaliação do escrito. Chego-me a ele, com o amor dos apaixonados pela Palavra. Vejamos o que nos diz:

“INVISÍVEL EGO NU

Marina Pellizzetti

Te escrevo do modo antigo de dizer das coisas

e te penso do jeito que ninguém se lembra.

É que restei parada lá bem no começo,

quando ainda sonhava com anjos e lendas.

Te escrevo em bloco de linhas bem retas,

que tenho medo de minhas frases tortas.

Esqueci do espelho e dos tempos idos

e te espio, quieta, por frestas de portas.

Te escrevo a lápis pra corrigir letrinhas

e pinço termos num velho dicionário.

Cresci de altura, mas, ainda menina,

te olho folhinhas do meu calendário.

Te escrevo palavras que ninguém mais usa,

que ainda me vêm do odor das flores

do meu jardim bem vivo na lembrança,

onde te tinha poeta de meus amores.

E te escrevendo, assim, meio sem jeito,

sei que já sabes que me vim ser tua,

que te esperei, ainda no meu tempo,

andando na trilha que me fez a lua.

– Direitos Reservados.

Remetido via Orkut, em 11/05/2011.”.

Nesta obra que se apresenta à visão crítica, há ausência de metáforas profundas ou de metáforas de ideias. Ressalta a desejosa linguagem das ausências, à qualos signos dão contorno e forma a essa modalidade vocabular pouco estética, porém inquieta, ansiosa, capaz de sonhar o encontro e de chorar o feto do poema, por mutismo de linguagem. O que temos é o embrião da arte da palavra ritmada – um quase-poema – talvez a garatuja de um recado amoroso, desejo enclausurado. A peça, por sua proposta, talvez possa dar à luz um exemplar em Poesia, porém está tão prenhe de matéria desejosa, que a doçura da saliva, do beijo e do subjacente excluem o terceiro e principal degustador do conteúdo. Dificilmente soará neste o sino estético, porque não há espaço para o receptor no emaranhado possesso da autora. Por não haver fraternidade e nem universalidade no escrito, realmente se torna visível a nudez do EGO, porque a possessãoexclui a Poesia, em sua veracidade. Ocorre, ademais, no último verso do quarto quarteto, um crucial cacófato – “te/tinha”. A excessiva presença do pronome oblíquo “te” enfeia e prejudica o ritmo dosversos, que, a par da pessoalização intimista dos “meus, minhas, me” torna precária a oralidade. No amar (tátil) não há lugar para os mistérios fora do corpo (tais os submersos no poema), mesmo porque nesse jogar, os sentimentos são a cotidiana matéria movediça, e se exaurem no abstrato da mensagem, convite ao lúdico. Não há janelas abertas para o receptor que pretende chegar e confraternizar. A proposta poética, acaso havida, fica nas mãos da autora e sua inventividade. Vale mais para o jogo do amar, e neste, a obra se exaure.

– Do livro NO VENTRE DA PALAVRA, 2011.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/2965476