Compreendendo um pouco mais o perdão
Gosto de buscar outros significados para as palavras que atendam mais ao meu grau de compreensão das coisas. Nunca me satisfiz com o significado usual dado a palavra perdão, normalmente concebido como o esquecimento de uma ofensa.
Assim, para esquecer um fato ofensivo teríamos que contar com um lapso de memória que não nos permitisse lembrar algo que num dado momento nos marcou emocionalmente de forma negativa. Deveríamos, portanto, nessa acepção, esquecer as ofensas como esquecemos um número de telefone.
A diferença entre um número de telefone e uma ofensa está nos vínculos emocionais. Esquecemos facilmente um número porque ele não nos remete a sentimentos desagradáveis. Já uma ofensa, não se esquece com tanta facilidade simplesmente porque se quer. Isso soa mais com o não querer pensar sobre o fato ou mudar o foco do pensamento da ofensa para outra coisa quando por qualquer motivo nos lembramos dela.
Sinceramente, esse conceito de perdão é muito vago e parece possuir mais afinidade com um tipo de fuga que, a meu ver, não é capaz de limpar um coração.
Outro uso comum do termo perdão é a renúncia voluntária à exigência interna de reparação de uma ofensa que se sofreu, conhecida também como mágoa. Por quais razões alguém renunciaria voluntariamente ao sentimento de dano sofrido ante a uma ofensa? Por imposição moral ou puramente religiosa? Por valores recebidos no ambiente familiar? Não creio que essa renúncia voluntária contenha por si só a explicação para o ato de perdoar .
Se renunciamos ao sentimento de reparação sem que comuniquemos isso aos nossos sentimentos corremos o risco de renunciar tão somente no plano mental. As emoções entram em descompasso com o pensamento e aquelas acabam sempre vencendo a luta. Por isso, só renunciar não basta, é preciso estender essa atitude aos nossos sentimentos e para isso é exigido um elemento a mais que, suponho, completa o conceito de perdão.
Estamos falando da compreensão. Quando renuncio ou esqueço o que não compreendo estou agindo de forma irracional, porque não sei exatamente a que e porque estou renunciando. Dessa forma não posso nem saber se estou renunciando de fato, pois não sei a que renuncio.
Isso pode ser exemplificado. Quando sofremos uma ofensa aparentemente se estabelece uma relação. De um lado o ofensor e de outro o ofendido. Assim temos um polo ativo e um polo passivo da ofensa. Quem ofende age. Quem recebe a ofensa sofre. Quem ofende causa um dano que deve reparar. Quem recebe a ofensa sofre um dano e merece reparação. Um simples exercício de lógica, não é mesmo?
Não necessariamente. A lógica exposta no parágrafo anterior é incompleta e tendenciosa, embora não seja completamente falsa. Existe sim uma ação. É possível identificar também uma relação. Mas a relação não se estabelece em função da ação, mas sim em função da compreensão que se tem a respeito dessa ação.
Quem ofende pode agir intencionalmente ou não, mas isso ainda não faz com que a relação se estabeleça. Quem recebe a ofensa a recebe porque e como quer. Da compreensão de quem supostamente “recebe” a ofensa é que depende, inclusive, o próprio conceito de ofensa.
Não há ofensa sem um ofensor e um ofendido. Só com o ofensor não temos a relação completa. Se não há ofendido, não há o que ser perdoado. Então, para que possamos experimentar o perdão em sua acepção mais completa, precisamos trilhar o percurso entre uma compreensão menos clara de uma relação que sentimos que nos foi desfavorável e a compreensão mais clara de todos os fatores envolvidos nessa suposta relação.
Digo suposta não porque ela não existiu, mas porque ganhou existência a partir de uma compreensão incompleta. Se compreendo mais claramente a relação tende a desaparecer porque a compreensão que a fazia existir desapareceu. Se a nova compreensão acerca dos fatos não os compreende como ofensivos, ocorre de fato o perdão em seu significado mais completo.
Parece simples. De fato é, na teoria, mas na prática o parafuso espana. Compreender algo de forma diferente do que se compreende habitualmente é algo desafiador, para não dizer assustador, para maioria das pessoas. São necessários novos referenciais, novos valores, um novo sistema de crenças, uma nova forma de pensar.
A proposta moral do cristianismo é, sem dúvida alguma, uma das mais favoráveis na reelaboração da compreensão da necessidade e da metodologia do perdão real. Na proposta cristã a abordagem é um pouco diferente, mas igualmente válida, pois ela aprofunda-se nas consequências de não perdoar. Trata-se de uma análise benéfica a uma compreensão do fenômeno em dimensões mais amplas.
Se a pessoa não consegue perdoar porque não compreende as coisas de modo mais profundo, ela pode perdoar então porque compreende profundamente as nefastas consequências de não perdoar.
Mas acredito nisso somente como paliativo. O verdadeiro sentido do perdão, ainda falando da moral cristã, deve ser buscado em outros alicerces dessa mesma doutrina, igualmente válidos e aplicáveis como o amor ao próximo, a indulgência, a tolerância, o amor a si mesmo, a paciência, a serenidade e outros tantos que favorecem uma compreensão mais plena da vida.
Basta fazer um pequeno exercício de como fica uma compreensão influenciada por valores opostos aos mencionados anteriormente como o egoísmo, a irritação, a intolerância, a baixa autoestima, a impaciência, a ansiedade para entendermos do que estamos falando.
Mais do que nunca o “conhece-te a ti mesmo” impõe-se atual e urgente para uma transformação significativa das relações sociais e isso acontece gradativamente com o esforço de cada um no aprimoramento pessoal.
Perdoar é preciso, pois a mágoa é um peso que nos tolhe os movimentos rumo à nossa realização, obscurecendo nossa visão e nos impedindo de ser felizes, objetivo existencial maior de todos os seres humanos.
Gosto de buscar outros significados para as palavras que atendam mais ao meu grau de compreensão das coisas. Nunca me satisfiz com o significado usual dado a palavra perdão, normalmente concebido como o esquecimento de uma ofensa.
Assim, para esquecer um fato ofensivo teríamos que contar com um lapso de memória que não nos permitisse lembrar algo que num dado momento nos marcou emocionalmente de forma negativa. Deveríamos, portanto, nessa acepção, esquecer as ofensas como esquecemos um número de telefone.
A diferença entre um número de telefone e uma ofensa está nos vínculos emocionais. Esquecemos facilmente um número porque ele não nos remete a sentimentos desagradáveis. Já uma ofensa, não se esquece com tanta facilidade simplesmente porque se quer. Isso soa mais com o não querer pensar sobre o fato ou mudar o foco do pensamento da ofensa para outra coisa quando por qualquer motivo nos lembramos dela.
Sinceramente, esse conceito de perdão é muito vago e parece possuir mais afinidade com um tipo de fuga que, a meu ver, não é capaz de limpar um coração.
Outro uso comum do termo perdão é a renúncia voluntária à exigência interna de reparação de uma ofensa que se sofreu, conhecida também como mágoa. Por quais razões alguém renunciaria voluntariamente ao sentimento de dano sofrido ante a uma ofensa? Por imposição moral ou puramente religiosa? Por valores recebidos no ambiente familiar? Não creio que essa renúncia voluntária contenha por si só a explicação para o ato de perdoar .
Se renunciamos ao sentimento de reparação sem que comuniquemos isso aos nossos sentimentos corremos o risco de renunciar tão somente no plano mental. As emoções entram em descompasso com o pensamento e aquelas acabam sempre vencendo a luta. Por isso, só renunciar não basta, é preciso estender essa atitude aos nossos sentimentos e para isso é exigido um elemento a mais que, suponho, completa o conceito de perdão.
Estamos falando da compreensão. Quando renuncio ou esqueço o que não compreendo estou agindo de forma irracional, porque não sei exatamente a que e porque estou renunciando. Dessa forma não posso nem saber se estou renunciando de fato, pois não sei a que renuncio.
Isso pode ser exemplificado. Quando sofremos uma ofensa aparentemente se estabelece uma relação. De um lado o ofensor e de outro o ofendido. Assim temos um polo ativo e um polo passivo da ofensa. Quem ofende age. Quem recebe a ofensa sofre. Quem ofende causa um dano que deve reparar. Quem recebe a ofensa sofre um dano e merece reparação. Um simples exercício de lógica, não é mesmo?
Não necessariamente. A lógica exposta no parágrafo anterior é incompleta e tendenciosa, embora não seja completamente falsa. Existe sim uma ação. É possível identificar também uma relação. Mas a relação não se estabelece em função da ação, mas sim em função da compreensão que se tem a respeito dessa ação.
Quem ofende pode agir intencionalmente ou não, mas isso ainda não faz com que a relação se estabeleça. Quem recebe a ofensa a recebe porque e como quer. Da compreensão de quem supostamente “recebe” a ofensa é que depende, inclusive, o próprio conceito de ofensa.
Não há ofensa sem um ofensor e um ofendido. Só com o ofensor não temos a relação completa. Se não há ofendido, não há o que ser perdoado. Então, para que possamos experimentar o perdão em sua acepção mais completa, precisamos trilhar o percurso entre uma compreensão menos clara de uma relação que sentimos que nos foi desfavorável e a compreensão mais clara de todos os fatores envolvidos nessa suposta relação.
Digo suposta não porque ela não existiu, mas porque ganhou existência a partir de uma compreensão incompleta. Se compreendo mais claramente a relação tende a desaparecer porque a compreensão que a fazia existir desapareceu. Se a nova compreensão acerca dos fatos não os compreende como ofensivos, ocorre de fato o perdão em seu significado mais completo.
Parece simples. De fato é, na teoria, mas na prática o parafuso espana. Compreender algo de forma diferente do que se compreende habitualmente é algo desafiador, para não dizer assustador, para maioria das pessoas. São necessários novos referenciais, novos valores, um novo sistema de crenças, uma nova forma de pensar.
A proposta moral do cristianismo é, sem dúvida alguma, uma das mais favoráveis na reelaboração da compreensão da necessidade e da metodologia do perdão real. Na proposta cristã a abordagem é um pouco diferente, mas igualmente válida, pois ela aprofunda-se nas consequências de não perdoar. Trata-se de uma análise benéfica a uma compreensão do fenômeno em dimensões mais amplas.
Se a pessoa não consegue perdoar porque não compreende as coisas de modo mais profundo, ela pode perdoar então porque compreende profundamente as nefastas consequências de não perdoar.
Mas acredito nisso somente como paliativo. O verdadeiro sentido do perdão, ainda falando da moral cristã, deve ser buscado em outros alicerces dessa mesma doutrina, igualmente válidos e aplicáveis como o amor ao próximo, a indulgência, a tolerância, o amor a si mesmo, a paciência, a serenidade e outros tantos que favorecem uma compreensão mais plena da vida.
Basta fazer um pequeno exercício de como fica uma compreensão influenciada por valores opostos aos mencionados anteriormente como o egoísmo, a irritação, a intolerância, a baixa autoestima, a impaciência, a ansiedade para entendermos do que estamos falando.
Mais do que nunca o “conhece-te a ti mesmo” impõe-se atual e urgente para uma transformação significativa das relações sociais e isso acontece gradativamente com o esforço de cada um no aprimoramento pessoal.
Perdoar é preciso, pois a mágoa é um peso que nos tolhe os movimentos rumo à nossa realização, obscurecendo nossa visão e nos impedindo de ser felizes, objetivo existencial maior de todos os seres humanos.