Adjetivos delatores
Na labuta diária do burilamento espiritual são diversos os desafios que se apresentam. Nossa capacidade de enfrentá-los depende basicamente do grau de adiantamento em que nos encontramos seja ele moral ou intelectual.
Algumas situações podem ser superadas facilmente com base em experiências pretéritas que nos ensinam como agir, outras podem ser superadas através do exame dos conselhos a nós endereçados por aqueles que já viveram situações semelhantes, mas alguns obstáculos só podem ser superados se adotarmos uma postura sincera em relação às dificuldades ocultas em nossos comportamentos, a chamada reforma íntima.
Pela natureza social que possuímos como seres humanos, recebemos um chamado constante de contribuir para o bem da sociedade, tanto no plano individual como no coletivo. É saudável observar como está nosso desempenho nesse item. Perguntar-se: sou útil? Pode nos levar a respostas interessantes.
O objetivo deste ensaio é identificar alguns ruídos em nossa atuação no plano coletivo. Sou útil ao mundo que me cerca? Família,amigos, escola, trabalho, sociedade civil, política são esferas dentro das quais podemos prosseguir em nossa reflexão. Existe coerência na forma como compreendo minha atuação e a forma como as pessoas me vêem?
Se opto por nada contribuir e as pessoas me vêem assim, podemos dizer que há uma coerência. Se nada faço, mas as pessoas vêm em mim alguém que faz, duas coisas podem estar ocorrendo: ou estou mentindo a todos ou minha modéstia me oculta a dimensão de minha utilidade.
Num ambiente institucional, por exemplo, é comum as pessoas se sentirem incompreendidas, esforçarem-se para ser úteis, participarem ativamente do trabalho e ainda assim serem vistas como pessoas desagradáveis no ambiente que freqüentam. Muitas são as variáveis que podem ser responsáveis por isso, interessa-nos basicamente o enfoque que passaremos a tratar.
Diz a sabedoria popular que “cada um só dá o que tem só mostra o que é e só faz o que pode” ou ainda que “quanto mais alguém procura se esconder mais mostra aquilo que é”. Com base nesses princípios será que os resultados de nossas ações estão querendo nos mostrar alguma coisa?
Será que a opinião das pessoas a nosso respeito nos mostra alguma coisas sobre nós mesmos que não sabemos? É claro que devemos ter uma opinião só nossa sobre nós mesmos, mas qual o resultado de ignorarmos completamente a opinião das pessoas sobre nosso comportamento? Somos assim tão infalíveis em nosso julgamento?
Certa vez ouvi o depoimento de um pedófilo convicto desencantado com a vida porque as pessoas se afastavam dele depois de algum tempo, que suas relações de amizade não se aprofundavam. Ele não conseguia ver o que havia de errado. Curiosamente as pessoas que mais o hostilizavam eram aquelas que tinham filhos ainda crianças e que no convívio deparavam-se com comportamentos pra lá de reprováveis.
Também ouvi um depoimento de um jovem que se queixava de que tinha poucos amigos e de modo geral as pessoas não gostavam dele. Não conseguia compreender por que. Compreendeu com o tempo que sua impaciência com as pessoas tornava-o agressivo e presunçoso criando uma reação de aversão quase que instantânea.
No ambiente institucional é comum nos depararmos com pessoas cuja presença inspira cuidados quando se trata de estabelecer esforços agregadores e o desenvolvimento de relações fraternas mais gratificantes.
Recentemente uma determinada instituição cristã propôs-se a desenvolver uma atividade de visita fraterna à casa de seus membros. O objetivo principal era cumprir com os objetivos básicos da instituição e como objetivo secundário estimular o sentimento de fraternidade e aproximação.
A atividade proposta dependia basicamente de dois elementos a formação de um grupo que faria as visitas e a solicitação por escrito dos membros que desejavam ser visitados. O voluntarismo era a condição dominante da atividade, ou seja, só participaria do grupo de visitas quem desejasse e só receberia visitas quem quisesse, inclusive pessoas de fora do grupo, bastando fazer a solicitação.
O ato de participar de um grupo dessa natureza implica no desprendimento fraterno e na disposição de auxiliar a instituição e às pessoas. Toma tempo e exige habilidade no trato com o semelhante em seus ambientes domésticos. O ato de receber as visitas também exige desprendimento, pois o solicitante está abrindo sua casa para estranhos, revelando aspectos mais íntimos da sua vida, fato que demanda muito respeito e sensibilidade, sem os quais os objetivos do trabalho se perdem. Uma ação descuidada pode ser desastrosa.
Por ocasião dos preparos para a primeira visita destacamos um trecho do diálogo estabelecido entre um dos membros do grupo de visitas e o solicitante.
- Qual o seu endereço, perguntou o membro do grupo de visitas.
- Moro num apartamento localizado na rua tal e bairro tal. Disse o solicitante.
- Há sei, você mora naquele pombal, vai nos fazer subir escadas. Diz o membro do grupo de visitas.
O solicitante nada responde, mas observa uma adjetivação imprópria para os objetivos do trabalho a ser feito. Dificilmente alguém se refere ao apartamento de alguém como um pombal com o objetivo de elogiá-lo. Criou-se aí uma barreira absolutamente desnecessária.
O título de nosso ensaio é “Adjetivos delatores”, pois com o exemplo citado verificamos que a displicência com os adjetivos utilizados no trato com as pessoas pode trazer ruídos indesejáveis nas relações, atrair antipatias e até mesmo comprometer o objetivo dos trabalhos.
Fico imaginando o desconforto do solicitante em ter que receber em sua casa, para uma atividade que visa a aproximação entre as pessoas, alguém que tenha se manifestado dessa forma.
Tal comportamento delata seu protagonista irremediavelmente. Demonstra este possuir ainda defeitos que precisam ser urgentemente trabalhados, principalmente no plano da humildade e do amor ao próximo, uma vez que Jesus aceita todos como são e onde estão e jamais menospreza a quem quer que seja.
Não basta, portanto, a vontade de participar é preciso conquistar as qualidades necessárias para o trabalho sob pena de concluir, ao fim, que as pessoas deixaram de se inscrever para receber as visitas, não porque estão desinteressadas, mas sim porque não confiam no grupo ou em algumas pessoas do grupo para levá-las para dentro de casa.
O medo de serem julgadas pejorativamente por quem as está visitando afasta as pessoas.
Quem ao invés de levar o auxílio está mais preocupado em reparar em detalhes como padrão de vida ou de higiene poderá comprometer completamente os objetivos do trabalho.
Por isso a capacitação e o diálogo são imprescindíveis em projetos tão importantes como esse, bem como a disposição de transformar comportamentos pode ser fundamental quando se decide fazer algo realmente relevante para a comunidade ou instituição em que participamos.
Na labuta diária do burilamento espiritual são diversos os desafios que se apresentam. Nossa capacidade de enfrentá-los depende basicamente do grau de adiantamento em que nos encontramos seja ele moral ou intelectual.
Algumas situações podem ser superadas facilmente com base em experiências pretéritas que nos ensinam como agir, outras podem ser superadas através do exame dos conselhos a nós endereçados por aqueles que já viveram situações semelhantes, mas alguns obstáculos só podem ser superados se adotarmos uma postura sincera em relação às dificuldades ocultas em nossos comportamentos, a chamada reforma íntima.
Pela natureza social que possuímos como seres humanos, recebemos um chamado constante de contribuir para o bem da sociedade, tanto no plano individual como no coletivo. É saudável observar como está nosso desempenho nesse item. Perguntar-se: sou útil? Pode nos levar a respostas interessantes.
O objetivo deste ensaio é identificar alguns ruídos em nossa atuação no plano coletivo. Sou útil ao mundo que me cerca? Família,amigos, escola, trabalho, sociedade civil, política são esferas dentro das quais podemos prosseguir em nossa reflexão. Existe coerência na forma como compreendo minha atuação e a forma como as pessoas me vêem?
Se opto por nada contribuir e as pessoas me vêem assim, podemos dizer que há uma coerência. Se nada faço, mas as pessoas vêm em mim alguém que faz, duas coisas podem estar ocorrendo: ou estou mentindo a todos ou minha modéstia me oculta a dimensão de minha utilidade.
Num ambiente institucional, por exemplo, é comum as pessoas se sentirem incompreendidas, esforçarem-se para ser úteis, participarem ativamente do trabalho e ainda assim serem vistas como pessoas desagradáveis no ambiente que freqüentam. Muitas são as variáveis que podem ser responsáveis por isso, interessa-nos basicamente o enfoque que passaremos a tratar.
Diz a sabedoria popular que “cada um só dá o que tem só mostra o que é e só faz o que pode” ou ainda que “quanto mais alguém procura se esconder mais mostra aquilo que é”. Com base nesses princípios será que os resultados de nossas ações estão querendo nos mostrar alguma coisa?
Será que a opinião das pessoas a nosso respeito nos mostra alguma coisas sobre nós mesmos que não sabemos? É claro que devemos ter uma opinião só nossa sobre nós mesmos, mas qual o resultado de ignorarmos completamente a opinião das pessoas sobre nosso comportamento? Somos assim tão infalíveis em nosso julgamento?
Certa vez ouvi o depoimento de um pedófilo convicto desencantado com a vida porque as pessoas se afastavam dele depois de algum tempo, que suas relações de amizade não se aprofundavam. Ele não conseguia ver o que havia de errado. Curiosamente as pessoas que mais o hostilizavam eram aquelas que tinham filhos ainda crianças e que no convívio deparavam-se com comportamentos pra lá de reprováveis.
Também ouvi um depoimento de um jovem que se queixava de que tinha poucos amigos e de modo geral as pessoas não gostavam dele. Não conseguia compreender por que. Compreendeu com o tempo que sua impaciência com as pessoas tornava-o agressivo e presunçoso criando uma reação de aversão quase que instantânea.
No ambiente institucional é comum nos depararmos com pessoas cuja presença inspira cuidados quando se trata de estabelecer esforços agregadores e o desenvolvimento de relações fraternas mais gratificantes.
Recentemente uma determinada instituição cristã propôs-se a desenvolver uma atividade de visita fraterna à casa de seus membros. O objetivo principal era cumprir com os objetivos básicos da instituição e como objetivo secundário estimular o sentimento de fraternidade e aproximação.
A atividade proposta dependia basicamente de dois elementos a formação de um grupo que faria as visitas e a solicitação por escrito dos membros que desejavam ser visitados. O voluntarismo era a condição dominante da atividade, ou seja, só participaria do grupo de visitas quem desejasse e só receberia visitas quem quisesse, inclusive pessoas de fora do grupo, bastando fazer a solicitação.
O ato de participar de um grupo dessa natureza implica no desprendimento fraterno e na disposição de auxiliar a instituição e às pessoas. Toma tempo e exige habilidade no trato com o semelhante em seus ambientes domésticos. O ato de receber as visitas também exige desprendimento, pois o solicitante está abrindo sua casa para estranhos, revelando aspectos mais íntimos da sua vida, fato que demanda muito respeito e sensibilidade, sem os quais os objetivos do trabalho se perdem. Uma ação descuidada pode ser desastrosa.
Por ocasião dos preparos para a primeira visita destacamos um trecho do diálogo estabelecido entre um dos membros do grupo de visitas e o solicitante.
- Qual o seu endereço, perguntou o membro do grupo de visitas.
- Moro num apartamento localizado na rua tal e bairro tal. Disse o solicitante.
- Há sei, você mora naquele pombal, vai nos fazer subir escadas. Diz o membro do grupo de visitas.
O solicitante nada responde, mas observa uma adjetivação imprópria para os objetivos do trabalho a ser feito. Dificilmente alguém se refere ao apartamento de alguém como um pombal com o objetivo de elogiá-lo. Criou-se aí uma barreira absolutamente desnecessária.
O título de nosso ensaio é “Adjetivos delatores”, pois com o exemplo citado verificamos que a displicência com os adjetivos utilizados no trato com as pessoas pode trazer ruídos indesejáveis nas relações, atrair antipatias e até mesmo comprometer o objetivo dos trabalhos.
Fico imaginando o desconforto do solicitante em ter que receber em sua casa, para uma atividade que visa a aproximação entre as pessoas, alguém que tenha se manifestado dessa forma.
Tal comportamento delata seu protagonista irremediavelmente. Demonstra este possuir ainda defeitos que precisam ser urgentemente trabalhados, principalmente no plano da humildade e do amor ao próximo, uma vez que Jesus aceita todos como são e onde estão e jamais menospreza a quem quer que seja.
Não basta, portanto, a vontade de participar é preciso conquistar as qualidades necessárias para o trabalho sob pena de concluir, ao fim, que as pessoas deixaram de se inscrever para receber as visitas, não porque estão desinteressadas, mas sim porque não confiam no grupo ou em algumas pessoas do grupo para levá-las para dentro de casa.
O medo de serem julgadas pejorativamente por quem as está visitando afasta as pessoas.
Quem ao invés de levar o auxílio está mais preocupado em reparar em detalhes como padrão de vida ou de higiene poderá comprometer completamente os objetivos do trabalho.
Por isso a capacitação e o diálogo são imprescindíveis em projetos tão importantes como esse, bem como a disposição de transformar comportamentos pode ser fundamental quando se decide fazer algo realmente relevante para a comunidade ou instituição em que participamos.