O VOEJAR DA BORBOLETA

Eis o poema, que chega pedindo interpretação e análise de fundo e forma. Vamos direto ao estudo:

“A BORBOLETA

Miriam Dutra

Navega em ventos

com duas asas

apenas.

Nos ciscos

bate a cabeça,

sem pena.

Malvados tempos

trazem bilhetes

antigos,

no peito perdidos.

E alguma lembrança

às vezes má,

às vezes boa,

retoma a cena.

Alma de gente,

triste borboleta,

voa...

Publicado no Recanto das Letras em 20/03/2011.

Código do texto: T2860412.”.

Esta peça poética está muito bem construída, muito bem urdida. Percebe-se que a autora, além do inspirar-se, transpira: jogo de palavra traduzindo os neurônios. Perceptível predomínio da intelecção sobre o emocional, que funciona como centelha original para a inventiva e imagística... Os vocábulos surgem, medrosos, sinuosos, tímidos, "alma de gente, borboletas"... O sugestional imanta cada vocábulo e o sentido denotativo prevalece. Curiosamente, há ausência de figuras de linguagem, algo quase inconcebível para o bom poema, que, usualmente, necessita das "muletas" das metáforas, metonímias, etc., para se alinhar ao gênero poético como espécie. Fora disso, tudo é coloquial, prosaico – entenda-se: relativo à Prosa – pois lhe falta o essencial: imagística assentada na sugestionalidade abreviada, não meramente comparativa, através de metáforas profundas, enquanto, na Prosa, vicejam metáforas superficiais. Aqui, fugindo ao curial, ocorre o que chamo "metáfora de imagem", que permite o voejar sugerido pelo poema, que é a materialidade contemporânea da Poesia. Algo que se vê correntemente em T. S. Eliot, Ezra Pound, Rilke, Georg Trakl e outros estrangeiros. Pelas terras sul-americanas, válida e verificável a sensibilidade latina, o poema percorre artérias metafóricas... Parabéns pelo Novo! Algo mais merece ser ressaltado. Trata de exemplar em Poesia, em todas as suas características, inclusive a “Transcendência”, que é a que mais pontua nos bons exemplares do gênero. O que normalmente ocorre é que o criador (neste em todos os sites da net – sem exceções) denomina e classifica como POESIA o que é, na real, a modalidade PROSA POÉTICA. O que me diz o texto é que a autora deste "A Borboleta" conhece o ofício do poetar, algo também pouco encontrável nos recantos usuais da Rede. Aqui está tatuado o poema, com a palavra em seu vestido de baile: música e viagem. O lirismo na busca do Amado. Delatam-se os temores do voo da borboleta: timidez e viço. Tudo por e para a beleza estética. Signos esvoaçantes...

– Do livro TIDOS & HAVIDOS, 2011.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/2888594