FLESH, JOE DALESSANDRO, PAUL MORRISSEY E ANDY WARHOL

Por indicação de meu colega de turma da faculdade e amigo, o diretor teatral, brilhante ator e escritor Júlio Góes, eu assisti ao filme Flesh, dos anos 60 dirigido por Paul Morrissey e Andy Warhol. A película é estrelada por Joe Dalessandro, ícone gay dos anos 60/70. Joe foi descoberto por Andy, que o levou para sua Factory e o colocou no mundo cinematográfico. Aquele ex-michê de olhos lindos, tristes e melancólicos trabalhou como um interessante ator em Flesh, Trash e Heat, dentre outros títulos. Nascido em 1948 e no auge da beleza, Joe Dalessandro fala pouco e veste pouca roupa naqueles filmes underground. O ator ficou famoso também pela capa de um disco da banda inglesa The Rolling Stones, o Sticky Fingers, de 1971, onde seu famoso pau está desenhado no Jean, a foto e a produção são de Andy Warhol, aquele velho garoto esperto. Em Flesh, a câmera desliza pelo corpo do ator e podemos ver sua beleza total, sua sexualidade e erotismo.

Mas o que me chamou a atenção foi mais a naturalidade das cenas de nudez, inclusive feminina, todas frontais , do que as genitálias expostas. Senti inclusive certa ingenuidade no tocante à exploração sexual, ao submundo. Em Flesh, Joe interpreta um michê que vive com uma lésbica; ela precisa de dinheiro para pagar o aborto da namorada e manda que o rapaz saia pelas ruas fazendo programas para conseguir a grana. Então vivemos um dia na vida de um garoto de programa, mas sem as costumeiras ruas molhadas, escuras e esfumaçadas das produções hollywoodianas famosas; tudo se passa de dia, uma pasmaceira total, um tédio, personagens estranhas. Digo isso como fator positivo do filme, que não tem uma linguagem rebuscada, mas totalmente experimental e deslocada, como é de praxe nas produções do gênero. Nada atrai aquele rapaz da vida, de bandana vermelha, ele não tem interesse por nada, seu pau não sobe, ele não se excita, parece um anjo perdido na imundície humana, parece um personagem de Fellini, me lembrou Gelsomina de La Strada (1954) ou Cabíria de Notti di Cabiria (1957). No filme você admira pasmado a nudez humana, aquele homem que se parece o Davi de Michelangelo. Não existe lição de moral, grandes enredos, conflitos, peripécia, redenção, drama (naquele pior sentido, claro); trata-se de um experimento, uma brincadeira em cima daquilo, um fluxo de imagens belíssimas de um corpo igualmente belo com uma linguagem despojada. Considero no mínimo curiosa para os dias de hoje a cena em que o personagem, completamente nu, brinca com uma criança, dando-lhe comida e fazendo-lhe afagos. Realmente são duas crianças, praticamente da mesma idade. Hoje seria impossível uma cena daquelas, nosso mundo politicamente correto e “alvejado” a todo custo por cartilhas e normas de conduta censuraria “democraticamente” a cena, quiçá o filme inteiro. Mas aquele mundo onde a sexualidade e a nudez são tratadas de forma tão natural como o fez o Criador não é o nosso mundo. Ou é?