Sobre a angústia do homem

Talvez nunca tenha havida espírito mais turbulento, mais inquieto, um filósofo mais polêmico e angustiado do que o francês Sartre. Não era, contudo, um grande cientista. Nunca pôde submeter-se à fadiga da Lógica nem à secura das verdades epistemológicas, que de início não apresentam algo apetecível ao espírito. E ninguém provou melhor do que ele que não se poderia ter o espírito lógico sem o apoio da epistemologia. Por isso, talvez, seu trabalho filosófico tenha sido tão angustiante. Mas antes dele, um filósofo havia escrito com zelo o conceito de angústia, seu nome, Soren Kierkegaard, e também antes desse, pretensos sábios haviam decidido positivamente o que é a angústia do homem, mas como nada sabiam sobre ela, era muito justo que todos tivessem opiniões diferentes.

Na Grécia, berço da filosofia e de certos erros que se cultiva ainda hoje, onde a grandeza e as baixezas do espírito humano tanto se desenvolveram, raciocinava-se sobre a angústia como hoje o faz nosso senso comum.

Para os gregos, angústia se liga a tristeza da alma, sem que essa, se for de caráter nobre, o venha a reter por muito tempo em seu ser. Para Aristóteles é uma doença da alma de estágio passageiro. O termo usado pelos antigos que mais se aproxima do conceito de angústia é “paixão”, sofrimento. Os estóicos a proíbem aos sábios.

Quanto aos Padres da Igreja, nos primeiro séculos de cristianismo, acreditaram que essa doença da alma, seria um castigo de Deus por causa do pecado original. O mundo sempre se refina. Santo Agostinho ensinou que a tristeza da alma, angústia, se liga aos sofrimentos de Cristo e servem para a expiação de pecados e enquanto nesse mundo, estivermos, dela (paixão, angústia), nunca nos separaremos.

Doutor Angélico, o divino Tomás de Aquino, que a igreja católica até hoje erige institutos de filosofia em seu nome, também falou da alma, de suas virtudes e de sua doença, a angústia, mas ao falar, falou como se quisesse que ninguém entendesse coisa alguma.

O divino Lutero acreditava que essa angústia, da natureza humana, da vontade humana, é conseqüência remanescente do pecado original de Adão. João Calvino, também divino, discípulo do divino Lutero, que era discípulo do divino Agostinho, acentuava que a prosperidade ou a angústia do crente está ligada à predestinação. Nessa consciência, o crente deve encontrar caminhos para a alegria, a gratidão, a obediência e a paciência no sofrimento. Tais pensamento dos divinos, levou muita gente a dizer que esses foram gênios velhacos. Ah, mas essa gente é muito irônica!

Nosso Michel de Montaigne, que odiava essa disposição de espírito, nascido para ironizar os erros antigos, a fim de substituí-los pelos seus próprios, assim se expressa: a angústia “é sempre nociva, sempre insensata, e também covarde e desprezivel (...) Quanto a mim, sou pouco predisposto a essas paixões violentas; tenho uma sensibilidade naturalmente grosseira e a torno mais espessa ainda e empedernida mediante raciocínios diários”.

Para Espinosa, Dante e depois Lacan, a “tristeza-angústia”, é simplesmente um pecado, uma falta ética, uma covardia moral.

O Sr. Malebranche, padre e filósofo, inspirador dos evangélicos hodiernos, em suas sublimes ilusões não somente admitiu as idéias inatas, como também não duvidou de que víssemos tudo em Deus, e que este, por assim dizer, fosse nossa alma. Para ele, a paixão da alma (angústia) é a ausência de Deus e a manifestação demoníaca do mal.

Tantos raciocinadores tendo escrito o romance da angústia, veio enfim um dinamarquês, que modestamente escreveu sua tese. Kierkegaard usou pela primeira vez o conceito de angustia, mencionando que a angústia nos é transmitida em forma de uma realidade da liberdade como puro possível. “Por essa razão é que não a achamos no animal, cuja natureza, não tem precisamente, a determinação espiritual”. Para Kierkegaard a existência humana é o puro sentimento de possibilidade e a angústia está na liberdade de ser livre num mundo onde tudo é possível, e, isso, só é possível, para o homem, pois se fosse esse, anjo ou animal, não conheceria a angústia, que é fruto da única qualidade do ser humano, que é a reflexão sobre a própria reflexão, ou seja, o refletir sobre si mesmo, sobre os outros e as coisas do mundo, num ato de pura e solitária transcendência.

Todavia, não foi somente pela filosofia de Kierkegaard que a angústia foi considerada como a revelação emotiva da situação humana no mundo. Freud fê-la remontar ao ato do nascimento, isto é, ao ato “em que se acham reunidas todas as tendências e as sensações corpóreas, cujo conjunto se tornou o protótipo do efeito causado por um perigo grave”, e ainda, “reação do sujeito sempre que se encontra numa situação traumática, isto é, submetido a um afluxo de excitações, de origem externa ou interna, que é incapaz de dominar”. Em seguida, mais genericamente, ele considerou a angústia como a reação do eu ao perigo, ou melhor, à própria essência do perigo. A angústia também é definida por Freud como uma situação de impotência.

Por sua vez, Roland Barthes disse que “o sujeito, do sabor de uma ou outra contingência, se deixa levar pelo medo de um perigo, de uma mágoa, de um abandono, de uma reviravolta – sentimento que ele exprime sob o nome de angústia”.

Martin Heidegger foi quem mais profundamente ousou falar dum assunto tão delicado. Para ele a angústia se liga a experiência do tédio, aspecto psicológico da experiência da contingência universal (ou do absurdo). Régis Jolivet diz: para Heidegger, “o tédio profundo, estendendo-se pelos abismos da existência como uma silenciosa bruma, confundindo estranhamente as coisas, os homens e nós mesmos numa indiferença geral”, é a angústia. Para Heidegger, angústia é dentre todas as coisas e sentimentos da existência humana, aquela que pode reconduzir o homem ao encontro da sua totalidade como ser e juntar os pedaços a que é reduzido pela imersão na monotonia e na indiferenciação da vida cotidiana. Segundo Ernildo Stein, em Heidegger, a angústia faria o homem elevar-se da traição cometida contra si mesmo, quando se deixa dominar pelas mesquinharias do dia-a-dia, até o autoconhecimento em sua dimensão mais profunda. Não obstante, a angústia, não tendo coisa alguma do mundo como causa, teria sua fonte no homem mesmo, em estado puro, pois o mundo surge diante do homem, aniquilando todas as coisas particulares que o rodeiam e, portanto, apontando para o nada, então, o homem, sente-se, assim, como uma existência incriada, solitária, jogada no mundo, fora de si, como uma interioridade exteriorizada de consciência: finita e angustiada. Seu real fim e indelével certeza é “ser-para-a-morte”.

De Heidegger, aprende-se que o dasein sabe que sabe, sabe que é um “ser-para-a-morte”. E, embora tente se enganar, nunca deixará de ser um ser de angústia.

A angústia heideggeriana está bem próxima da angústia sartreana. Para nosso Sartre o homem é um projeto vivido subjetivamente, e descobrindo em si, o nada que é seu ser, deve procurar sentido fora de si. Jogado na existência, no mundo, com os outros e dentro da temporalidade, como diz Heidegger, para Sartre, o homem não tem outra possibilidade senão a busca de sentido. Na busca de sentido, na obrigação de fundar-se, o homem se angústia por ser livre. O problema da liberdade está em a existência preceder a essência e o ser, mais que nunca, longe de um heteros (Deus), deve assumir sua condição que é aparecimento jogado no mundo. Consciente disso e livre para fundar-se (Para-Si) o homem está condenado a se escolher. Escolher, fundar-se, eis o sartreano caminho da humanidade, pois livre é o homem, mas não livre de ser livre. Sendo assim, Sartre identifica a angústia com o momento decisivo em que o homem torna-se inventor de si mesmo e único responsável por isto. E diz: “O homem está condenado a ser livre. Condenado porque não se criou a si próprio; e, no entanto, livre porque, uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer”. Para o francês Sartre, até a possibilidade de não decidir é decisão, com tudo, não há como existir sem angústia, pois ela, lá está, no ato de decidir, como “a consciência de ser seu próprio devir à maneira de não sê-lo”.

Durval Baranowske

Bara
Enviado por Bara em 12/02/2011
Reeditado em 04/07/2011
Código do texto: T2788306