As crianças e suas percepções da natureza
É surpreendente como nosso apreço pela natureza é condicionado pelo aprendizado e experiências da infância. Isso se reflete fortemente nas relações e aptidões que apresentamos durante nossas ações por toda a vida.
Em um trabalho inédito realizado no segundo semestre de 2005 pelos Fiscais Ambientais do NATURATINS (Instituto Natureza do Tocantins) com crianças da faixa etária de 4 a 7 anos em Gurupi, foi verificada a percepção que elas têm da natureza e de seus elementos. Nesse levantamento, verificou-se que entre os principais elementos associados à natureza estão: as florestas, os animais, as cavernas e os índios. Foram coletadas também as impressões e associações que elas fazem de tais elementos, quando se observou que, na grande maioria das vezes, são tratados com associações negativas. Em tal trabalho também foram apontadas as principais fontes de origem das idéias que estariam influenciando a percepção e valores dessas crianças.
Segundo a opinião geral das crianças, as florestas são lugares habitados por uma gama de seres mágicos (bruxas, feiticeiros, saci-pererê, duendes, gnomos, gigantes e fadas) e também pelos animais perigosos (serpentes, escorpiões, dragões, aranhas, morcegos etc.) os quais tornam tais lugares detestáveis e temíveis. Da mesma forma, as cavernas são sempre retratadas como lugares escuros, frios e horripilantes.
Já os animais podem ser agrupados em duas categorias bem distintas. Alguns animais, tais como o mico-leão-dourado, a arara-azul, o coala e o urso panda, são instintivamente atraentes e queridos. Outros, como cobras, sapos, jacarés, morcegos, freqüentemente evocam fortes sentimentos de medo.
Com relação à opinião que as crianças têm dos povos indígenas foram verificados alguns aspectos bastante curiosos. Por estarem os índios vivendo no meio da floresta, que segundo elas trata-se de um lugar cheio de perigos, eles são considerados seres valentes e fortes. Mas conforme pensam, eles também partilham uma essência tenebrosa associada aos animais e às cavernas. Pois os índios partilham inúmeros atributos especiais (cantam com os pássaros, nadam com os peixes e tartarugas, dançam para que as chuvas venham, e escondem-se nas cavernas fugindo do trovão e da onça-pintada etc.) os quais os tornam, muitas vezes, mágicos, misteriosos e assustadores.
Para compreender melhor isso, precisamos ir fundo, verificando os inúmeros elementos de nossa cultura que alimentam a opinião de crianças e adultos acerca da natureza e de seus componentes.
As obras literárias mais conhecidas pelo público infantil descrevem vários elementos da natureza com aspectos extremamente negativos.
A estória da Chapeuzinho Vermelho é um exemplo bem claro disso, pois nela vemos que enquanto ela desejava visitar sua amada vovó, do meio da floresta saiu o lobo mau que acabou por devorar a pobre velhinha. E por outro lado, essa estória mostra o caçador como um valente herói que salva a vovozinha, matando o animal.
Na estória da Branca de Neve e os sete anões vemos que a doce Branca de Neve foi enganada pela bruxa malvada, caindo em sono profundo, após comer uma maça envenenada. Vale lembrar que tão triste episódio se passa no meio da floresta.
Outra célebre representação de que a floresta é um local perigoso pode ser vista na estória de Joãozinho e Maria. Pois eles andavam pela floresta fazendo uma trilha de migalhas de pão, quando, após se perderem, foram capturados e mantidos presos pela terrível bruxa que vivia naquele lugar.
Até no folclore brasileiro vemos uma imagem negativa a respeito das florestas e de alguns animais. A famosa estória do Sítio do Pica-pau-amarelo apresenta a feiticeira Cuca - uma personagem perversa que persegue a bondosa Emília e tem a forma de um jacaré e vive no pântano frio e assombrado.
O crescimento da indústria de filmes e vídeo tem proporcionado muito pouco para mudar a opinião pública acerca de florestas, cavernas e inúmeros animais. Basta vermos alguns dos mais populares filmes das últimas décadas que têm apresentado os crocodilos, jacarés, aranhas, cobras e morcegos como verdadeiros monstros e assassinos. Esse aspecto é extremamente negativo e torna difícil a aquisição de recursos financeiros para subsidiar pesquisas e atividades voltadas para a conservação desses animais.
São raríssimas as referências onde florestas, cavernas e povos indígenas são tratados de forma coerente e positiva. A grande maioria das fontes de informação não apresenta as florestas como sendo locais ameaçados pela ação destruidora do homem e carentes de proteção. As cavernas não são mostradas como um dos lugares onde o homem no passado se refugiava da chuva e do calor escaldante do sol, buscando abrigo e proteção para sua família, o que hoje as tornam um local de rica informação arqueológica, onde, muitas vezes, são encontrados inúmeros registros fósseis e dezenas de espécies vivas singulares que necessitam ser conhecidas e preservadas. O mesmo vale para os povos indígenas que têm uma riqueza de valores sócio-culturais que influenciam nossa sociedade atual e que, na grande maioria das vezes, encontram-se cerceados de seu direito às suas terras e de uma plena participação social.
Tais estórias e filmes repassam valores que se fixam fortemente no inconsciente das pessoas, reforçando a idéia que a natureza e seus elementos são perigosos e prejudiciais ao ser humano. Esse aspecto é extremamente negativo e, muitas vezes, se reflete em ações prejudiciais ao meio ambiente. O que segundo os especialistas pode, ao menos em parte, explicar o motivo que leva um grande número de proprietários rurais realizar um desmatamento ilegal tentando burlar a fiscalização, ao invés de buscar o licenciamento ambiental de sua propriedade, ou daquele caçador que pratica a atividade de caça simplesmente pelo prazer de matar e ferir animais.
Conforme relembram os Fiscais do NATURATINS, deve haver um amplo esclarecimento das pessoas (em especial das crianças e jovens) acerca do importante papel de cada um na proteção da natureza e de seus componentes.
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Publicado no Jornal Chico, edição n. 04, p. 04, de 09/12/2005. Gurupi – Estado do Tocantins.
Publicado no Jornal Mesa de Bar News, edição n. 291, p. 18, de 19/12/2008. Gurupi – Estado do Tocantins.
Giovanni Salera Júnior
E-mail: salerajunior@yahoo.com.br
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