Gregas Tragédias - Resumos Comentados - N. 1 e 2 - Antígona, Alceste
Publicarei nesse espaço resumos comentados das Tragédias Gregas, antecipando meu próximo livro. Espero que seja do agrado de todos.
Normalmente ao se falar das Tragédias Gregas também se diz que são Clássicas, mas não é raro que um iniciante na aquisição de Cultura, após ter lido um das mesmas se per-gunte: clássica, por quê? É uma história banal que eu já vi na televisão, ou no cinema, ou num folhetim qualquer.
Também não são muitos os que conseguem inverter o eixo da questão e entenderem que tudo aquilo que já viu na tele-visão, no cinema ou em folhetins e em outros livros são me-ras cópias desses “originais”, chamados de “Clássicos”. Clás-sicas, justamente por serem elas a matriz, o modelo de qua-se tudo que se produziu em termos de arte literária e/ou teatral e cinematográfica e televisiva. A parte que não a-brangem é coberta pelas outras obras ditas “Clássicas”, como a “Ilíada”, a “Odisséia” “Eneida” etc. Passa, então, esse iniciante a entender que são Clássicas por que são perma-nentes, imutáveis, ao contrário de suas cópias que atendem às exigências do modismo relativo ao tempo em que são produzidas.
Com o avanço de seu aculturamento passa, a seguir, a en-tender que também são chamados de “Clássicos” por conta-rem histórias comuns de modo esplêndido, atendendo as diretrizes da rima, da métrica, da fluidez, da concisão e prin-cipalmente atendendo à beleza que a história humana pode ter.
E é esse o principal mote dessas histórias. A história do Ho-mem em todas as suas nuances: seu heroísmo, sua grande-za, sua mediocridade, sua covardia, suas virtudes, seus vícios e tudo mais que ao longo de mais de cinco milênios se manteve intacto: o espírito humano, que a par das inovações tecnológicas continua a agir como o que nos contam os grandes Clássicos.
A presente obra não tem a presunção de substituir os textos originais e nem seria admissível qualquer tentativa de supri-mir ao leitor o prazer de saborear as delicias que Eurípedes, Sófocles, Ésquilo legaram ao Mundo. Pretende-se com esse guia ser apenas um auxilio nas dúvidas eventuais, das quais não escapam nem os melhores intelectuais, na pré-ciência do que o texto original trará e ser uma vitrine onde se expõe textos que certamente estão entre os melhores que gênio humano conseguiu produzir.
São Paulo, 24 de Janeiro de 2011
ÍNDICE - TRAGÉDIAS
1.Agamenon
2.Ajax
3.Alceste
4.Andrômaca
5.Antígona
6.Bacantes, as
7.Coéforas, as
8.Édipo em Colono
9.Édipo Rei
10.Electra
11.Eumênides
12.Fenícias, as
13.Hécuba
14.Helena
15.Herácles
16.Hipólito (Fedra)
17.Ifigênia em Taurida
18.Íon
19.Medéia
20.Persas, os
21.Prometeu Acorrentado
22.Sete contra Tebas
23.Suplicantes, as
24.Troianas, as
Antígona
Sófocles – c. 496/406
Personagens:
1.Antígona
2.Coro
3.Creonte
4.Eteócles
5.Eurídice
6.Hermon
7.Ismene
8.Megareu
9.Mensageiros
10.Polinice
11.Tirésias
Resumo
"Se alguém perguntar quem foi Antígona que respondam: foi aquela que morreu pouco antes de Tebas".
Após a queda de Édipo, o trono de Tebas deveria ficar com Eteócles e Polinice, sendo que cada um reinaria pelo prazo de um ano, em sistema de rodízio. Porém, Eteócles não cumpriu o acordo e exilou Polinice que foi residir em Argos. Ali, con-seguiu convencer o rei argivo a guerrear contra Tebas e Ar-gos fez o cêrco, mas antes que a guerra se iniciasse efetiva-mente, Polinice desafiou Eteócles para um duelo, sendo que o vencedor tomaria o trono tebano definitivamente. Essa modalidade de luta, “o duelo singular”, era comum na época e o que realizaram foi mortal para os dois, caídos por golpes do irmão adversário.
Com a morte dos herdeiros, a vacância no Governo foi pre-enchida por Creonte, irmão de Jocasta e tio de ambos e de suas irmãs Antígona e Ismene. Seu primeiro ato de Governo foi entregar o comando das Armas Tebanas ao seu filho Hermon, noivo apaixonado de Antígona. E o jovem coman-dante usa seu talento e consegue romper o cerco e desbara-tar o inimigo. Enquanto isso, Creonte baixa seu segundo de-creto: proibir que o corpo de Polinice receba qualquer cele-bração fúnebre e que seja sepultado, pois alega o novo rei que ele foi um traidor de sua pátria. Entrementes o povo começa a se exceder nas comemorações pela vitória frente aos argivos e atropeladamente as Forças Militares avançam atrás dos inimigos fugitivos.
A proibição de sepultar e de honrar funebremente a Polinice causa surda revolta entre a população e faz com que Antígo-na expresse às claras seu inconformismo com tal medida, alegando que o sepultamento é uma “Lei Divina”, superior, portanto, a qualquer édito humano. E que, além disso, é uma desumanidade deixar o defunto entregue às aves e aos cães. Creonte se mantém irredutível e Antígona parte para o con-fronto direto alegando que fará o sepultamento e as cerimô-nias relativas, ainda que isto lhe custe a vida.
Após pedir em vão o auxilio de sua irmã Ismene; e burlando a vigilância da guarda, a jovem conseguiu realizar o sepul-tamento e os votos, mas após uma curta investigação desco-bre-se que fora ela quem realizara tal enterro e Creonte de-termina que ela seja presa em uma caverna, sem qualquer conforto, inclusive a de companhia e da própria luz do Sol, até que morra. Foram inúteis os argumentos que Antígona repetiu-lhe acerca da desumanidade e da impropriedade de se colocar a frente das Leis Divinas (ou da Constituição em tempos de Estados laicos) a vontade de um sujeito, mesmo (e inclusive por isso) que seja um Ditador.
A proibição de enterrar Polinice já não tivera a unanimidade da população e, agora, o castigo impetrado contra Antígona também não é aceito por grande parte do povo. E se o povo não pôde externar seu repúdio, o mesmo não se deu com Hermon que ao saber do castigo à noiva enfrentou a prepo-tência do pai e acabou sendo destituído por ele do comando das tropas. Foi substituído por seu irmão Megareu, mas a inabilidade deste contribuiu para que os ventos da guerra virassem e os argivos além de defenderem suas terras co-meçaram a vencer os tebanos.
Nesse ínterim, Creonte recebe a visita de Tirésias, o famoso adivinho grego, que lhe fala de seus terríveis presságios en-quanto faz uma severa critica à ingenuidade insolente do rei que não percebe que a guerra tem novo vencedor e que seu reino está fadado ao fim se não ouvir os sábios conselhos de perdoar Antígona e recolocar o Exército sob o comando de Hermon. Movido por esse alerta e pela voz da parcela mais sábia da população, representada pelo Coro, Creonte consi-dera esses caminhos, mas só se decide após ouvir de um mensageiro que Megareu tombou em combate, assim como grande parte das Forças tebanas. Apressadamente vai em direção à gruta onde Antígona fora trancafiada. Enquanto segue para lá, Eurídice, sua esposa e mãe de Megareu e de Hermon, ouve do mensageiro a funesta noticia e entrando no Palácio antecipa premonitoriamente a morte de Hermon, após o que, suicida-se.
Ao chegar à caverna, Creonte distingue uma voz de homem e a identifica como sendo a de Hermon. Rapidamente adentra e se depara com a visão trágica de Antígona morta, que se suicidara em uma forca feita com seu próprio cinto. Em desespero, insano, o rei ainda pede o auxílio de Hermon, mas dele só recebe uma cusparada no rosto e vários impropérios. Na seqüência o jovem saca de sua espada e tenta matar o pai que foge covardemente. Hermon, então, louco de amor, de dor, suicida-se também, com a própria espada.
Regressa Creonte ao Palácio e já no portão recebe a noticia do suicídio de Eurídice e do avanço definitivo das tropas ini-migas. Oferece-se, então, em holocausto e junto dele, Tebas também morre.
Alceste
Eurípides – 495/406 aC. – Salamina
Cenário: a frente do palácio de Admeto, rei da cidade de Fe-ras, nas Tessália.
Época da ação – idade da Grécia lendária
Local – cidade Feras, Tessália.
A 1ª apresentação – 438 aC. em Atenas.
Personagens:
1.Admeto, rei de “Feras”.
2.Apolo, deus
3.Coro
4.Êumelo, criança, filho de Admeto e Alceste
5.Feres, pai de Admeto.
6.Herácles, semideus e herói grego.
7.Morte, na figura de um ator vestido de preto.
8.Serva de Alceste e Servo
Resumo
O sentimento preponderante nessa obra de Eurípides é o Egoísmo, embora disfarçado em sentimentos mais nobres. E sobre ele falaremos com mais intensidade que nos outros resumos para que uma crítica mais ácida possa ser feita a enredos e personagens que não primam pela virtude sincera; com isso deixa-se aberta a porta por onde o leitor pode ob-servar realidades e sentimentos que não são exclusivos de nossa época. Sempre estiveram com o Homem e, infelizmen-te, sempre estarão. É a maneira “civilizada” de exercer o “instinto de sobrevivência” que noutras criaturas do reino a-nimal é ostensivo e, talvez, mais honesto.
A história tem inicio com o deus Apolo se vangloriando de ter enganado as Parcas (entidades que regulam a vida dos Homens) e como conseguiu convencê-las a poupar Admeto quando a hora de sua morte chegasse, mas desde que ele encontrasse um substituto voluntário. Agiu Apolo por gratidão à generosa hospedagem que Admeto lhe deu quando ele foi banido do Olimpo pelo Pai Zeus, como castigo por ter matado os Ciclo-pes (artesões do fogo), em vingança pelo assassinato de seu filho, Asclépio, pelo próprio Zeus.
O tempo passa e Admeto busca desesperadamente o substi-tuto que morra em seu lugar, mas nem seu próprio pai, tam-pouco sua própria mãe consentem em sacrificar-se pelo filho, apesar de já terem vivido uma longa vida e estarem mais próximos da morte natural que os outros consultados. Em todos, note-se, age poderosamente o Egoísmo. E cada qual expõe suas razões, as quais diferem na superfície, mas são idênticas na essência. De Admeto que reluta em cumprir os desígnios do Destino até os seus pais, de quem se poderia esperar o “sacrifício extremo” para salvar o filho.
Por fim, quando todos já se recusaram, deixando às claras seu apego a si próprio, surge uma exceção: Alceste, a esposa de Admeto, que se propõe a substituí-lo por amor. Essa nobreza, contudo, não resiste a um exame mais acurado, pois não encerra nenhuma verdade. Afinal, que amor é esse que a afastará do “Ser Amado”? Se ela temia esse distanci-amento na viuvez, como o aceita agora? Afinal, a “distância” é a mesma. Sim, pois essa ausência também estará consigo no Hades, em nada diferindo da primeira e com um agravan-te: se na viuvez ela perderia “apenas” o marido, ao morrer, perderá além dele os seus filhos. Como, então, classificar seu gesto extremo? Egoísmo, mas agora precedido pelo Egocen-trismo. Egocêntrica por desejar ser o “centro das atenções”, das lamúrias e das baixas glorificações que as almas mais humildes prestam a tal comportamento. Egoísta por não pensar sequer nos filhos, que deixará crianças, órfãs, depen-dentes, para atingir seu objetivo egocêntrico.
Nesse ponto de nossas considerações vale perguntar: Eurípi-des fez conscientemente uma crítica ao Egoísmo, ou preten-deu atingir o sucesso imediato junto às massas pouco instru-ídas, que normalmente reagem com afoiteza à aparência das coisas?
A história prossegue com a chegada de Herácles (Hércules, em latim) sendo hospedado por Admeto que nada lhe diz sobre o drama que se desenrola em seu Palácio. E Herácles aproveita sua estadia em lautos banquetes e outros prazeres.
Entrementes, a morte de Alceste se aproxima e Admeto cho-ra descontroladamente enquanto ela se despede da vida com um discurso repleto de lamúrias, de autocomiseração, de auto glorificação, sem se esquecer de pedir a Admeto que ele não se case de novo. Entre outros exemplos, aparece nova-mente o seu egoísmo: ao mostrar o medo de que seu “cora-joso sacrifício” perca brilho com o tempo e com as novas alegrias de outro casamento. Fica claro seu desejo de se tor-nar um paradigma de “amor conjugal” e de “desprendimen-to”.
Morta Alceste, Admeto prepara seu funeral e entra em cena seu pai, Feres. Admeto o ataca verbalmente com furor, debi-tando-lhe a morte da esposa, pois se ele aceitasse morrer em seu lugar, ela ainda estaria viva. Raciocínio torno, sem dúvida. Feres, revida o ataque chamando-o, entre outros contra-argumentos, de covarde, pois permitiu que a própria mulher enfrentasse a dor que era sua. Proibido de assistir ao funeral, Feres sai de cena e só não é aplaudido por ter res-posto as coisas em seus devidos lugares, pela ligação, já mencionada, que as almas menos capazes experimentam com os simulacros de coragem e amor.
Na seqüência, Herácles chega à frente do palácio e após ter sido criticado pelo povo, na voz do Coro, pela sua alegre es-tadia na casa de tantos sofrimentos, informa-se do ocorrido e louvando Admeto pela hospitaleira acolhida mesmo enfrenta-do tão grave crise, sai de cena. Só regressa, pouco depois, acompanhado por uma mulher encoberta por grossas vesti-mentas. O rei indaga-lhe de quem se trata e o herói, após algum suspense, descobre o rosto da mulher. É, claro, Alces-te, ressurgida na vida por ter sido resgatada da morte pelo semideus. Obviamente que esse “gran finale” é festivo, pois todos estão vivos, o Destino foi ludibriado e o egoísmo poderá se perpetuar, como os dias atuais comprovam.
É uma história muito bem vista pelas camadas menos instru-ídas, mas o mesmo não se dá com os mais cultos. Alguns eruditos chegam mesmo a descaracterizá-la como tragédia, haja vista o incomum e talvez inconveniente “final feliz”. Para muitos outros, inclusive esse modesto escrevinhador, é o arquétipo, o modelo para as atuais tele-novelas, filmes, al-guns livros, folhetins etc. As camufladas más intenções são secretas (ou desdenhadas) e todas as situações extremas são resolvidas – mesmo que impossíveis – com num passe de mágica. O que importa é dar um “final feliz” a quem dele necessita.
Rio, 01/02/2011