Ensaio sobre a curta trajetória da perdição
Pelas ruas estreitas do Centro Histórico de São Luis (MA), uma moça, aparentando ter mais de 30 anos, andava desordenadamente. Ora apressava os passos, ora parava bruscamente.
Em sua face, um misto de pavor, sofrimento, angústia, alucinação. Ela era pouco notada pelas pessoas que por ali passavam. Ela não era bonita, não vestia roupas caras, nem tinha um nome digno de exaltação.
Era simplesmente uma moça que andava de forma estranha, que não sabia para onde ir exatamente, que percorria o desconhecido, aparentemente sem objetivos preestabelecidos. Parecia que estava perdida. Era pouco provável que ela tivesse família ou amigos. Ela estava só. Não necessariamente! Estava com “amigos” que, embora a fizessem feliz por 2 ou 3 minutos, a deixariam, por mais tempo, com a sensação de fracasso e inutilidade.
Após ficar um breve período parada, a moça criou coragem e resolveu descer rua abaixo. Apavorada, olhava para trás como se uma legião de monstros estivesse seguindo-a. Três pulos repentinos marcaram mais uma etapa da terrível caminhada daquela moça. Agora, a marca do terror estava visível em seus olhos, e parecia que não haviam mais alternativas para ele, a não ser parar – posto que estava cercada.
E ela parou. Por mais que parecesse a situação mais confortável, parece que não havia, naquele momento, nenhuma garantia de estabilidade para ela, mesmo havendo dezenas de "pessoas reais" ao seu redor. A visão dela estava restrita aos monstros invisíveis. Mais dois pulos repentinos - sinal de que os monstros promoveram um novo ataque. Ela saiu em disparada, agora para trás. Nada parecia ser capaz de detê-la naquele momento; estava disposta a fugir de vez daqueles seres que lhe proporcionavam apenas a infelicidade.
Minutos depois, agora em maior velocidade, a moça correra novamente na direção oposta à anterior.
Era difícil saber a verdadeira intenção dos monstros: se roubar sua alma, ou acabar, integralmente, a sua paz. Talvez as duas coisas.
A moça então ressurgiu. O surto parecia ter chegado ao fim e ela, agora aparentemente livre dos monstros, fitava a face de cada uma das pessoas que ali estava e pedia uma quantia em dinheiro para “completar” a sua passagem. Ela não se dava conta de que a maioria das pessoas a conheciam. Ela tinha 20 anos, tinha a pele de uma cor qualquer, era moradora de rua (abandonada pela família, em virtude de seu vício em drogas) e dormia em umas escadas que ficava a mais ou menos 100 metros dali.
De posse dessas informações, resolvi não ajudá-la a “completar a passagem”, mas algumas pessoas, talvez por não conhecer sua história, o fizeram.
Ouvia-se sussurros de que ela sairia dali e iria, diretamente, comprar crack. Foi exatamente o que aconteceu. Minutos depois ela reapareceu, cometendo os mesmos surtos de antes.
É difícil saber ao certo se ela fez essa escolha por vontade, por (falta de) coragem, por medo, por carência. De longe, parecia mesmo que ela gostava de monstros. De perto, os monstros é que não gostavam de fazê-la feliz.
Talvez a única opção para ela se livrar dos monstros fosse voar. Mas entre correr e voar há uma barreira chamada sabedoria.