VANGUARDA
Os diferentes estilos que são comumente demarcados a posteriori para efeitos quase que exclusivamente didáticos, além de servir para alguma discussão acadêmica gerada a partir da discordância sobre algum pormenor de “vital importância”, sofreram em diferentes períodos históricos, uma espécie de escalonamento de valor. Assim apareceram as vanguardas e posteriormente, como conseqüência, as vanguardas dentro da vanguarda, ou seja, aquilo que sobressaiu ainda mais em relação ao sobressaído. Como aquela propaganda que diz que “é a mais pontual”. Ora, se é pontual (ou no caso, vanguarda) não se pode ser mais ou menos. É apenas, ou então se terá admitido o erro como norma.
Ao longo da história artística, sempre houve aqueles que, de uma forma ou de outra, se julgaram (ou foram julgados) à frente, mas que, não raras vezes, se espedaçaram por si mesmos por falta de consistência mental e determinação crítica quanto ao processo deliberativo de entrega, aceitação (ainda que discordante) e convívio obstinado com o que já se fez, se faz e se pretende fazer em termos de avanço artístico, concebido enquanto processo gradual e consciente.
Um dos erros de interpretação das vanguardas, feita pelos produtores de arte e também pela crítica no tempo cronológico em que elas se processavam e até mesmo depois de um certo distanciamento temporal (por um desvirtuamento da ótica analítica), foi o de pensar que a posteridade de uma obra de arte fosse garantida pelo caráter cíclico da sociedade. Sendo assim, a universalidade da arte estaria relacionada com o contexto das facções sociais e seria, pois, uma “universalidade” discricionária.
A causa do esfacelamento das artes (ou de alguma delas) em determinado tempo, quando então se pretendiam vanguardas, está fundamentalmente ligada ao desconhecimento de que a atividade artística é um levar-adiante, uma corrida de revezamento.
Isso não implica, contudo, numa negação da vanguarda em si, como uma coisa inexistente. Houve realmente avanços e estes só foram possíveis devido à capacidade e a coragem de inovar as artes, dentro de uma compreensão dialética de todo o processo criativo: passado, presente e um presente projetado numa perspectiva de poder-vir-a-ser. Apenas que esses avanços só puderam e podem ser delineados com certa objetividade depois de decorrido certo tempo, quando os responsáveis pela vanguarda já estavam, muitas vezes, mortos. O máximo que os criadores podem conseguir no momento em que produzem é um vislumbre incerto de mudança e ruptura com o que há de existente no tempo. A vanguarda é então uma coisa do passado e pertence, portanto, aos cadáveres.
(publicado como Editorial no Jornal Espaço Aberto nº 04, Juiz de Fora, MG, em Julho/1985 e depois como texto no Jornal Arte Risco nº 02, Juiz de Fora, MG, em Jun/Jul/1987).