O POEMA EM PRIMEIRA PESSOA

Em verdade, meu poetamigo, fiz apenas uma pequena abordagem sobre o texto, porque não sabia se poderias ser (ou não) receptivo à análise crítica, ainda que relatasse um estudo superficial, em que a concisão fosse a pedra-de-toque. E a fiz com muito cuidado, para que pudesses te aperceber, viesses a entender que o teu poema estava em louvação – a tua criação poética vivificada pelas figuras de linguagem, especialmente as metáforas.

Sem a presença da metaforização não há como se chegar à Poética, que é analogamente, uma figuração da estética do Belo. Simplesmente porque sem as metáforas, não ocorre, não se caracteriza, não se constata a arte na construção textual, isto é, no poema, sendo que este é a sua materialidade formal, o corpo escritural da arte poética, na contemporaneidade.

Para Octavio Paz, poeta, ensaísta tradutor e diplomata mexicano, prêmio Nobel de Literatura de 1990, “O poema não é uma forma literária, senão o lugar do encontro entre a poesia e o ser humano. O poema é um organismo verbal que contém, emite ou suscita poesia. Forma e conteúdo são a mesma coisa. A poesia se polariza, se congrega e se individualiza em um produto humano: quadro, canção, tragédia. O poético é poesia em estado amorfo; o poema é criação, poesia erguida.”

As metáforas são essenciais para que adentremos ao território sagrado da Poesia, saindo, então, do discurso em sentido denotativo – na qual o uso preponderante é a linguagem usual, corriqueira – pela qual nos comunicamos nas relações do dia a dia.

Recordo que o grande Fernando Pessoa, num dos seus textos de aconselhamento aos noviços em Poética, lembra que "ninguém fala poesia durante todo o tempo", sendo esta linguagem momentânea, circunstancial, registradora de uma situação singular. E é exatamente essa fala diferenciada que caracteriza o sentido conotativo das palavras.

É nesta ambientação que a Poesia imanta o sentir dos presentes, aqueles a quem, por homenagem de distinção e respeito, chamo de "poeta-leitor". Sem este cocriador da peça poética, o poema não respira, é um natimorto. É este agente externo à criação formal do poema que lhe dá vida e existência, justamente no momento em que participa do processo de encantamento que a peça escrita exerce sobre ele através do ato de leitura ou do ato de audição da peça poética quando o declamador, o recitador, o ator interpreta a obra. Enfim, é neste momento que o poema "ganha estrada" para a consumação do gozo estético dos aficionados da arte do poetar.

Bem, vejamos agora algo muito importante e aconselhável para que desabroche um bom poema, uma peça de razoável valor estético, ritmo e palavras em seu vestido de gala ou de festa para apresentar o conteúdo ou o assunto do poema: experimenta despersonalizar-te mais e mais no texto em Poesia e chegarás mais próximo dela.

E, ao mesmo tempo, despersonalizando a autoria das ideias, versos, abrindo um pouco o conteúdo dos versos, estarás escancarando a porta e/ou a janela para que o poeta-leitor se aposse do teu poema, tenha-o como seu, como se tivesse sido escrito por ele ou para ele. Ele será, então, o divulgador que necessitas para fazer o teu poema andar na cabeça e no coração do público.

E a peça poética terá cumprido o seu papel, a sua missão: chegar de mansinho ao coração, tornando o humano ser mais aflorado em sua sensibilidade, mais feliz para aceitar os desígnios do viver e tornando possível uma vida societária digna de respeito aos valores fundamentais da criatura humana.

Um dos obscuros e pouco aconselháveis mistérios da Poética é que grande parte dos escribas internéticos atuantes nas redes sociais acha que consegue retratar em versos carregados de fórmulas poluídas de pronomes pessoais retos e oblíquos, qualificativos e possessivos o que, enfim, eles entendem como poesia ou poema.

Em verdade, quem assim age, não está a criar poemas, e sim recados ou bilhetes de amor. Uma salada de frutas recheada de palavras plenas de doçura e expressões afetivas, confundindo-se e confundindo os leitores e outros cocriadores como se ali tivéssemos – verdadeiramente – uma peça poética.

A rigor, na maioria dos textos (que os autores pretendem sejam versos com Poesia) temos meramente um exercício lúdico-amoroso, talvez visando compensar o amor disperso no universo e longamente afastado da figura humana que o autor pretende como sua presa no plano dos afetos, numa visão extremamente egoística dos jogos do amar.

Desta sorte, é bom ter cuidado para não reduzir a Poética a um mero exercício de possessão de natureza lúdico-sexual.

Nunca esqueçamos de que a Poesia, em todas suas variegadas faces de apresentação, é um instrumento de linguagem estética caracterizado pelo "nós" e não pelo "eu". Enfim, um sino intimista que conclama a um ameno e prazeroso convívio marcado, no plano da realidade, por atos e gestos de descoberta dos desígnios da bem-aventurança e da convivência.

MONCKS, Joaquim. O CAOS MORDE A PALAVRA. Obra inédita em livro, 2022.

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