PONTO DE (DES)ENCONTRO
O fato de se trabalhar em uma empresa, entre conhecidos, pressupõe-se que haja entre eles um relacionamento em que prevalece a liberdade e que, guardadas as proporções, a individualidade de cada um se aflora de maneira natural, ou seja, sem o tolhimento característico das relações sociais capitalistas.
No entanto, o que se observa é que, ao contrário, o que há é uma sublimação de diferenças individuais que culmina num processo de convívio impessoal e automatizado, onde a liberdade consiste em não se permitir a si mesmo a revelação de tendências inerentes a cada um e que, uma vez reveladas acarretaria num conflito, por assim dizer, de idéias, em detrimento da tão necessária harmonia.
Mas que harmonia é essa que anula o ser em si? Que transpõe para o ambiente de trabalho toda a repressão da sociedade consumista, transfigurada numa auto-repressão de cada elemento? A diferença está apenas nos níveis em que se processa tal alheamento.
Em síntese, o que temos é um tipo de relação onde as pessoas adotam uma política de suportação e tolerância que inevitavelmente leva à frustração isolada de cada membro, bem como anula toda hipótese de manifestação artística coletiva e conseqüentemente individual.
Justamente para dar uma sacudida nesse marasmo (que para o homem significa a sua completa alienação da realidade e de si mesmo) é que devem surgir manifestações da base, para permitir que se aflorem estas individualidades que foram sufocadas desde mesmo a infância, pois todos os “ensinamentos” que recebemos da sociedade foi no sentido de se estabelecer um tipo de relacionamento interpessoal que não permita a diferenciação entre os indivíduos, criando assim uma humanidade pasteurizada e uniforme, alicerçada no nada. No vazio interior de seres idênticos.
Mas é preciso ter um espaço para sermos nós mesmos. Devemos portanto ter a coragem de tirar as teias de medo que nos foram impostas sob o disfarce de autocensura, que nada mais é do que uma projeção exterior de homens sem vontade.
(publicado, com pequenas modificações, no Jornal Espaço Aberto, Juiz de Fora, MG, como editorial do nº 02 em maio de 1985).