Arte de Criticar (Art Criticism)

Arte de Criticar (Art Criticism)

Certa vez me falaram que sou crítico, não sei bem com que sentido essas palavras me foram proferidas, porém tenho que concordar. Há tempos ambiciono fazer algo novo, mesmo sem saber no que vai dar, até por que uma idéia que perdura por tanto tempo deve ter um porque de existir sem se perder, e antes que se esvaia ou seja influenciado por outros pensamentos, resolve parir hoje...

Assim como Sócrates tinha sua Maiêutica - que significa dar a luz, parir, no âmbito intelectual - que no primeiro passo apresenta-se como a ironia, onde ele fazia o interlocutor duvidar do seu conhecimento, fazendo-o perder a credulidade deles, e em segundo momento induzia seu ouvinte a criar novas opiniões, usando perguntas simples para isto. Pois bem, se ele pôde com todo sua ânsia criar algo deste porte, pergunto-me porque também não o fazer, embora eu não tenha pensado bem em como, servindo-me quase que somente de meu instinto, único companheiro confiável que temos desde de antes de nos entendermos como homens e da ânsia desse sentido primordial transborda a crítica, com sua dupla intensidade, sendo por horas como a tépida e calma brisa que lentamente remove a poeira sobre os corpos que ela oculta, e por outras vezes se comporta como uma mão que puxa com força o velador manto deixando o objeto totalmente descoberto, mostrando toda sua nudez, seria como retirar, nem que seja por breve momento, o caracol de sua concha para que possa encarar a luz do dia por mais forte que ela seja. Criticar seria uma das mais potentes artes, capaz de reger o mundo e suas leis.

A crítica é um instrumento único e poderoso, pode tanto ser uma leve carícia, como pode ser a pior crise de enxaqueca que alguém pode sonha em não ter, ela é, quando sábia e sinceramente usada, não deixando se macular pela vaidade, o polidor do mundo que nos cerca, removendo as impurezas que porventura dirimam o valor de uma bela peça, mas quando removidos, seja com o leve toque, seja a golpes de martelo e cinzel mostra ao mundo uma nova peça totalmente acabada, reluzindo brilho e beleza, como a mais rara joia de valor incomensurável, mas quando usado sem a devida maestria é o mais desastroso e destrutivo dos instrumentos. Um dos ápices da vilania de seu uso foi com o Holocausto, onde Hittler com base em seu pensamento crítico fundado em ideias espúrias cometeu um dos atos mais infames da história moderna, posso citar também os americanos com suas bombas atômicas sobre o Japão, usando sua crítica para ver o “momento certo” de acabar uma guerra que não mais o interessava continuar, mesmo que para isso milhares de inocentes tivessem que pagar com a própria vida os pecados de seus governantes.

Arrisco-me a dizer que a crítica é a essência da existência, só chegamos onde estamos graças a seleção natural, o maior e mais ácido crítico que se pode achar na natureza, sendo ao mesmo tempo onipresente e onipotente, realizando entalhes ao longo dos milênios, fazendo com que as espécies mais frágeis e os seres mais inaptos dentre as espécies mais fortes venham a sucumbir, restando apenas os mais adaptáveis, que não se deve confundir com os mais fortes, mas isto já é tema para outro ensaio. Por vezes o homem tenta copiar essa hercúlea força natural, mas como a humanidade tem tão pouco tempo de existência que cabe num saco, ainda não tem sabedoria suficiente para conduzir tão poderoso instrumento, prova disto é que o primo do macaco com seu elevado Q.I. pegou uma força natural e moldou a sua imagem e semelhança, transformando um instrumento de diamante em um de pedra mal acabada, segurando-o com uma mão trêmula e mirando o objeto a ser moldado com olhos míopes, usando apenas uma das características da crítica, a força destrutiva, que aniquila sem piedade todos aqueles que não se adaptam, ou características que atrapalham sua adaptação.

Na natura não é somente uma espécie que assume esse papel de selecionador de vivos e mortos, mas sim todo o sistema, todo o ecossistema, sendo como nosso corpo, onde não apenas uma célula rege o equilíbrio entre todas, mas sim o conjunto delas que garantem a harmonia, matando as células fracas e maléficas e criando novas, no fim nosso próprio corpo, como reflexo do ambiente natural onde foi originalmente criado absorveu características de seu criador/moldador, e somente volvendo a tal ambiente poderá voltar a ter a capacidade de transformar com sapiência o mundo a volta, reconhecendo suas limitações, e se enxergando como mais uma espécie, mesmo que tenha suas características próprias, visto que o instrumento da crítica deve ter harmonia com seu possuidor, que com o tempo deve trabalhar seu martelo e seu cinzel para que ele ganhe potência, durabilidade e sutileza, balanceando essas características de acordo com o objeto a ser desvelado e posteriormente lapidado.

A crítica só se completa quando aquele que é foco de tal ato tem sua autocrítica bem trabalhada, visto que somente o outro sabe como trabalhar em si, tem ciência de onde pode ou não ser entalhado, embora que o criticando pode dar uma ajuda nisto, principalmente quando se trata de criticar outrem cujos instrumentos de entralhe ainda são meros fetos, mas como tal um dia se tornarão homens e deverão caminhar sozinhos e posteriormente usarem suas experiências para desvelar e refinar outros, não é a toa que o martelo é o símbolo da sabedoria, instrumento usado não só pelos homens como pelos antigos deuses, como Thor, mais poderoso deus do panteão pagão germânico.

Este maravilhoso instrumento, que alguns portam como majestosa katana, e outros ainda como pequenos canivetes, que poderão um dia tornarem-se instrumentos mais pomposos. Quando sabiamente empunhados tem o poder de fazer o outro abrir a guarda, a ponto de deixar o peito aberto, revelando novas nuanças do Eu, podendo ser tão novas e fascinantes que se confundem com um novo ser até então desconhecido, isto pode ser observado quando uma pessoa tida como calma é criticada sobre algo e do nada ela se levanta e ferozmente se defende como majestoso leão, ou como ruidosa hiena, mostrando um poder que nunca pensou que existia, assim como pode fazer com que o mais robusto e altivo dos homens tenha essa imagem trincada e por baixo dela se revele traços de delicadeza, sutileza e/ou de medo, se comportando como uma gato ferido esperando o golpe final.

A crítica não tem somente o poder de lapidar, mas também de acrescer, sendo como objetivo fim, primeiro se bate, para que depois o objeto possa se levantar, se analisar e se refazer, construindo novos aspectos, reformando tantos outros, e implodindo os que não mais tem serventia, visto que nuanças inúteis são verdadeiras cânceres, drenam o fluido vital de um ponto que precisa, para si, sendo como a solidificação do egoísmo.

Eis o que proponho neste breve ensaio: o surgimento de um novo homem, mais crítico com o mundo a volta, e acima de tudo mais com o mundo dentro de si, pois quanto mais se conhece mais se torna aquilo que se é, um agente mondador, mas sabendo que somente com humildade poderá se reconhecer e se espelhar noutrens quando for preciso, discernindo as críticas (re)construtivas das meramente destrutivas, e que não proponham nada além de dirimir e castigar, para assim a cada dia poder se lapidar e se tornar um ser guiado enfim pelo bom senso, e por valores que ajudem-no a se encontrar acima do que ele é hoje, pois mesmo hoje possuindo enorme razão e potência, não passa de uma criança que leva nos braços tamanho peso que a faz tombar.

Querer levar consigo a crítica de forma ativa e a usar em todos seus aspectos leva tempo, e só se deve ser usada sabendo-se quando e com que força, visto que uma martelada muito forte no cinzel pode destruir uma escultura e uma pancada muito fraca não surte efeito, por tanto é mister sempre começar com pequenas pancadas até que um dia se tenha tato para dar um golpe certeiro, embora nunca venha a ser perfeito, visto que perfeito só existe Gaia com seus bilhões de anos de existência e de maturação.

Johny