Barulho, Pressa e Contemporaneidade
Uma das coisas que Deus no momento da criação deveria ter proferido é: "que se faça a paz provida do silêncio", pois no silêncio podemos nos encontrar conosco, ir o mais fundo possível nas nossas entranhas, desvendar nossos anseios e receios, buscar dentro de nós mesmos o Eu que se encontra perdido e que guarda em si grande potência, mas no medo de se ver frente a esse novo Ser, o homem se enfurna no barulho das grandes cidades, nos ruídos medíocres e perturbadores. Só de pensar no próximo alvorecer onde o canto doce dos pássaros é gradativamente de forma grotesca emudecido pelo canto pesado das buzinas e gritos que para uns soa como sendo sinal da vinda do progresso, mas aí fica uma indagação que me perturba, que progresso é esse que mata o sossego e a paz e traz o caos em toda sua negatividade e os barulhos atrozes? Preferiria mil vezes voltar no tempo onde as horas passavam lentamente e podíamos desfrutar de um dia de calmaria, sem aquele sentimento de que algo a mais poderia ser feito, mas não fora, mesmo sem sabermos que coisa é essa, sem sermos assolados pela culpa do desconhecido e do invisível. Uma coisa me parece certo, quem vive na pressa não vive, pelo simples fato de não degustar cada momento em todas as nuanças e em toda sua intensidade.
Pergunto-me o que fizeram aos sibilos e canoros das aves que antes voavam lá e cá, provavelmente devem ter sido afogados no rio cinza do bafo dos cavalos metálicos. Seus lares, belas e frondosas árvores pecaminosamente chamadas de "mato" com um tom de alto desprezo, sendo tratado como um ser cheio de vileza, tendo que ser assim destroçado da face da terra para "emparedar" sobre elas o civilizado e moderno asfalto ou o "grandioso" concreto, que torna mais cinza e morta as matizes de nossos dias. E pior que isso é não ver a estupidez do ato e recusar a enxergar os efeitos que isso causa, tratando essa matança como um mal necessário.
Passando algumas vezes pelas ruas sinto-me sufocado, não somente pelo calor infernal, mas pelo negrume do asfalto e a cor morta das edificações, que nunca deveriam ter sido postas acima, mas já que foram bem que poderiam ter um tom mais vivo, mas natural. Li certa vez que no Japão estão fazendo verdadeiros jardins suspensos no cume das edificações, seria, talvez, a releitura contemporânea dos antigos jardins suspensos da Babilônia, como seria bom que esse modelo fosse copiado por todos os outros países, mas só sabemos copiar aquilo que é inaplicável na prática, ou toscamente adequado.
Não é a toa que vejo a depressão como um dos maus desse século. Imagine um ser que viveu milênios dentre as matas, convivendo em harmonia com ela, relativamente mais livre que jamais fora, podendo se banhar e beber das fontes mais puras e cristalinas, se ver arrancado pelas próprias mãos desse paraíso idílico para viver no meio de uma selva de pedra onde os medos se proliferam a cada passo e a incerteza do futuro recai como uma chicotada lacerante. Por vezes me pergunto se não éramos mais felizes quando o ontem era um lembrança morta e o amanhã era algo tão longínquo que não se valia a pena planejar, mas matamos esse pensar, vendo-o como tribal e selvagem e adotamos a pressa e o tic-tac ruidoso do relógio que sempre nos persegue e a todos que se recusam a seguir seus desvarios pedidos finda por torturar. Como seria bom poder ter o velho tempo de volta, ou melhor a velha inexistência de tempo, onde o viver era o importante e não se perder a trivialidade de desejos pueris e supérfluos, nem em meio a desejos que soam a autodestruição. Mas como o tempo não volta, pelo menos é o que cegamente cremos com nossa linearidade cronológica, contrapondo-se a outras formas de pensar que viam o tempo ciclicamente como os Celtas.
Mas uma coisa é certa, o tempo passa, as pessoas envelhecem e se veem cada dia mais perdidas por não terem tido tempo de fazer tudo aquilo que queriam na mesma medida que o barulho do dia a dia nos emudece, mata ferozmente todo resquício de anterioridade, sendo como gritos sobrepostos. O homem só será feliz de novo quando se reencontrar e se ver como um ser natural e que pertence a natureza, saindo assim desse enxerto forçado de um mundo artificial. Quem vive muito tempo em meio a negatividade do caos com seus gritos desesperados de sua existência finda se tornando como ele, se perdendo no olho do furacão a ponto de se tornar tão artificial quando o concreto que se assenta em cada construção.
Por fim proponho a todos que leram até aqui a se retirarem das rígidas matas "concréticas" e "asfálticas" e passem nem que seja dois dias acampando com um grupo de amigos perto de um rio ou lagoa, de preferência afastado de outro grupo de pessoas, ouvindo os sons naturais, vendo as natureza em sua bela e simples complexidade, sentir o cheiro da vida pulsante em todos os lados, tocando a areia e as folhas que purificam o ambiente e sentindo o refinado gosto de comida de fogueira, é um experiência reveladora ao mesmo tempo que é renovadora, quem fez uma vez e gosta vicia com o bebericar da primeira dose dessa suave liberdade única e com o puro soprar da primeira brisa. É o conhecer um novo mundo ainda acessível, mas que aos poucos tristemente se perde.