Diário de Bordo - Olha o jacarezinho!!! (E outros sucessos mirabolantes ocorridos nesta maravilhosa terra de Porto Seguro.)

Terceiro dia

Os pernilongos e borrachudos de Porto Seguro fazem parte de uma raça seleta de granfinos sugadores de sangue - o do alheio, claro. Eles até que me deixavam em paz, visto o meu sangue ser o de um reles plebeu emigrado das terras secas de Sergipe Del-Rey; os danados gostavam mesmo era de um ágape do suculento sangue azul paulista de Eliana, com o qual se banqueteavam todas as noites...(fico eu com uma invejosa impressão que aquelas pestes voadoras, mais parecidos com os famigerados caças da Luftwaffe alemã, sabiam que a minha partner tinha uma enorme porção de sangue italiano correndo em suas veias...) Bem, após sobrevivermos a mais uma batalha noturna, não sem as devidas marcas por todo o nosso corpo, nós dois saímos para mais uma caminhada pela praia, antes do café da manhã e de irmos até Arraial da ajuda como havíamos previamente estabelecido. Eliana já estava se sentindo uma autêntica guria local, já até pensando em se arriscar numa aventura gastronômica com o apimentado acarajé (prá nossa sorte foi impossível encontrar uma vendedora de acarajé em Porto Seguro, já que ninguém parecia acordar antes das quatro horas da tarde para fazer qualquer coisa que se parecesse com trabalho). Eliana, parecendo uma viajante perdida no deserto, lançava cobiçosos olhares para todos os lados e não conseguiu descobrir nenhuma mísera banquinha com a famosa iguaria baiana. Acarajé deixado para outras plagas mais propícias, lá vamos nós caminhado com as imprescindíveis sacolas ao ombro, conversando animadamente sobre como era bom estar por ali: sem qualquer aviso prévio, vejo aparecer do Nada um acusador dedo indicador por sobre minha cabeça, seguido da sensação de que algum larápio havia pulado em minhas costas: um brado de horror secundou aquele dedo inesperado – “Olha o jacarezinho!!! “-João, aquilo aí é um jacarezinho...!!! A minha mulher, tomada de um medo pânico, havia pulado em minhas costas, esquecendo-se totalmente de que eu, um pobre-diabo há pouco saído de uma delicada cirurgia no olho esquerdo, ainda estava proibido de carregar até o meu gato de estimação (quando soube da façanha, Baltasar, o dito gato de estimação, ficou inconformado...). Até então, o mais alto que eu vira Eliana pular foi a enormidade de cinco centímetros de altura, com muito esforço, acreditem. Grudada no meu cangote Eliana insistia para que eu olhasse na direção do tal jacaré: fiz um esforço danado para achar o tal jacaré, e já ia me armando com uma estaca da cerca ao lado para enfrentar a terrível ameaça daquele bicho medonho, emérito comedor de gente, pronto para defender a minha consorte, como todo sertanejo juramentado que se preze: apesar de toda a minha disposição bélica, tudo o que consegui enxergar foi um caçote bem malandro, daqueles caçotes praieiros, espertos como o diabo. O animalzinho, pouco maior que um palmo de minha mão, apavorado com os gritos desesperados de Eliana, pôs-se a correr para o meio da rua, segurando o seu bonezinho com as mãos (Até caçote usa boné em Porto Seguro, eu juro!!!). Ladys e gentlemans, façam uma pausa solene e prestem bem atenção no relato fidedigno da cena que relato a seguir: com Eliana ainda grudada em minhas costas (Já que dali ela não sairia enquanto a questão do jacarezinho não fosse solucionada.) vi quando um Honda Civic vinha em alta velocidade pela rua. Confesso que comecei a orar silenciosamente pela alminha daquele simpático caçote, já que o óbito dele parecia inevitável, mas, ao contrário de minhas soturnas previsões, o meu amigo caçote freou bruscamente e retornou sobre os calcanhares, sob os olhos arregalados de Eliana.

Após essa proeza digna de office-boy paulistano, o caçotinho mergulhou numa mata próxima e desapareceu de nossas vistas.

E quem disse que dona Eliana Torres Tedesco queria voltar a pisar em terra firme. Precisei argumentar longamente com a minha amada, garantindo-lhe que a defenderia contra todos os jacarezinhos que aparecessem em nosso caminho (Já que ninguém conseguia convencê-la que um calango não é um jacaré...) para que ela finalmente descesse de minhas já combalidas costas. Seguimos em frente, rumo a praia, com Eliana palmilhando cada milímetro do terreno como um legítimo batedor sioux para se certificar de que não mais encontraria jacarés por ali. (A bem da verdade ela só veio a respirar com mais tranqüilidade quando botou os pés nas areias brancas da praia).

Depois do susto terrível do jacarezinho tomamos o nosso café e seguimos para o centro de Porto Seguro, para tomar a balsa e ir até o povoado de N. Sra. da Ajuda. A travessia em si já é de encher os olhos, com o rio Buranhém brilhando ao sol, o vento batendo no rosto e o casario de Ajuda do outro lado, a nos esperar para a continuidade de nosso passeio. Ao descer da balsa fugimos ao assédio implacável dos condutores das vans e pegamos um ônibus para chegar até o centro do povoado.

De povoado Arraial da ajuda hoje tem só o nome: trata-se uma localidade recheada de mansões e lojas sofisticadas, com uma infinidade de casinhas históricas encravadas em meio a toda essa parafernália modernosa. Vimos de tudo por ali: cachaça “amansa corno”, cobra engarrafada junto com aguardente (Que o vendedor garantiu ser uma legítima jaracuçu, já me enxergando como um destemido consumidor daquela horrenda iguaria, uma das piores serpentes do Nordeste...), roupas de griffe, muito gringo falando as línguas de seus respectivos países e pousadas de alto padrão construídas para abrigá-los.

Tiramos toneladas de fotografias e tomamos a temerária decisão de conhecer a praia de Mucugê, localizada após uma ladeira que era mais fácil de descer rolando do que andando, tal o confuso tráfego de veículos e pessoas. Neste confuso trajeto até as areias de Mucugê encontramos duas damas que vinham em sentido contrário, cuja valentia usei para incentivar Eliana, já assustada com o caminho de volta que teria de enfrentar (As duas, juntas, deviam pesar por volta de uns trezentos quilos, e realizarem aquela subida com o calor que estava fazendo era realmente uma façanha notável, convenhamos).

Sem mais reclamações chegamos a praia de Mucugê, ou melhor: a um campo devastado de barracas que só deixavam ver uma nesga de areia. Vencemos o front formado por vendedores de todos os tipos e finalmente conseguimos molhar os pés nas águas de Mucugê, um feito para se comemorar, dada a dificuldade de se conseguir chegar a te aquela localidade que em algum tempo perdido no passado já foi uma praia.

Depois de uns dez minutos batendo pernas por ali voltamos sobre os nossos passos e retornamos ao centro de Ajuda. Ainda chegamos a cogitar em fazer uso da internet local, mas fomos dissuadidos do intento pelos altos preços cobrados na região: coisa de cinco reais por hora. Um providencial colega de profissão perdido por ali nos reabasteceu de água fresca e nos ofereceu gentilmente as suas instalações sanitárias.

De novo na balsa, chegamos a Porto Seguro, nos enfiando dentro de uma lan house da qual só saímos duas horas e meia depois, não antes de quase irmos a loucura com a lentidão das conexões local. Depois de sermos seduzidos por uma senhora de corpo avantajado fomos provar de uma generosa porção de dourado ao molho de camarão acompanhado de um farto pirão, arroz e salada. Só no final da refeição é que fomos informados que a casa não aceitava cartões de crédito, fazendo com que pensássemos em oferecer os nossos préstimos como eficientes lavadores de louça. A quase vexaminosa situação foi contornada com a soma de nossos caraminguás, ainda restando algum trocado que deu para nos refestelarmo-nos com sorvete e ainda pagarmos o ônibus para chegarmos até o nosso hotel.

Uma renhida partida de pebolim, vencida por este escriba, (sob veementes protestos da parte perdedora...) na qual quase se declara uma guerra conjugal, foi disputada na sala de jogos do bar, seguida de uma não menos aguerrida partida de ping pong (Acho que era mais ping do que pong, já que minha adversária quase nunca conseguia devolver a bola, como manda a regra do jogo...) antecedeu a nossa entrada gloriosa em nosso apartamento.

Se não fosse a dura exortação de Eliana para que eu fosse tomar banho, (caso contrário não repartiria a cama comigo...) o chuveiro não me veria, tal o estado de sonolência que me acometia.

Vai continuar...

Aprendiz de Poeta
Enviado por Aprendiz de Poeta em 17/12/2010
Reeditado em 17/12/2010
Código do texto: T2676294
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