O Problema do Amar o Próximo

Todos conhecem essa máxima cristã e a veem como o supra-sumo do belo, a primeira vista é fácil concordar, mas vendo um pouco mais a fundo ela tem um que escravocrata, pois ela finda por tentar nos obrigar a amar aquele que odiamos, a amarmos aqueles que nos querem mal e além disso exige que coloquemos o amor, este sentimento tão complexo a ponto de ser incompreensível e incompreendido, a um nível universal, sendo que nem todos estão aptos para chegar a este fim, muito menos permanecer nele, neste mundo cheio de rancores, preconceitos e dessabores.

Para amar é preciso se desvencilhar dos preconceitos, e como todos sabem o homem é lotado deles, seja para condenar, aqueles que não conhecemos, mas temos uma certa antipatia, seja para admirar, como se fazem com os artistas, que mesmo nunca tendo falado conosco, muito menos sabendo de nossa existência, muitos dariam a vida para ter breves segundos com eles. Como querer que uma pessoa que passou a vida toda ouvindo mal sobre sobre uma pessoa ou um grupo de pessoas passe a o ver com outros olhos, no tempo de nossos avós era comum terem um ódio aos comunistas, como pedir, ou até exigir, para que passe a os amar, a se desvelar de todo um preconceito tortamente fundamentado? Certo dia perguntei o que ele tem contra esse grupo, e como eu já esperava não obtive argumentos plausíveis, apenas um tom de preconceito, mas esse comportamento para com esse grupo político não deve ser condenado, todas as épocas o homem escolheu um grupo para legitimar suas frustrações e medos usando para tanto o preconceito, fui e ainda é de certo modo assim com os negros e gays, com a diferença de que hoje o homem tem em suas mãos informações suficientes para jogar no lixo seus prejulgamentos, mas como se sabe, sem vontade de fazer tal coisa, este fim será um mero objetivo ideal. Como querer que cheguemos a um fim, visto que o amor ao outro é o foco e o objetivo almejado, sem se passar por um meio? É o mesmo que querer ir ao outro lado do rio sem ter/saber como chegar lá, como enfrentar/contornar todos os desafios. É algo tão insano quanto querer que um recém-nascido que não aprendeu nem a balbuciar comece a declamar Camões.

Outro problema deste axioma está em querer que o outro ame algo em nós que seus valores tendem a repudiar, por exemplo, eu não gosto de homofóbicos/misóginos e afins, como posso então amar pessoas que frontalmente agridem meus princípios e valores? Sinceramente é pedir demais, é o mesmo que obrigar um daltônico a dizer quais a cores que ele a sua frente.

Sem contar que no nosso mundo, infelizmente, quem valora uma pessoa não é quem ela é, mas sim o que ela tem - exceções a parte - no fim ama-se o que o outro tem/possui, mas como o ter é transitório e se rege por infinitas variáveis, este "amor" num piscar de olhos pode virar em indiferença e vise-versa.

Mais importante que amar o outro é o tolerar, pois por mais que eu te odeie do fundo de meu coração, em nome do respeito e convivência mútua te tolero. Muito mais importante que tentar seguir cegamente o amar o outro é ser regido por outras duas máximas, uma judaica que nos ensina a não fazer ao outro o que não queremos o que façam conosco e uma outra voltairiana que diz: "Posso discordar de tudo o que disseres, mas defenderei até a morte o teu direito de dizer." Essas duas frases são o mapa que deve nos guiar ao bom convívio e a quem sabe um dia poder enfim amar o outro, até que esse dia chegue, se é que chegará, a tolerância é o melhor meio de um convívio pacífico.

Para atingir tal ponto de evolução, o homem precisará crescer muito, despindo-se de todo seu egoísmo, vendo na sua falta de sapiência motivo para saber e viver mais, para ter desse modo um poço cada dia mais fundo da mais pura sabedoria, que aponta para a não agressão e respeito a tudo e todos, porém querer logo o fim, como nossa sociedade dos gozos efêmeros e da rápida satisfação tanto prega, funciona como verdadeiro empecilho para o autoconhecimento, que encara tal ato perca de tempo, afinal de contas tal conhecer a si mesmo exige um esforço hercúleo e é relativamente demorado, como tal caminhar tira o homem do foco do consumo é rigidamente desencorajado pela rotina e pelo furor da produção em massa é em cada vitrine de Shopping desencorajado, afinal de contas para que pensar num gozo futuro se podemos tê-lo agora na compra de uma bem de consumo “descartável”?

Para complicar mais ainda, ao fazer tal mergulho o homem encontra sua essência que o mostra o que realmente importa na vida: bons amigos, bons momentos e um bom vinho, visto que para ter amigos é preciso os respeitar e os aceitar, pois só assim bons momentos viram regados por doces taças de vinho. Somente após muito respeitar/tolerar os amigos e seus comportamentos é que poderemos enfim amá-los.