RUÍNAS

Um relacionamento humano, principalmente uma relação afetiva entre o homem e a mulher sofre, inevitavelmente, o efeito corrosivo (não do tempo, esse elemento inócuo), mas da própria idéia unilateral que cada um tem do convívio, aplicando-a ao outro. Esse efeito corrosivo tem duas variantes: Uma, que não nos interessa aqui, que é a acomodação passiva, não questionada, à rotina inexorável e aniquiladora de um cotidiano falso e monótono. Outra (que é mais coerente, não obstante inútil e contraproducente), que é a tentativa de re-estabelecer as bases de uma nova fase (sempre renovável e nunca renovada) de convívio feita a partir das ruínas do que houve e do que se espera(va) haver.

É uma tentativa difícil e sem muitos resultados práticos a partir do momento em que cada indivíduo traz, como elos de uma seqüência interminável, os erros e os vícios de um passado recente que se quer superar mas que, no entanto, pelo fato de estar muito arraigado, determinam toda uma dificuldade em se contornar os problemas que geraram atritos e foram capazes de levar ao desentendimento.

É como querer ressuscitar um cadáver sem o odor característico da decomposição. O melhor neste caso é tentar fazer uma “lavagem cerebral” para eliminar de uma vez por todas os resquícios de uma relação afetiva (que pode ter sido boa e feliz num determinado momento, mas que se tornou um peso insuportável devido às suas ramificações).

Mas ainda assim não adianta. Uma casa velha não suporta os consertos que serão sempre uma carga revitalizante num corpo completamente exaurido. A única possibilidade é a destruição pura e simples. Destruir o que houve e o que ainda resiste às catástrofes diárias e começar de novo (ou não começar merda nenhuma) a edificação de uma nova casa, um novo convívio que, embora possa fracassar novamente, não esteja aproveitando o alicerce do que foi e que esteja lançando as bases do que poderá ser um dia, se vier realmente a ser construído.

Então, assim como enterramos os nossos mortos, devemos também desprezar nossos restos afetivos e partir para o esquecimento sem volta. Bater a cabeça na parede da consciência até estourar as lembranças ou mesmo a própria consciência (se possível ambas, de preferência) e apodrecer vazio, pois que, se não for o melhor será pelo menos o recomendável.

Milton Rezende
Enviado por Milton Rezende em 12/12/2010
Reeditado em 12/12/2010
Código do texto: T2667496
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