MINHA HISTÒRIA DE LEITURA E ESCRITA
Lêda Torre
Foi assistindo o filme CENTRAL do BRASIL, vendo as cartas de Dora, viajando no tempo, lembrei-me que, por volta dos meus nove anos de idade, pessoas que trabalhavam lá em casa da minha mãe, como lavadeira, cozinheira, todas analfabetas, e percebendo a minha paixão pelos livros, me abordavam sempre, para saber se eu sabia escrever cartas para pessoas delas que moravam longe da nossa cidade. Eu, prontamente solicitava que estas pessoas relatassem o que queriam dizer, e eu, mesmo ainda muito novinha, mas já lia bastante e escrevia muito bem, pois sempre fui apaixonada pela nossa língua. Dali, fazia as referidas cartas, lia-as depois e era sempre elogiada e era aquilo mesmo que estas pessoas queriam dizer.
Depois eu mesma, levava aos correios, e as remetia. Ao responderem as tais cartas, quando chegavam , essas nossas ajudantes, me procuravam logo, para ler em voz alta. E aí pronto, nunca mais me deram sossego. Porém, para mim, foi de grande valia, porque tudo isso me estimulava muito mais a ler, visto que eu tive a sorte de estudar em colégio de padre, muito rígido e cobrava muito, e eu hoje agradeço muito aquele tempo dos meus estudos. Foi o bastante para enriquecer minhas leituras e foi a base em toda a minha vida. Inclusive, a escolha pelo curso de Letras foi daí, e o gostar da nossa Língua, me fez ser professora de Português e Inglês. A Língua estrangeira também me atrai muito, o que me impulsionou fazer o curso de Inglês, pretendendo hoje fazer espanhol.
Outros momentos relevantes e que já se vivia o "gênero" textual, e não se sabia, era normal toda vez que a nossa lavadeira vinha trabalhar, mesmo analfabeta, pedia-me para fazer o rol das roupas que seriam lavadas, e o valor que seria cobrado também, de acordo com o tipo de peça, e na volta, com as peças limpas, antes de passar o ferro de engomar, era conferido peça por peça. Era tão comum aquela rotina, que já fazíamos automaticamente, toda vez que elas vinham para seu trabalho.
A nossa cozinheira, fazia o mesmo. Uma lista dos gêneros alimentícios, a gramatura, a quantidade, o nome de cada gênero, essas habilidades e coisas que não foram a nós ensinadas. Na hora de fazer um prato, era o mesmo procedimento, relacionavam-se os ingredientes e a quantidade destes, bem como o modo de fazer. Assim era também com as ervas, que se pegava no mato, se via a quantidade, a dosagem e o modo de preparar chás, lambedor, compotas de frutas, etc.
Lembro-me perfeitamente do orgulho que senti em ser capaz de fazer a tarefa, e foi ali naquelas oportunidades que descobri o valor de ser uma pessoa alfabetizada e, então, letrada, como se diz hoje; foi ali naqueles momentos que pude dar sentido a tudo que já havia aprendido até então.
Estes foram sem dúvida nenhuma, momentos marcantes para a construção da minha aprendizagem da leitura e da escrita , bem como a contribuição de meus pais que tinham o hábito de ler revistas, livros de histórias, compravam sempre coleções de livros que alguns vendedores ambulantes traziam de fora, e vendiam à prestações suaves, e a tudo eu observava, mesmo na minha inocência, sem deixar de lembrar que meu avô JOSÈ, descendente de português legítimo, adorava nos contar histórias de suas caçadas, de suas pescarias, de suas viagens como cozinheiro de navios, nas viagens que andou até pelo rio Amazonas, lembro-me bem, dessa parte.
Muitos livros chegavam às minhas mãos e dos meus irmãos que todos oito, gostam de ler e de escrever e estudar. Um gênero que sempre adorei, foram histórias, fábulas, contos, poesias e lendas, hoje sei que já vivi os gêneros textuais e naquela época não se sabia, eram vistos como um texto comum, com esses nomes convencionais mesmo.
Todas aquelas leituras mexeram muito com a minha imaginação e com a minha criatividade, lembro-me com emoção, sempre fui romântica e apaixonada pela vida, pelo amor e suas manobras, pela natureza, pelo nosso Deus, pelas fortes emoções e demais sentimentos, e tudo isso me deixa até saudosa e emocionada.
Portanto, ainda cedo, descobri que a leitura e a escrita são fundamentais para explicar fatos, sentimentos, desejos, projetos, emoções, acontecimentos e processos, e tudo que ocorre na natureza, na sociedade e no pensamento humano, mas, principalmente, para ajudar a transformar a própria pessoa.
Com todo esse relato, percebemos que estas minhas experiências com a leitura e a escrita, mostram como não estamos falando de atos isolados, que dizem respeito somente ao âmbito escolar, mas estes fenômenos fazem parte do nosso cotidiano, nessa relação de trocas, com a própria sociedade, nos eventos sociais, em tudo que nos diz respeito.
Além disso, o convívio com meus pais, leitores, e num ambiente alfabetizador, em diferentes situações de leitura e registro. Lembro-me ainda que foi nessa fase que conheci os clássicos de nossa Literatura como Monteiro Lobato, Machado de Assis, Gonçalves Dias, Cecília Meireles, Olavo Bilac, entre outros.Havia também uma coleção Tesouro da Juventude que com sua capa vermelha, lembro-me bem, letras douradas, dava gosto de manusear e ler suas histórias e canções.
Na escolas, por onde andei, havia uma farta biblioteca, que existe até hoje, e ali era palco de disputa pelas coleções como a Conhecer, a Mirador, entre tantas outras, a Delta, Larousse, li ainda no início do meu ginásio livros como, O Pequeno Príncipe, O menino do Dedo Verde, Iracema, o Guarani, A Freira no Subterrâneo, o Crime do Padre Amaro, As Pupilas do Senhor Reitor, Meu pé de Laranja Lima,Chapeuzinho Vermelho, Polyana Menina, Polyana Moça, etc.
As revistas gibis eram uma das maiores paixões, como Os Irmãos Metralhas, Madame Min e a Maga Patológica, Tio Donald e seus sobrinhos, a Margarida, a Minie, Os três porquinhos e o Lobo Mau, o Pateta, Gastão, O Professor Pardal, Tio Patinhas, Riquinho, Luluzinha, etc. Nós não a comprávamos, porque na cidade não havia nenhuma Banca de Revista, era um colega nosso que seu pai viajava muito para São Luis, a capital e trazia de montão, e aí pronto, ele as devorava e logo trazia para nós, eu e meus irmãos mais próximos da idade que já líamos como meu mano mais velho e as outras duas mais próximas, já alfabetizadas. Todos povoavam meu mundinho Infantil, eu chegava até a sonhar com eles, inclusive vivia no mundo deles. Todas essas experiências só contribuíram com minha vida de leitora, de estudante e de professora e hoje escritora.
Finalmente, não posso deixar de realçar a minha fase de adolescência, que era proibido ler revistas de histórias de amor, mas eu tomava-as emprestadas e lia lá no meu quartinho com minhas manas, e ao ouvir um arrasta pé da nossa mãe, as escondia debaixo do travesseiro e fingia muitas vezes estar cochilando... Essas coisas do proibido.
Como meu pai costumava encomendar para o vizinho que viajava muito para a capital, as suas revistas preferidas, REALIDADE (hoje como a VEJA), era a revista MANCHETE, a CRUZEIRO, que tinha uma charge do amigo da onça. Era uma das páginas preferidas do meu pai. Como vimos meu ambiente onde vivi a vida inteira, foi alfabetizador.