Curiosidade
"A curiosidade, instinto de complexidade infinita, leva por um lado a escutar atrás das portas e por outro a descobrir a América." Eça de Queirós
O ser humano é naturalmente curioso. Você é curioso e isso não se discute. A questão está em saber que tipo de curioso você é, ou então, como você dosa a curiosidade que existe em você. Existem dois tipos de curiosidade: uma que é sempre benéfica e outra potencialmente maléfica. A curiosidade será sempre benéfica se você a mantiver dentro de certos limites — estabelecidos pela ética, normas sociais, costumes e leis —, mas se você ultrapassá-los, ela poderá ser prejudicial. Falemos primeiro deste tipo de curiosidade, aquela que é inútil e pode ser maléfica.
Escutando atrás das portas
"Haverá ocupação pior do que a ociosidade? Sim, a curiosidade inútil." Baltasar Gracian
Haverá curiosidade inútil? Sim, a curiosidade inútil (há quem discorde) é a aquela que não traz benefício algum a não ser a satisfação de vontades egoístas. Ela nos faz querer saber sobre a vida pessoal alheia, por exemplo. É aquela vontade de olhar pelo buraco da fechadura, de saber das últimas fofocas sobre a família, amigos e trabalho. Esse tipo de curiosidade é o que alimenta a audiência de programas como Big Brother e talvez tenha inspirado Hitchcock em seu filme "Janela indiscreta". Há uma tentadora curiosidade em saber o que acontece entre quatro paredes que não as nossas. E se o desconhecido for diferente ou bizarro a curiosidade só aumenta. É o tipo de coisa que quando olhamos pensamos, pasmos, "nossa, o que é isso?", mas continuamos olhando. Cobrimos o rosto com as mãos mas espiamos por entre os dedos.
Qual apaixonado nunca quis literalmente ver os pensamentos e sentimentos da pessoa amada para descobrir, afinal, se a paixão é recíproca? Ou então se existe um(a) outro(a)? Até certo ponto esse tipo de curiosidade é normal mas quando extrapolada pode colocar a pessoa em maus lençóis. Não precisamos lembrar que o direito à privacidade é garantido por lei de modo que ler diários, cartas e e-mails de terceiros sem a devida autorização constitui crime. E é por isso que as biografias de celebridades fazem tanto sucesso, elas são como diários onde são revelados fatos da sua vida pessoal — é uma pequena porta de acesso aos seus pensamentos e sentimentos mais íntimos.
Deixando um pouco de lado a curiosidade acerca dos relacionamentos, já repararam que quando um acidente ocorre um aglomerado de pessoas rapidamente se forma em torno do local? As pessoas querem dar uma espiada mesmo sabendo que elas podem ver algo feio, chocante e perturbador. O noticiário da televisão sabe explorar muito bem isso, quanto mais sensacionalistas são as ocorrências cotidianas capturadas pelas lentes das câmeras maior será a audiência. Imagens como a de um avião chocando-se contra um prédio ou pessoas desesperadas tentando salvar suas próprias vidas em uma enchente atrai com eficiência o olhar curioso dos telespectadores.
E o pior é que a curiosidade além de inútil pode também ser muito maléfica. É o que nos ensina o mito da Caixa de Pandora e a passagem bíblica sobre o fruto da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. A curiosidade humana pode abrir portas donde verdadeiras bestas podem escapar, nos perseguir e assombrar. Querer conhecer é saudável, querer conhecer demais não. Tudo que é demais não é bom, pode ser catastrófico. O dito popular é sábio: curiosidade mata. Não sempre, é claro, mas pode matar.
Descobrindo a América
"A curiosidade é mais importante que o conhecimento." Albert Einstein
Falemos agora da boa curiosidade, aquela que faz a vida valer a pena ser vivida. A curiosidade natural e pura da criança que carregamos dentro de nós, que nos faz querer entender como as coisas funcionam e por que as coisas são como são. Por que o céu é azul? Por que brilha o Sol? Por que a noite é escura? Essa curiosidade insaciável é responsável por todos os avanços das ciências e artes na nossa história. Não fosse pela curiosidade o ser humano não teria inventado (descoberto) o alfabeto, os números, a tabela periódica, o cinema, a música e as danças; não teria descoberto a América nem as inúmeras galáxias nos confins do universo; não teria inventado a matemática tampouco a poesia; enfim, não teria descoberto a sua própria natureza.
As maiores perguntas ainda permanecem em aberto provocando e instigando a nossa curiosidade: de onde viemos? Por que viemos? Para onde vamos? Qual a verdadeira natureza de Deus e como seria enfim encontrá-Lo? E as pequenas curiosidades inseridas em nosso cotidiano também não perdem em beleza: como as abelhas constroem as colméias? Qual o melhor livro de ficção de todos os tempos? Qual é a medida da diagonal do quadrado de lado 1? Como são as pessoas e a cultura em Qatar? Será que ele(a) gosta de mim?
Todas as questões, grandes ou pequenas, mais ou menos importantes, são motivadas pela mesma curiosidade. No âmbito do trabalho a curiosidade é também essencial. Todos os profissionais precisam ser curiosos para desenvolver o seu trabalho a contento e de forma criativa. Sem curiosidade não há inquietação, sem inquietação não há procura, e sem procura não há avanços. Nesse sentido todo bom profissional é sempre um estudioso curioso que está continuamente aprendendo e descobrindo.
O escritor, por exemplo, sobre o que escreveria se não fosse curioso? Antes de derramar a tinta sobre o papel ele deve primeiro mergulhar na vida, embriagar-se de realidade. Transbordar. Debruçar-se sobre os livros sim, mas também imergir nas e com as pessoas em suas complexas intimidades e relações. Inundar-se de prazer e dor e, sobretudo, tentar, errar, inquietar-se, procurar, querer saber, aprender, compreender e ler — ler a vida com os olhos de uma criança que sabe tudo e quase nada.
É muito tênue a linha divisória entre a boa e má curiosidade sendo questão de bom senso discernir entre uma e outra. Olhe ao seu redor, tudo é curioso. Até a curiosidade é curiosa, esse ímpeto humano que carregamos desde o berço. Que será exatamente isso, a semente da curiosidade? Qual a sua verdadeira natureza? Independentemente dos reais motivos da curiosidade existir dentro de nós, uma coisa é certa, a curiosidade é o que faz de nós o que somos com todas as nossas qualidades e defeitos: seres humanos.
Dezembro de 2010
Fonte da imagem
"A curiosidade, instinto de complexidade infinita, leva por um lado a escutar atrás das portas e por outro a descobrir a América." Eça de Queirós
O ser humano é naturalmente curioso. Você é curioso e isso não se discute. A questão está em saber que tipo de curioso você é, ou então, como você dosa a curiosidade que existe em você. Existem dois tipos de curiosidade: uma que é sempre benéfica e outra potencialmente maléfica. A curiosidade será sempre benéfica se você a mantiver dentro de certos limites — estabelecidos pela ética, normas sociais, costumes e leis —, mas se você ultrapassá-los, ela poderá ser prejudicial. Falemos primeiro deste tipo de curiosidade, aquela que é inútil e pode ser maléfica.
Escutando atrás das portas
"Haverá ocupação pior do que a ociosidade? Sim, a curiosidade inútil." Baltasar Gracian
Haverá curiosidade inútil? Sim, a curiosidade inútil (há quem discorde) é a aquela que não traz benefício algum a não ser a satisfação de vontades egoístas. Ela nos faz querer saber sobre a vida pessoal alheia, por exemplo. É aquela vontade de olhar pelo buraco da fechadura, de saber das últimas fofocas sobre a família, amigos e trabalho. Esse tipo de curiosidade é o que alimenta a audiência de programas como Big Brother e talvez tenha inspirado Hitchcock em seu filme "Janela indiscreta". Há uma tentadora curiosidade em saber o que acontece entre quatro paredes que não as nossas. E se o desconhecido for diferente ou bizarro a curiosidade só aumenta. É o tipo de coisa que quando olhamos pensamos, pasmos, "nossa, o que é isso?", mas continuamos olhando. Cobrimos o rosto com as mãos mas espiamos por entre os dedos.
Qual apaixonado nunca quis literalmente ver os pensamentos e sentimentos da pessoa amada para descobrir, afinal, se a paixão é recíproca? Ou então se existe um(a) outro(a)? Até certo ponto esse tipo de curiosidade é normal mas quando extrapolada pode colocar a pessoa em maus lençóis. Não precisamos lembrar que o direito à privacidade é garantido por lei de modo que ler diários, cartas e e-mails de terceiros sem a devida autorização constitui crime. E é por isso que as biografias de celebridades fazem tanto sucesso, elas são como diários onde são revelados fatos da sua vida pessoal — é uma pequena porta de acesso aos seus pensamentos e sentimentos mais íntimos.
Deixando um pouco de lado a curiosidade acerca dos relacionamentos, já repararam que quando um acidente ocorre um aglomerado de pessoas rapidamente se forma em torno do local? As pessoas querem dar uma espiada mesmo sabendo que elas podem ver algo feio, chocante e perturbador. O noticiário da televisão sabe explorar muito bem isso, quanto mais sensacionalistas são as ocorrências cotidianas capturadas pelas lentes das câmeras maior será a audiência. Imagens como a de um avião chocando-se contra um prédio ou pessoas desesperadas tentando salvar suas próprias vidas em uma enchente atrai com eficiência o olhar curioso dos telespectadores.
E o pior é que a curiosidade além de inútil pode também ser muito maléfica. É o que nos ensina o mito da Caixa de Pandora e a passagem bíblica sobre o fruto da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. A curiosidade humana pode abrir portas donde verdadeiras bestas podem escapar, nos perseguir e assombrar. Querer conhecer é saudável, querer conhecer demais não. Tudo que é demais não é bom, pode ser catastrófico. O dito popular é sábio: curiosidade mata. Não sempre, é claro, mas pode matar.
Descobrindo a América
"A curiosidade é mais importante que o conhecimento." Albert Einstein
Falemos agora da boa curiosidade, aquela que faz a vida valer a pena ser vivida. A curiosidade natural e pura da criança que carregamos dentro de nós, que nos faz querer entender como as coisas funcionam e por que as coisas são como são. Por que o céu é azul? Por que brilha o Sol? Por que a noite é escura? Essa curiosidade insaciável é responsável por todos os avanços das ciências e artes na nossa história. Não fosse pela curiosidade o ser humano não teria inventado (descoberto) o alfabeto, os números, a tabela periódica, o cinema, a música e as danças; não teria descoberto a América nem as inúmeras galáxias nos confins do universo; não teria inventado a matemática tampouco a poesia; enfim, não teria descoberto a sua própria natureza.
As maiores perguntas ainda permanecem em aberto provocando e instigando a nossa curiosidade: de onde viemos? Por que viemos? Para onde vamos? Qual a verdadeira natureza de Deus e como seria enfim encontrá-Lo? E as pequenas curiosidades inseridas em nosso cotidiano também não perdem em beleza: como as abelhas constroem as colméias? Qual o melhor livro de ficção de todos os tempos? Qual é a medida da diagonal do quadrado de lado 1? Como são as pessoas e a cultura em Qatar? Será que ele(a) gosta de mim?
Todas as questões, grandes ou pequenas, mais ou menos importantes, são motivadas pela mesma curiosidade. No âmbito do trabalho a curiosidade é também essencial. Todos os profissionais precisam ser curiosos para desenvolver o seu trabalho a contento e de forma criativa. Sem curiosidade não há inquietação, sem inquietação não há procura, e sem procura não há avanços. Nesse sentido todo bom profissional é sempre um estudioso curioso que está continuamente aprendendo e descobrindo.
O escritor, por exemplo, sobre o que escreveria se não fosse curioso? Antes de derramar a tinta sobre o papel ele deve primeiro mergulhar na vida, embriagar-se de realidade. Transbordar. Debruçar-se sobre os livros sim, mas também imergir nas e com as pessoas em suas complexas intimidades e relações. Inundar-se de prazer e dor e, sobretudo, tentar, errar, inquietar-se, procurar, querer saber, aprender, compreender e ler — ler a vida com os olhos de uma criança que sabe tudo e quase nada.
É muito tênue a linha divisória entre a boa e má curiosidade sendo questão de bom senso discernir entre uma e outra. Olhe ao seu redor, tudo é curioso. Até a curiosidade é curiosa, esse ímpeto humano que carregamos desde o berço. Que será exatamente isso, a semente da curiosidade? Qual a sua verdadeira natureza? Independentemente dos reais motivos da curiosidade existir dentro de nós, uma coisa é certa, a curiosidade é o que faz de nós o que somos com todas as nossas qualidades e defeitos: seres humanos.
Dezembro de 2010
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