ANALOGIAS

A intelectualidade forma um círculo fechado na medida em que a produção de cada um é compartilhada por outros que fazem parte, por assim dizer, do mesmo grupo de interessados. Da mesma forma que a produção de remédios é, na prática, destinada aos doentes que podem comprá-los.

Assim sendo, o conhecimento adquirido percorre um ciclo, aliás, mínimo em proporção se comparado a grande maioria que não tem acesso à cultura, que gira em torno de si mesmo e tem como vantagem apenas o enriquecimento interior dos indivíduos imersos nesse processo de desagregação involuntária.

A absorção do fazer artístico sofre de uma retração crônica que se estende desde os primórdios da humanidade e nada leva a crer que será diferente um dia. Qualquer visão otimista nesse sentido, como, aliás, em qualquer outro consoante à situação humana, perde em profundidade.

A realidade inequívoca desse panorama, desanimador sem dúvida, é devida em parte ao desinteresse do público leitor (desinteresse que está diretamente ligado à falta de estímulos ao hábito) e em parte ao caráter “erudito” das publicações, que esbarra na formação medíocre dada pelas escolas, preocupadas apenas em informar.

De um lado nós temos aqueles cuja produção se destina, embora isso não seja necessariamente uma atitude deliberada, mas antes uma conseqüência inevitável do valor intrínseco, a uma elite pensante e atinge, portanto, um número inexpressivo de receptores.

De outro, há aqueles que produzem (e aqui sim, há todo um processo voluntário quanto ao destino do produto e ao papel reservado a ele, ambos facilmente reconhecíveis de antemão) visando a um determinado segmento da população que, aliás, nem chega a ser segmento, mas quase a totalidade do povo menos uma minoria que pensa (e essa consideração exclui todo e qualquer preconceito quanto às diferentes classes sociais). Trata-se aqui de diferenciações pessoais que são geralmente escamoteadas com argumentos pretensamente democráticos.

Entretanto esse tipo de “produção para a massa e o consumo” deve ser questionado sob inúmeros aspectos, entre eles o da qualidade literária, apesar de ter geralmente grande receptividade junto ao público (o que é sintomático e define bem a que tipo de estratificação estamos nos referindo).

Há que se ter então uma postura crítica voltada para o discernimento e escolha entre a verdadeira produção artística e todo o resto que é feito. Que é resto mesmo, na acepção depreciativa da palavra.

(publicado, com alterações, como editorial do Jornal Espaço Aberto nº 03, Juiz de Fora/MG em junho de 1985)

Milton Rezende
Enviado por Milton Rezende em 27/11/2010
Reeditado em 04/12/2010
Código do texto: T2640613
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