Análise do poema: Importuna Razão, não me persigas, de Bocage
Nesta análise vamos levantar e perceber alguns aspectos quanto à forma, a substância, e a poética contida no ao poema Importuna Razão, não me persigas, de Manuel Maria Barbosa de Bocage, poeta árcade.
Manuel Maria Barbosa de Bocage (1765-1805) é uns dos maiores sonetistas líricos da literatura portuguesa. No inicio de sua atividade literária, seguiu à moda do Arcadismo, escrevendo poesias que falam de pastores e ninfas; porém, abandonou essa poesia artificial e passou a falar mais de seu mundo interior, de seus dramas existenciais e amorosos. Esses temas estão presentes no nosso poema para análise, que reflete em uma poesia individualista e pessoal de Bocage, e uma antecipação do que seria a poesia romântica do século XIX. Eis o poema:
Importuna Razão, não me persigas
Importuna Razão, não me persigas;
Cesse a ríspida voz que em vão murmura;
Se a lei de Amor, se a força da ternura
Nem domas, nem contrastas, nem mitigas;
Se acusas os mortais, e os não abrigas,
Se (conhecendo o mal) não dás a cura,
Deixa-me apreciar minha loucura,
Importuna Razão, não me persigas.
É teu fim, teu projecto encher de pejo
Esta alma, frágil vítima daquela
Que, injusta e vária, noutros laços vejo.
Queres que fuja de Marília bela,
Que a maldiga, a desdenhe; e o meu desejo
É carpir, delirar, morrer por ela.
Ao iniciar nossa análise acerca do soneto bocagiano, percebemos a luta do Eu- lírico contra o poder opressor do racionalismo logo no primeiro verso: “Importunas Razão, não me persigas” refletindo assim a pressão da influência racional que nesse viés é superior a emoção e a vontade, sob a produção literária do poeta árcade. O amor é visto em linhas gerais como sendo oposição ao racionalismo, é mas ligado à parte emotiva, a loucura, as emoções. Voltaire diz que “Se o homem não usar a razão, apenas o acaso vai reger o mundo”. Mas em oposição, nosso poeta parece desejar o acaso dos amores, a ingenuidade, a libertação das amarras racionais. Ao adentrarmos no segundo quarteto, percebemos que o poeta continua a criticar o racionalismo, o qual é seu alvo durante todo o poema, de forma incisiva: “Se (conhecendo o mal) não dás a cura”, note que está em parênteses umas das bases concretas do racionalismo, que é “conhecer”, sendo assim o poeta coloca o processo racional em xeque, ao afirmar que conhecer o mal não é encontrar a solução, Bocage prefere a loucura, o apreciamento desse sentimento e novamente despreza as fórmulas impostas pelo poder racionalista.
Em se tratando de paixão e sensibilidade, ou seja, as bases fundamentais da arte romântica, o caráter opressor da atividade racional, esta que impõe ordem, nitidez e impessoalidade, se reflete nos versos dos dois tercetos: “É teu fim, teu projeto encher de pejo / Esta alma, frágil vítima daquela”, isto é, o poeta que canta o amor, segundo uma experiência pessoal, quer se livrar do "pejo" (pudor, timidez, estorvo) gerado pela razão, para expressar de forma fluida, inconseqüente e apaixonada sua sensibilidade específica e individual, fonte da sua inspiração e da sua necessidade expressiva. No final do último quarteto Bocage exemplifica o desejo da razão: “Queres que fuja de Marília bela, Que a maldiga, a desdenhe” e o seu “e o meu desejo É carpir, delirar, morrer por ela.” O seu desejo se contrapõe a ordem racional. Nosso poeta no final de seu soneto deseja a loucura, a entrega aos desejos à irracionalidade, a metáfora da morte como sendo o cume de sua loucura.