Viagem a Terra do Nunca - A escolinha da professora Leda e o meu amigo Carlinhos Loyola.

No início de 1965 a minha avó, dona Maria Pequena, havia decidido que eu deveria estudar em Itabuna, já que em Gongogi os estudos só iam até a quinta série do curso primário, sendo que eu teria que fazer um curso de admissão ao ginásio para prestar os exames, uma espécie de vestibulinho da época.

Lá fui eu para Itabuna, sendo que a minha avó decretou que a minha prima Maria, filha de tia Zefa Cruvelo, ficaria encarregada de tomar conta de mim.

Foi um período pródigo em brincadeiras e descobertas: aprendi a jogar futebol de botão, ocupação que me tomava mais da metade das tardes, junto com os meus amigos.

O meu esquadrão era todo branquinho, com as cores do Santos Futebol Clube, o meu time do coração. Cada botão tinha a figura de um jogador do Santos, sendo que, após as renhidas partidas disputadas no campo de madeira compensada que eu fizera especialmente para essas disputas, o meu time dormia junto comigo, guardado ciosamente num saquinho de plástico e fazendo parte dos meus sonhos.

Nossas partidas eram disputadas na calçada da casa de minha tia, sendo que minha prima Maria fazia vistas grossas para o tempo que eu dedicava ao futebol, tanto de mesa quanto o de rua, e eu fingia não ver os quentes namoros dela dentro de nossa casa.

O acordo não escrito entre eu e minha prima Maria durou até que minha avó mandasse Maria de volta para a casa dela, temerosa de que os namoros de minha prima trouxessem fruto indesejável.

Eu fiz o curso de admissão ao ginásio em uma escola localizada num prédio de dois pavimentos. A escolinha era conduzida com mão de ferro pela professora Leda, fato que fez com que a maioria de nós não encontrasse nenhuma dificuldade em passar no vestibulinho do Colégio Estadual de Itabuna, uma escola gigantesca, como jamais eu houvera visto outra até então.

Comigo, na escolinha da professora Leda, estudavam dois Zé Carlos: o Cardoso, filho de um português dono de um armazém próximo da escola, e o Zé Carlos Loyola, um menino estudioso, com jeito de seminarista.

Os dois meninos tinham irmãs lindas, todas estudando junto conosco.

A irmã do Cardoso era uma baixinha bem branquinha, dona de incríveis olhos negros, sendo que a irmãzinha do Loyola tinha dois lindos olhos azuis, realçados mais ainda pela cor azul do uniforme que as meninas da escola usavam.

Um dia eu fui convidado pelo José Carlos Loyola para estudarmos juntos em sua casa, situado próxima ao rio Cachoeira, pouco antes do centro da cidade. Cheguei a casa dele por volta das nove horas da manhã, sendo introduzido em uma residência austera, típica casa de classe média alta, bem parecida com a casa de meu amigo Jota, em Gongogi. Na sala da casa de meu amigo Loyola, havia uma estante abarrotada de livros, os quais olhei com não refreada admiração. A mãe dele nos encaminhou para a parte superior da casa, deixando-nos a vontade para que efetuássemos os nossos estudos.

A crescente amizade que havia entre eu e o José Carlos Loyola sofreu grande abalo quando o pestinha, numa manhã, sem qualquer motivo aparente, resolveu me batizar com o apelido de “Charuto”, alcunha que o danado repetia sem cessar, como se tivesse sido acometido por um ataque epiléptico, ou coisa parecida, dado que não parava de rir e soluçar, quase se engasgando.

Foi preciso que Dona Leda suspendesse toda a turma para que o Zé Carlos Loyola se recuperasse de seu ataque de riso, proporcionado pelo prazer que lhe dava guinchar o apelido que me imputara.

Não deixei aquela afronta passar em brancas nuvens: um dia, quando tudo já estava quase esquecido, alcunhei aquele pestinha magricela com um apelido que vinha estudando já há algum tempo, e que, eu presumia, lhe cairia como uma luva – “Pau-de-virar-tripa”.

Finalmente o nosso cursinho chegou ao fim, mas, antes de seu término, eu saboreei a doce vingança de ver o meu ex-amigo Loyola com lágrimas nos olhos, toda vez que alguém sibilava, à sua passagem, o apelido ignominioso que eu havia lhe pespegado.

Nos meus sonhos de menino de quatorze anos, as irmãs dos dois José Carlos eram protagonistas constantes, sendo o papel principal exercido maior número de vezes pela menina Loyola, a mais delicada das duas.

Aprendiz de Poeta
Enviado por Aprendiz de Poeta em 16/11/2010
Reeditado em 15/05/2018
Código do texto: T2619133
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