Chico Buarque de Holanda, e Cantigas Lírico-amorosas
Na cantiga de D. Dinis, o eu-lírico é a própria mulher abandonada, – como visto em toda cantiga de amigo -, que fala da saudade de seu amado e, pois o mesmo deve servir ao rei. Ela vai perdendo a esperança de revê-lo, e já acredita na sua morte. A poesia trovadoresca, nessa cantiga, infere na essência do eu-lírico, o que gera sofrimento de uma mulher que não tem notícias de seu amor.
Na canção Com açúcar e com afeto, de Chico Buarque, a mulher surge cumprindo o papel submisso, num relacionamento chauvinista e manipulador. Desta vez, o autor retrata em sua arte, a indecisão da mulher vista na poesia trovadoresca; sempre aceitando todo o panorama imposto pelo homem, como nota-se nos versos seguintes: “Com açúcar e com afeto, fiz seu doce predileto / Pra você parar em casa, qual o quê / Com seu terno mais bonito, você sai, não acredito/ Quando diz que não se atrasa.”
Em toda poesia, o termo qual o quê se repete dando ênfase a uma insatisfação por parte da mulher, devido ao comportamento do seu companheiro. Ficam assim explicitas as decepções de uma mulher; e a cada vez que surge esse termo, conseguintemente liga-se às atitudes do homem.
Ao final, a canção reafirma a ideologia da sociedade machista de todos os tempos; Chico Buarque ainda ressalta, por intermédio de exemplos, o direito do homem diante dos direitos da mulher, explicitando exemplos aceitação, cordialidade e amor da mulher; mesmo que sem reciprocidade.
A canção mostra um sentimento verossímil da mulher, onde os bons sentimentos são massificados grosseiramente nas costumeiras tarefas de uma dona de casa.
O amor inverossímil também é retratado na música Teresinha, que por sua vez é dividida em três partes. Na primeira parte encontramos um amigo cortês, infiltrado nos desejos do eu-lírico das cantigas de amigo, visto que presenteia a dama por diversas vezes; o que para a moça não é satisfatório. Logo após surge o grosseiro e anti-romântico homem da vida de Teresinha, que expressa desdém, boemia desenfreada e desconfiança para com a dama; o que naturalmente também não é o desejo costumeiro de uma mulher sensível como as de qualquer período histórico.
Os dois períodos citados apresentam o chamado amor inverossímil. O real desejo da mulher é visto no último período e homem, que expressa um sentimento balanceado, dividido entre a carne e o sentimentalismo, que não tem a necessidade material ou exagerada de demonstrar, respectivamente, cortesania e virilidade. O terceiro personagem masculino é apenas um homem que conquista o coração de Terezinha pelos votos do determinismo, da simplicidade e do sentimento entre os extremos.
No verso da cantiga de J. J. Nunes “Ai flores, ai flores do meu verde pino, / Se sabedes novas do meu amigo?”, o eu-lírico demonstra seu sofrimento desabafando com as flores, buscando em Deus o consolo do abandono, e conjuntamente sua respectiva dor. Traduz um sentimento realista, natural, primitivo e espontâneo, por parte da mulher; já por pelo lado masculino o sentimento se assemelha à egoísta atitude donjuanesca frente à mulher. Nessa cantiga o amigo é algum vassalo, cavaleiro, que sai em busca de conquistas, guerreando em nome do rei.
Ao analisar esta mesma passagem, observamos a construção de um eu lírico ligado à natureza, visto que encontramos diálogo entre a donzela e as flores, o que de fato é uma das principais características das cantigas de amigo. O cenário é bucólico, acompanhado pela representação do eu-lírico feminino ao conversar com as flores, como se elas também fossem amigas. A intimidade e a relação natural da mulher com o verde campo remete a noção de um drama amoroso de uma camponesa, e que esta vive uma espera angustiante.
No estribilho “Ai, Deus, e u é?”, nota-te a influência do Teocentrismo como forma de proteção da donzela, já que encontramos nessa cantiga uma mulher frágil e insegura. A repetição - refrão - é o formato lírico de explicitar a necessidade da camponesa em ver o relatado amigo ao seu lado, já que pelo Teocentrismo, tudo foi criado por Deus e por Deus é dirigido; em outras palavras: Deus sabe onde o amigo se encontra.
Vale ressaltar que a cantiga de amigo não traduz a ideia de morrer de amor, diferente da cantiga lírica de amor; o que a personagem sente é um sofrimento pelo amor já consumado – basicamente é o que ocorre na pós-modernidade.
Na análise comparativa entre a poesia trovadoresca medieval e as canções de Chico Buarque de Holanda, encontram-se características bem definidas no sentido da inversão de papéis. Na canção Folhetim de Chico Buarque, precisamente no verso: “Mas na manhã seguinte / Não conte até vinte / Te afasta de mim / Pois já não vales nada / És página virada / Descartada do meu folhetim.”, a mulher assume um comportamento extremamente masculino. A música assume e cria uma versão diferenciada do conhecido universo sexo frágil.
O compositor brasileiro expõe em sua poesia o perfil existente na cantiga trovadoresca, por meio da crítica ao conservadorismo da sociedade – de qualquer ambiente histórico - em aceitar que o que para um home é um comportamento natural. A mulher é retratada com intuitos, costumes e valores masculinos, porém, permanece com o fenótipo sensível e sedutor do sexo feminino. Chico Buarque utiliza esse recurso para que a trajetória do eu-lírico de Folhetim sirva como ponto de partida para uma série de pensamentos sobre todos os conceitos, naturalmente, de uma sociedade dita democrática, e principalmente sobre a questão dos conceitos morais existentes.
Através das músicas são mostrados vários sentimentos - anseios, desilusões, amores – que o autor relata chamando atenção para o cotidiano das mulheres. Em todas as cantigas e canções mencionadas até então, encontramos diversas particularidades, tais como – de forma resumida: eu-lírico feminino, predomínio da musicalidade, amor natural, possível e espontâneo, ambientação popular, pouca subjetividade, autor masculino e principalmente o lamento ou a inversão de valores femininos.