A CIDADANIA COMO FATOR DE RESGATE SOCIAL (PROJETO SCV) conclusão.
3.2. SEST/SENAT, AS PERCEIRAS
O SEST – Serviço Social do Transporte e o SENAT – Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte, são entidades privadas regidas pela Lei 8.706, de 14 de setembro de l993, regulamentadas pelo Decreto n. 1.007, de 13 de dezembro de 1993, organizadas e administradas pela Confederação Nacional do Transporte – CNT, com sede em Brasília.
Em Manaus, as duas entidades são administradas pela FETRANORTE – Federação das Empresas de Transportes Rodoviários da Região Norte, com abrangência aos Estados do Amazonas, Pará, Acre, Roraima e Amapá e com Unidades Operacionais nas cidades de Manaus, Belém, Macapá e Boa Vista.
As entidades SEST e SENAT têm por objetivos desenvolver programas voltados à promoção de aprendizagem e promoção social aos trabalhadores em transporte, trabalhador autônomo e, em 1999, todos os serviços das entidades passaram a ser abertos também à comunidade em geral, permitindo a realização de parcerias com o Poder Público para a execução de programas mais amplos, como o SCV, do Governo Federal, concebido como
“um rito de passagem à maioridade, com ênfase em dois aspectos: a preparação do/a jovem para o mercado de trabalho e para a cidadania, entendida como participação social solidária de uma sociedade democrática”( Secretaria de Políticas Públicas de Emprego, abril de 2009, pag. 99).
No ano de 1999, o SEST desenvolveu pela primeira vez o SCV, com a participação de 200 jovens. Desse total, apenas 3 abandonaram o programa, 27 conseguiram voltar ao mercado de trabalho após a qualificação com cursos profissionalizantes, e a grande maioria conseguiu a elevação da escolaridade. Para comprovar esse fato, o SEST,antes de efetuar o pagamento de uma bolsa no valor de R$ 60,00 (sessenta reais), exigia que os alunos apresentassem documento (declaração emitida pela escola) comprovando a frequência do aluno e/ou sua mudança de escolaridade.
Uma decisão interna tomada pela Coordenação do Projeto mudou sua forma de execução: ao contrário de atender aos jovens em seus bairros, centralizou todas as atividades em um auditório no Centro Assistencial, chamado de Capit-16 – “Francisco Saldanha Bezerra”. Com isso a Coordenação do SCV passou a ter um maior controle sobre todas as etapas do processo e permitiu fazer algumas experiências inovadoras como a prática desportiva, sendo uma delas voltada à prática da cidadania.
No ano de 2000, o SENAT, com a mesma concepção iniciada pelo SEST, foi o responsável pela execução do SCV, coma participação de 400 jovens, dos quais 397 conseguiram chegar ao final. Um dos alunos, envolvido com o tráfico de drogas foi assassinado quando chegava à Escola, outro participante viajou para outro Estado com a família e um terceiro abandonou as atividades e não se sabe informar o porquê.
No início do projeto SCV, a Coordenação do Projeto, no primeiro dia, aplicou uma pesquisa sócio-econômica-cultural aos 400 alunos, sem que eles soubessem para qual propósito. Foram levantados dados como sexo, raça, cor, idade, naturalidade, tipo de deficiência, estado civil, condição de moradia, tipo de moradia, situação familiar, renda familiar, número de membros na família, situação econômica, grau de escolaridade, leituras mais apreciadas, tipos de músicas mais ouvidas, tipo de filme mais assistido, prática desportiva, condição do aluno perante a justiça e perspectivas do aluno para com o Programa.
As respostas foram todas tabuladas e arquivadas. Ao final do projeto, o mesmo questionário voltou a ser aplicado aos 397 alunos que conseguiram chegar até ao final e as respostas recebidas, tabuladas e foram totalmente diferentes das primeiras, quando nenhum dos alunos sabia o que tinha ido fazer no SCV. Isso foi considerado muito positivo e foi uma exata mensuração de que os temas Transversais voltados à tinham surtido os efeitos desejados. Houve mudanças significativas em todas as respostas.
Homossexuais passaram a se admitir sem serem discriminados; negros, índios, envolvidos com problemas judiciais passaram a se declarar com mais naturalidade; os novos tipos de moradias foram consideradas como um grande avanço quando apenas eram feitos mais um quarto, enfim, todos passaram a ser melhores. Com relação ao emprego, muitos jovens se inseriram no mercado formal de trabalho, outros passaram a gostar de seus locais de estágios e foram contratados.
Alunos do Projeto passaram a dizer que as palestras de cidadania, drogas, paternidade e maternidade responsável, aborto, violência de um modo geral tinham sido importante para eles, como também as regras que foram criadas pelos próprios alunos e depois de votadas democraticamente, sem vencessem, eram impostas pela Coordenação o Projeto a eles próprios, que as cumpriam sem discussão, pois tinha sido a vontade da maioria. Com isso, o projeto atingiu outro patamar: o da consciência e cidadania coletiva.
Essas mudanças são significativas e importantes em vários de seus aspectos. Dos alunos pesquisados, no início do projeto, 376 informaram estavam cursando a 8ª série do Ensino Fundamental, 21 cursavam entre a 1ª a 4ª séries e 3 estavam entre a 5ª a 7ª séries do Ensino Fundamental. Com relação à primeira tabulação, os resultados apresentados foram: 241 estavam em busca do primeiro emprego, 144 estavam desempregados há algum tempo, 10 exerciam atividades autônomas e 5 estavam trabalhando informalmente.
Dos 397 participantes que concluíram o SCV, 19 alunos estavam concursando a 5ª série do Ensino Fundamental, 3 completaram a 4ª série, 76 estavam para completar a 8ª série, 142 haviam concluído o Ensino Fundamental, 154 foram promovidos para o Ensino Médio e 3 haviam completado o Ensino Médio e fizeram exame vestibular para ingressar em cursos superiores em Faculdade pública. Os alunos Valeney Peixoto de Souza, David Soares de Sena e Malquesedeque Veloso de Paula não foram aprovados na primeira tentativa de entrar em um curso superior, mas prometeram continuar tentando.
Sobre a situação de emprego, 232 informaram que continuavam em busca do primeiro emprego, 103 permaneciam desempregados, 35 já estavam trabalhando como profissionais autônomos e 27 estavam formalmente empregados.
Observaram-se, ainda, mudanças qualitativas em tipos de leituras, tipos de músicas mais ouvidas, tipos de filmes mais assistidos, também na prática desportiva e na relação dos alunos com as autoridades foram observadas importantes mudanças. No início do Projeto, 87 alunos informaram que tinham problemas com as autoridades. Ao final do projeto esse número era só de 58, pois alguns já tinham cumprido suas penas alternativas. Os que já tinham cumprido suas penas alternativas já se consideravam como “livres” e somente dois dos 397 que chegaram ao final das atividades se envolveram com atos infracionais de roubos durante o processo. Esses dois foram presos e, depois de soltos, retornaram ao SCV e não delinquiram mais e ainda foram convidados para falar sobre suas “experiências” na Penitenciária Central do Estado.
Em Manaus, o SEST e o SENAT são as únicas entidades executoras do SCV, pois são dirigidas por um Assistente Social. As entidades estão localizadas na Zona Leste da cidade, a que mais cresceu no período 91/96. O bairro Jorge Teixeira, onde se localizam as entidades, é um dos dez que compõem a Zona Leste, cresceu no período 51,94% seguido pelos bairros Tancredo Neves, com 20,90% e o bairro Distrito Industrial, com um crescimento de 14,18%.
Sobre esse crescimento desordenado, através de invasões, principalmente em época de campanhas política para o Município, o assistente social Carlos Costa em seu livro “O Caminho não percorrido – A trajetória dos Assistentes Sociais Masculinos em Manaus”, sustenta que esses problemas começaram durante a formação da cidade, no início do século, com a exploração e depois decadência da borracha, devido à falta de uma política pública de ocupação dos espaços urbanos. Como consequência, os problemas sociais exigem cada vez mais investimentos do Estado, que nem sempre consegue solucionar todas as questões com a mesma velocidade com que elas ocorrem.
Segundo os registros correspondentes ao período de outubro/97 a outubro/98, o Conselho Tutelar da Zona Leste, órgão do Aparelho de Estado Municipal encarregado de zelar pelo cumprimento dos direitos das crianças e adolescentes, os casos mais frequentes são de crianças e adolescentes drogaditos, com 13%, desvio de conduta com 9,8%, fugas 8,5%, ausência de condições para o convívio familiar com 5,6% e abandono de família, com 5% dos casos atendidos. Desse total, a muitos dos envolvidos são filhas ou filhos de ex-funcionários de indústrias da Zona Franca, que perderam sua função laborativa em virtude da redução da atividade econômica.
O SCV desenvolvido pelo SEST/SENAT possui todo seu eixo estrutural dentro dos parâmetros definidos pelo Ministério do Trabalho, buscando a clientela específica do programa direcionado aos jovens e a uma consciência crítica de cidadania.
A execução do Projeto, contudo, não seguiu as normas do Ministério do Trabalho quanto à realização de todas as suas etapas dentro das próprias comunidades onde residem os jovens. O SEST/SENAT optou pela centralização de todas as fases em um único lugar e, em relatório enviado à Secretaria de Estado de Ação Social e do Trabalho, do Governo do Estado, o Coordenador esclareceu que
“Buscamos a centralização de todas as ações porque entendemos que a troca de experiência entre jovens de diversas áreas da cidade, todos os problemas próprios e distintos, poderá enriquecer a experiência de todos. Entendemos, portanto, que se torna mais produtivo trabalhar os temas transversais de forma compartilhada” (documento interno do SEST).
Durante seis meses, a execução do SCV se propôs a repassar aos jovens, conhecimentos de cidadania através de aulas expositivas, palestras, atividades comunitárias, aulas de qualificação profissional e outras. Com 100 horas/aula de duração e quatro horas de aula por dia, os jovens aprenderam temas como organização comunitária; Estado; Sociedade; Poderes Públicos; discriminação; democracia; bem comum; consenso; solidariedade; direitos humanos; direitos civis, políticos e pluralidade cultural; juventude; comportamento; saúde e desafios da globalização.
Depois de concluídas as horas de cidadania, os jovens passaram por mais 100 horas de qualificação profissional, alguns voltados ao mercado de trabalho formal e outros voltados ao processo de geração de renda, como confeitos, embrulhos para presentes, decoração de festas, auxiliar de salão de beleza, produção de doces e salgados e cabeleireiro. Durante a execução desses cursos, os alunos também participavam de estágios supervisionados.
Concomitantemente com essas etapas, e mais 100 horas de prestação de serviços comunitários, todos os participantes do projeto retornaram ao ensino regular, alguns optando pelo sistema supletivo e outros pelo processo de aceleração de estudos. O sistema de controle da regularidade dos alunos em cada uma das etapas era feito, como já foi dito, com a apresentação de declaração de frequência da escola ou do local de estágio. Sem um ou outro documento, os jovens ficavam “impedidos” de receber a bolsa de ajuda financeira mensal no valor de R$ 60,00 (sessenta reais).
Ao final de todas as etapas, o SENAT registrou resultados positivos em todas as áreas e foram considerados como “ganhos de cidadania” para todos os jovens.
4. A CIDADANIA NA VISÃO DOS JOVENS
4.1 DEPOIMENTOS (*)
* Para todos os depoimentos a seguir, foram usados nomes fictícios para preservar a identidade dos jovens. As formas escrita como estão nos depoimentos a seguir receberam um tratamento gramatical do autor, de forma livre, mas respeitando os pensamentos primários dos alunos entrevistados.
ANTÔNIO S. DE O.S., infrator, originário do Programa de Liberdade Assistida. Fez curso de informática e conseguiu ingressar no mercado de trabalho:
“Eu não sabia nada sobre cidadania. Aliás, eu mesmo nunca tinha escutado essa palavra antes. Quando me falaram pela primeira vez, pensei que era algum programa do Governo ou coisa assim...Bem, hoje eu entendo o que é cidadania. Ela é muito importante prá nós se relacionar porque sem ela não somos ninguém. Por isso, tirei meus documentos, registrei meu filho e com uma garota que ficou comigo”.
ANDRÉ, 17 anos, homossexual:
“...foi difícil me assumir. Quando eu cheguei aqui tinha até vergonha de dizer que eu era gay. Mas aí vi que aqui me respeitavam e decidi tornar pública minha opção. Acho que isso foi uma questão de cidadania...Hoje eu sei o que é cidadania.”
APARECIDA, 16 anos, dois filhos e envolvida com drogas. Abandonou o ensino na 1ª série do Ensino Fundamental. No SCV procurou tratamento. Depois de seis meses, submeteu-se a provas do Ensino Supletivo, obtendo aprovação em todas elas:
“Eu procurei o programa porque me disseram que receberia uma bolsa. Isso pra mim é importante porque os pais dos meus filhos não me ajudam em nada...Eu não entendia direito de direitos e deveres, dessas coisas que falaram aqui. Nem sabia que essas coisas significavam a mesma coisa que cidadania. Eu soubesse antes, não tinha emprenhado duas vezes. Pra mim, cidadania era coisa que só passava na televisão (...) Mudei de vida. Hoje sei que se eu quiser, posso ter um futuro melhor para mim e para meus filhos. Fiz curso, estou trabalhando, me tratei contra as drogas, estou curada e quero voltar a estudar e não pretendo mais parar...”
ERIVELTON J.L. 18, negro. Abandonou a Escola quando se alistou no Exército. Depois de dispensado, por excesso de contingente, não voltou mais a estudar. Fez supletivo durante o Programa SCV e iniciou o ano de 2002 cursando o 1º Ano do Ensino Médio:
“Ser negro e ser pobre no Brasil é sofrer um duplo preconceito. Eu enfrento isso desde pequeno. Na Escola eu já era discriminado e quase não tinha amigos. Levava isso na esportiva, mas no fundo me incomodava. Aqui no SCV, comecei a ver mais de perto essa questão porque vocês trabalham isso nas palestras, de forma muito bonita e sem banalidade...Hoje, digo: ser negro é um orgulho para mim e sinto felicidades nisso. Também fiquei muito feliz com a abordagem que vocês fizeram sofre cidadania. Aliás, acho que o estudo da cidadania deveria fazer parte do curriculun escolar e nós podemos exercê-la. Acho que o Governo Federal foi muito feliz em criar um programa desses...Ensina muito!
CONCEIÇÃO, 19 anos, três filhos. Casou aos 15 anos e foi abandonada pelo marido aos 18. Usuária de drogas, entrou no SCV só para receber a ajuda financeira. No início, andou faltando algumas aulas. Depois de 30 dias, passou a frequentar todas as aulas e sentava nas primeiras filas “para ouvir melhor as palestras”, embora tivesse de freqüentar as aulas com uma de suas filhas. No SCV fez curso de auxiliar de cabeleireira e passou a trabalhar em casa, como autônoma:
“O que me trouxe ao SCV foi a bolsa que o Governo paga de R$ 60,00 (sessenta reais) todos os meses...É pouco, mas para quem não ganhava nada e vivia do próprio corpo, é melhor do que nada. No início, eu só vinha por causa do dinheiro, não queria saber de nada. Eu pensava que só bandidos tinham direito a isso...Depois fui vendo que não era bem assim e me arrisco a dizer que a cidadania é uma coisa que aparece onde o Estado fica ausente porque aí é que as pessoas se organizam e lutam pelos seus direitos...Foi muito bom aprender sobre cidadania, sobre sexualidade, sobre prostituição, sobre drogas...principalmente para nós mulheres que somos obrigadas a aceitar tudo o que o homem quer. Comigo isso acabou. Eu sei me defender, aprendi o que pode e o que não pode. Aliás, aprendi até que se eu casar de novo e for obrigado a fazer sexo com meu parceiro seu eu querer, ele estará cometendo uma violência comigo. Não sei se isso tem alguma coisa a ver com cidadania, mas sei que no SCV aprendi muita coisa boa”.
ADIMAR, 19 anos, filho de pais separados, portador de deficiência auditiva. Devido às dificuldades de locomoção, deixou de freqüentar algumas aulas. Entrou no SCV, voltou a estudar e concluiu o Ensino Fundamental:
“A palestra sobre direitos dos deficientes foi muito importante...Se eu conheço meus direitos, posso exercer plenamente minha cidadania. O que falta é ensinarem isso também nas Escolas Públicas. Acho que a cidadania é um conceito de cidadão e cidadão, podemos ser todos nós, eu, você, o colega do lado o outro e o outro e assim é que se forma uma corrente. Eu lia muito, embora não estudasse mas a forma que o SCV foi sendo desenvolvimento aprendi muito mais sobre o que é cidadania, sobre deveres, sobre direitos etc. e até mesmo sobre mim, minha deficiência...passei a me aceitar mais. No início, cheguei a pensar eu as pessoas não gostavam de mim porque eu era deficiente. Mas fiz muitos amigos aqui dentro e estou muito feliz...”
AURIANE, 17 anos, deficiente auditiva. Fazia leitura labial do palestrante para entender o que ele estava falando. Sentava na primeira poltrona do auditório. Durante o SCV, fez estágio e uma Escola Pública. Cursava a 6ª série do Ensino Fundamental quando ingressou no Programa. Durante seis meses, ensinou a Linguagem Brasileira de Sinais para outras pessoas e se comunicava com elas quando precisava de mais explicações:
“Estou estudando, mas como havia espaço no programa para deficiente, eu vim. Nos primeiros, não conseguia fazer leitura labial das palestras porque o professor falava muito rápido. No primeiro dia, minha mãe me trouxe, mas depois passei a vir sozinha...Queria mesmo aprender mais coisas. Esses temas abordados aqui sobre direitos, deveres, cidadania, sexualidade, drogas, casamento e muitos outros deveria ser ensinado nas Escolas com a mesma linguagem que vocês abordam no SCV...O que mais me prendeu foi o tema sobre cidadania. O que é a cidadania e como eu posso exercer essa cidadania, isso foi o que mais gostei...Adorei o projeto e espero poder participar de outros também”.
T.M, 19 anos. Cumpria medida sócio-educativa. Foi responsável por roubo, assalto e homicídio, além de envolvimento com drogas como maconha e cocaína. Começou na vida do crime com 12 anos, quando foi preso pela primeira vez. Abandonou a escola na 5ª série do Ensino Fundamental. Entrou no programa SCV por influência de um ex-aluno do Projeto nos anos de 1999/2000. Foi um pedido da Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania:
“...a gente nunca sabe, né? Ele (o colega que o indicou) disse que isso aqui é bom, que todos podem ficar à vontade...eu decidi arriscar e estou gostando. Só não sabia que era assim...que as decisões tomadas pela turma valeriam para todos os outros...mas gostei. Meu pai nunca me ensinou esses valores, nem na Escola aprendi isso, mas fiquei para ver até onde isso ia levar...Hoje posso dizer que aprendi muito, mudei, sou outra pessoa agora. O mundo do crime, nunca mais...Aprendi a dar bom dia, a ouvir, a respeitar, até porque um dia o palestrante disse que haviam telefonado para cá, por causa da camisa do programa, e falaram que eu tinha pixado uma parada de ônibus. Não fui eu, mas vi quem foi e antes que eu levasse a culpa, decidi pedir desculpas ao meu colega e dizer quem a tinha pixado. Até arranjei uma namorada aqui no SCV, larguei a vida de crimes, as drogas, eu mudei, cara, pode acreditar. Não sei se isso que aconteceu comigo pode ser definido como cidadania, mas estou me sentindo como se eu fosse uma outra pessoa; passei a me produzir melhor e acho que estou agradando. Se eu cumpro meus deveres posso, exigir meus direitos também...Acho que é isso...Eu queria ter esse mesmo ensinamento nas Escolas onde já estudei mas os professores só ensinam sobre português, matemática, geografia, história etc. Acho que a Escola de hoje está muito distante da realidade que queremos.
EVERTON, 19 anos, nunca se envolveu com qualquer tipo de problema, mas vivia com menos de um salário mínimo. Era uma pessoa retraída, de poucos amigos, no início. Ao deixar o SCV, havia criado em sua comunidade uma Biblioteca Comunitária, com o apoio da Igreja do bairro. Essa biblioteca mereceu o apoio do SEST/SENAT e da Secretaria de Estado do Trabalho e do Bem-Estar Social, promotora do SCV, através do Governo Federal:
“Voltei a estudar, criei a biblioteca e agora sei que também posso ser útil. Minha mãe tem orgulho de mim e eu tenho orgulho do fui capaz de fazer. A minha resposta ao SCV, é a capacidade que encontrei em ajudar outras pessoas a quem quer mais...Acho que isso também é cidadania, porque o saber é um direito de todos...Os livros não são todos novos, mas isso não importa. O importante é que me tornei um cidadão e estou fazendo minha parte. Isso é o que verdadeiramente importa”
ROSANGELA, 19 anos, homossexual. Foi expulsa de cada aos 13 anos. Envolveu-se com uma mulher mais velha. Seu relacionamento com a parceira demorou pouco tempo. Procurou um namorado mais voltou a viver com mulher novamente. Hoje, vive com uma professora. Voltou a estudar e concluiu a 8ª série do Ensino Fundamental. Fez curso de auxiliar de cabeleireira e hoje e autônoma, no salão que montou com a ajuda de sua parceira:
“Agradeço ao SCV pelo que sou agora. Sempre sofria humilhações pela minha opção sexual, mas eu gosto e me sinto bem com mulher, o que eu posso fazer, né? Tive minha primeira experiência com mulher aos 11 anos, depois tentei namorar com garotos, mas não me sentia bem. Quando estudava, me apaixonei por uma professora mas ela não me dava bola porque era casada. Mesmo assim, ainda ficamos uma vez e depois ela passou a me desprezar. Cai em depressão, queria morrer e parei de estudar...Agora vivo com minha companheira e não escondo mais minha opção sexual. Isso, afinal, não é um crime. Sou uma mulher jovem, bonita, desejada pelos homens, mas gosto mesmo é de mulher. Aqui encontrei muita gente com problemas igual ao meu, e a todos digo para enfrentar o os desafios...Estou estudando com o apoio de minha parceira. Acho que tenho muita coisa para ensinar para outras pessoas...”
Durante os seis meses de duração do SCV, os jovens se reuniam diariamente no auditório do SEST/SENAT e ouviam aulas, palestras ministradas por instrutores das Instituições ou por convidados. A tônica principal de todas as ações do SCV era voltada sempre para discutir a cidadania e de como inserir os jovens de volta à sociedade.
CONCLUSÃO
Os estudos, as pesquisas, os questionários aplicados no início, no meio e ao fim do projeto SCV aos alunos, conseguiu provar que sem uma verdadeira democracia e sem uma Escola eficiente que se volta aos temas atuais da violência, drogas, prostituição, sexualidade etc., não pode haver cidadania. Conclui que o ensino hoje é um perfeito “faz de conta”: faz de conta que eu ensino e fazes de conta que aprendes.
Segundo os registros educacionais do Governo Federal, na última década, a universalização do Ensino Fundamental de 7 aos 14 anos, alcançou 96% das crianças dessas faixas etárias. As universidades registraram um crescimento de 20% em suas matrículas e as escolas de Ensino Médio registraram um crescimento de 29% na última década pesquisada.
Os registros quantitativos registrados são importantes com números, porque demonstram o preenchimento de um vazio antes existente, mas não provam que o ensino está atendendo às reais necessidades dos alunos, principalmente no que diz respeito ao resgate da cidadania, aos temas transversais.
O despreparo e a desqualificação de muitos professores, problema reconhecido pelo próprio Ministério da Educação, é um dos fatores que nos permite afirmar que a massificação do 4ensino-cidadão é uma realidade ainda a ser alcançada.
Há um circulo fechado entre o que se diz que ensina e o que se finge que o aprende-se. Melhores professores ou professores comprometidos com a realidade social de suas comunidades e que saibam transmitir esses conhecimentos aos alunos, já seria um posso muito positivo nessa direção. O ensinamento dos temas transversais, colocados para substituir as antigas disciplinas de Organização Social e Política do Brasil e Moral e Cívica, embora na essência seja perfeito, na verdade não atingem o alunado porque não é bem trabalhado nas Escolas.
Dessa forma, os alunos nunca se tornarão melhores profissionais no mercado de trabalho, porque também foram abolidos os cursos técnicos profissionalizantes. Este circulo está se fechando no Ensino Superior, mas também se ressente da falta de qualidade e faz com que jovens universitários procurem estágios remunerados antes de completarem os primeiros meses semestres de aprendizagem.
O Governo Federal precisa possibilitar vagas no Ensino Superior, mas que sejam criadas com qualidade porque os egressos do Ensino Médio são geralmente oriundos de famílias cujo perfil sócio-econômico-cultural não lhes permitem pagar uma Faculdade particular.
O que se busca agora é uma escola-cidadã, como já imaginava o educador Paulo Freire, desenvolvendo uma formação de dentro do próprio aluno voltada à comunidade que o cerca. Uma formação que não objetive a formação posterior em bacharelado ou licenciatura. As escolas públicas podem e devem oferecer disciplinas voltadas a formação humanísticas. Dessa forma, poder-se-ia ter um ensino mais crítico, realista, voltado à realidade das comunidades no entorno das Escolas. Um ensino voltado à cidadania, envolvendo toda a comunidade em palestras e debates de temas que lhes interessem.
O conceito de igualdade e oportunidade é entendido pelas comunidades, muitas vezes, como “mais igual para uns e menos igual para os outros”, como definiu um dos entrevistados durante a execução do SCV.
A Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, m seu manual “Participando das Políticas e Ações”, com redação do professor Carlos Alberto Trindade, na série Política Municipal para Pessoas Portadoras de Deficiê3ncia, afirma:
“O reconhecimento de que existem diferenças entre as pessoas é o primeiro passo ser no caminho que levará a uma nação mais ampliada de cidadania (Pag. 3).
O mesmo documento acrescenta, que
“Ao longo dos tempos, numa perspectiva democrática, a sociedade criou e vem buscando o aperfeiçoamento de instrumentos e instâncias administrativas destinadas a permitir a regulação da distribuição dos bens e de serviços públicos de forma igualitária entre todos os cidadãos”(Op.Cit., pag. 5).
O indivíduo co-participante da história social deve apropriar-se dos conhecimentos formalmente elaborados e das relações sociais vivenciadas como subsídios para atuar como um agente transformador da sociedade ou espectador consciente de sua passividade. E todo esse processo deve acontecer dentro das Escolas publicas ou privadas, com a massificação e a aplicação de temas transversais em todas as séries dos Ensinos Médio e Fundamental.
Fica evidente, portanto, que o homem, cidadão da cidade, deve exercer o seu direito político em sua mais ampla dimensão, a fim de tornar-se um cidadão completo. O exercício pleno da cidadania dá-se, inicialmente, na dimensão educacional, com a criação de uma consciência crítica da realidade e da dimensão política, através da participação nos destinos das cidades. Como definiu o filósofo Aristóteles, em sua obra “Política”, “a autoridade civil ou política é aquela que rege homens livres e iguais”, ou seja, acima dos governos está o homem-cidadão-livre e igual em deveres e direitos.
Como bem anunciou o filósofo Aristóteles, ao se referir às mudanças políticas, o povo mais pobre, vítima de injustiças dos governos, sempre capaz de produzir mudanças no Estado no Estado quando possui consciência crítica e ação de cidadania da realidade.
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