O CAMINHO NÃO PERCORRIDO - a trajetória dos assistentes sociais masculinos em Manaus - contunuação

1.3. A RECONCEITUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL,

O aparecimento do Serviço Social, enquanto conjunto de atividades conhecidas dentro da divisão social do trabalho, percorre duas décadas. Durante a década de 20 tem início esse processo, que se acelera na década de 30, com a mobilização, pela Igreja, do movimento católico leigo. O Serviço Social então, surge como um departamento especializado de Ação Social, embasado em um uma doutrina social.

Em 1936, retornaram da Bélgica, para onde haviam ido quatro anos antes em companhia de M. Adele de Loneux, Maria Kiel e Albertina Ramos, formadas na Escola de Serviço Social de Bruxelas, fundaram a Escola de Serviço Social de São Paulo e, mais tarde, o Instituto Social, em 1937, no Rio de Janeiro. Dessas duas Escolas, saíram as Assistentes Sociais que iriam organizar a maioria das Escolas surgidas nos dez anos seguintes. A definição de Serviço Social, era de Loneux:

“Serviço Social é o conjunto de esforços feitos para adaptar o maior número possível de indivíduos à vida social ou para adaptar as condições de vida social às necessidades dos indivíduos (Vieira, 1980:142).

No primeiro período de sua história, o Serviço Social apresentava características assistencialistas, centradas nos problemas do ajustamento individual, apoiando-se em valores confessionais e em uma atuação empírica, numa perspectiva positivista, objetivando o ajustamento social do indivíduo ao processo de desenvolvimento econômico sem, contudo, questionar as origens das desigualdades sociais. Assim, os Assistentes Sociais não tinham uma percepção da realidade.

Os modelos de atuação “franco-belga”, de tendência assistencialista, “o americano” e o “clínico”, apoiados em teorias psicodinâmicas, praticadas pelo Serviço Social no Brasil, encontravam aplicação em numerosas obras sociais existentes. Mas às mudanças que se efetuavam no Brasil nos anos pós-guerra – o desenvolvimento econômico e político e o progresso das Ciências Sociais – criaram novas situações problemáticas em todos os setores da sociedade, gerando dificuldades para a atuação do Serviço Social que buscava a melhoria da qualidade de vida.

Inspiradas por ideologias diversas e críticos da perspectiva positivista, que era a base da profissão, Assistentes Sociais levantaram a bandeira da “reconceituação” da profissão no país, acompanhando uma tendência que já existia na Inglaterra, nos Estados Unidos e mais intensamente, na América Latina, que vivia um intenso movimento político apoiado pelos Estados Unidos, preocupados com a propagação do comunismo na região, depois do Golpe de Estado liderado por Fidel Castro na Ilha de Cuba, em janeiro de 1959.

A resposta dos Estados Unidos ao Golpe foi dado pela Organização dos Estados Americanos – OEA, que criou a Aliança para o Progresso com o objetivo de direcionar recursos econômicos para os países latinos e promover programas nacionais de desenvolvimento de comunidade, tudo para combater a ameaça do comunismo. Era, então, impossível negar a participação ideológica nos programas de Serviço Social.

No ano de 1966, em Buenos Aires, acontece o I Encontro Regional de Desenvolvimento de Comunidade na América Latina. Os países signatários da “Carta da Aliança para o Progresso”, em Punta Del Este se comprometeram à realizar uma série de grandes progressos sociais. Esses programas começaram a funcionar dois anos mais tarde ao Encontro, oferecendo ao Serviço Social Latino, pela primeira vez, a possibilidade de trabalhar a nível macro. Essa nova perspectiva profissional frustrou os Assistentes Sociais que não estavam preparados para trabalhar a nível macro. Os programas de Desenvolvimento de Comunidade aplicavam o conhecimento de Planejamento e de ações multidisciplinares. Mas os Assistentes Sociais só estavam preparados para trabalha com caso, grupo e pequenas comunidades.

O desenvolvimentismo norte-americano, portanto, produziu uma frustração no Assistente Social, gerando a base para a última corrente do Serviço Social, a “reconceituação”.

Em 1966, o CBCIS – Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio do Serviço Social, propôs um estudo sério e fundo da profissão para esclarecer os conceitos aceitos, os valores de base e os conhecimentos necessários para a prática eficiente.

Embora a atuação do Assistente Social tenha sofrido mudança ao longo dos anos que seguiram à criação da profissão, somente em 1967 é que as discussões se aprofundam para buscar uma nova identidade de atuação científica.

Os seminários promovidos pelo CBCIS, em Araxá. Em 1967, em Teresópolis, em 1970, em Sumaré, em 1978, foram responsáveis pelas maiores mudanças no Serviço Social, que passou “de uma atuação empírica para a procura de uma atuação científica” (CBSIS – Documentos, 1986:13).

A reconceituação do Serviço Social, no Brasil, resultado de profundos debates nos encontros, foi um movimento de mudanças fundamentais filosóficos e científico da profissão, em um esforço de busca de respostas adequadas à problemática social do contexto latino americano, a partir

.”...de novas posições epistemológicas e contribuições das Ciências Sociais contemporâneas (Macedo, 1986:13).

O serviço social reconceituado gerou uma prática profissional evidenciada com elemento fundamental para a construção da teoria orientada por um referencial teórico operativo, objetivando intervir de forma objetiva no saneamento ou eliminação das situações de “carência” da população. Com a reconceituação, segundo Iamamoto, o Serviço Social

“...afirma-se numa perspectiva que questiona a própria legitimidade da demanda e dos compromissos políticos subjacentes ao exercício da prática profissional”(1988:372).

A reconceituação, na visão de Macêdo (1968), pode ser entendida como resultado das inquietações e idéias predominantes em uma época – o método dialético e o materialismo histórico, onde a prática social é orientada, essencialmente, pelos princípios da realidade, da intencionalidade e da transformação. Nesse sentido, a ação profissional passa a ser dotada de dimensão política. Sendo assim, esse movimento deve ser entendido não como um processo de mudança de origem interna, mas a partir de referências externas, ou seja, do ponto de vista das Ciências Humanas e Sociais, segundo Macedo.

Como profissão, o Serviço Social considerou-se como parte integrante do aparato estatal em uma estreita vinculação com o crescimento das grandes instituições de serviços sociais e assistenciais criadas ou subsidiadas pelo Estado, onde a prática do Assistente Social realiza-se através das instituições sociais que somente reproduzem as condições vigentes na sociedade brasileira.

Dentro dessa visão de Estado positivista, a instituição é vista como um sistema pronto e acabado, que busca se manter em permanente estabilidade, utilizando-se tanto dos mecanismos coercitivos de controle, autoridade e poder para reproduzir, sem contestar, a ideologia o sistema que a cria e, neste sentido, a reforça permanentemente. Contra essa visão de instituição e de exercício da profissão é que a reconceituação se colocou, entendendo a instituição em uma perspectiva dialética de espaço contraditório e complexo.

Em Gramsci, instituição aparece como um aparelho de hegemonia. Essa definição é dada por Gramsci ao formular a concepção de Estado Ampliado, onde se estabelece uma unidade entre a estrutura sócio-econômica e a superestrutura política e ideológica. Madel Luz, baseada em M. Foucault, diz que as instituições estão ligadas à sociedade política quando exercem sua função repressiva e estão ligadas à sociedade civil, ao exercerem sua função persuasiva ou educativa. De acordo com Madel Luz, instituição

“...é o conjunto articulado de saberes (ideologias) e práticas (formas de intervenção normalizadora na vida dos diferentes grupos e classes sociais” (1979:30).

É dentro dessas discussões, que o serviço social reconceituado desenvolve sua prática profissional. Em um primeiro momento, lhe é negado o espaço institucional como prática profissional; em um segundo momento, entendendo a instituição como um espaço contraditório onde a prática profissional propicia uma maior discussão sobre as mudanças desejadas.

O professor José Paulo Nero, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em sua obra Ditadura e Serviço Social – Uma análise do Serviço Social pós 64”, afirma que o movimento de reconceituação não promoveu uma ruptura com o serviço social tradicional, mas apenas um “intervenção de ruptura (1994:302) que apenas enriqueceu o debate profissional. Ele diz:

“...vale assinalar que é com a vertente da intenção de ruptura que repercutem produtivamente no Serviço Social no Brasil as questões referentes à dinâmica contraditória e microscopia da sociedade (...) A reconceituação crítico-analítico viabilizada pelo desenvolvimento teórico da perspectiva da intervenção de ruptura propicia novos aportes no nível prático-operativo da profissão...” (Idem: 302, 303).

Neto, em seu livro, analisa a extensa bibliografia produzido pelas ciências sociais nas décadas de 60 - período inicial do movimento de reconceituação -, a 80, período em que o Estado se organizou de acordo com os interesses do capital monopolista. Nesse período, o Estado era o principal empregador dos assistentes sociais que negavam a instituição como espaço profissional. Para o professor José Paulo Neto, o desenvolvimento do Serviço Social como instituição no Brasil, mantém uma conexão clara com o desenvolvimento das relações capitalistas na formação social:

“...o processo de renovação do Serviço Social no Brasil, operado sob a autocracia burguesa, configurou a emergência de um quadro profissional sintonizado com as realidades sociopolíticas e ideoculturais da sociedade brasileira que ultrapassou as contrições do ciclo autocrático da burguesia”(Ibidem: 307).

O movimento de reconceituação se processou dentro de um conjunto de transformações econômico-sociais e políticas do ciclo autocrático burguês, com reflexos na vida cultural brasileira. O Serviço Social reconceituado no contexto daquelas transformações, como já disse José Paulo Neto, enriqueceu o debate profissional. Marilda Iamamoto, por sua vez, afirma que essa vertente modernizadora pós064 apenas atualizou a herança conservadora da profissão, adequando-a,

‘...às novas estratégias de controle e repressão da classe trabalhadora, efetivadas pelo Estado e pelo grande capital, para atender às exigências da política de desenvolvimento com segurança”(Iamamoto, 1982:213)

José Paulo Neto afirma que houve três momentos distintos da reconceituação no Brasil. A perspectiva modernizadora, primeira expressão do processo de renovação do Serviço Social, resultante do Seminário de Teorização do Serviço Social, promovido em Araxá, Minas Gerais, pelo CBCISS, em 1967. Essa perspectiva, porém, teve início em 1965, em Porto Alegre, quando é realizado o I Seminário Latino Americano de Serviço Social, com a participação de 415 profissionais do Brasil, Argentina e Uruguai. Essa perspectiva modernizadora é confirmada em 1970, no Encontro de Teresópolis. Sobre os textos finais desses encontros, afirma Neto:

“Os textos finais desses dois encontros -O Documento de Araxá e o Documento de Teresópolis – possuem (...) características e ênfase diferenciadas, mas podem perfeitamente ser t0kados como a consolidação modelar da tentativa de adequar as (auto) representações profissionais do Serviço Social às tendências sócio-políticas que a ditadura tornou dominantes e que não se punham como objeto de questionamento substantivo pelos protagonistas que concorreram na sua elaboração”(1994:164,165).

A segunda perspectiva apontada por Neto é a de reatualização do conservadorismo, resultante dos Seminários de Sumaré e do Alto da Boa Vista. Neto afirma:

“Nesta perspectiva, o processo de renovação do Serviço Social no Brasil se manifesta no interior da complexa dialética de ruptura e continuidade com o passado profissional, a ponderabilidade maior da herança profissional, sem prejuízo dos elementos renovadores que apresenta”(Idem:202)

A terceira e última perspectiva de reconceituação no Brasil, é a intenção de ruptura. Para José Paulo Neto, comenta:

“...deveria construir-se sobre bases quase que inteiramente novas: esta era uma coerência do seu projeto de romper substantivamente com o tradicionalismo e suas implicações teórico-metodológicas e político-profissionais”(2994:250).

Neto afirma, ainda, que esta intenção de ruptura se evidenciou explicitou-se como produto universitário sob o ciclo autocrático burguês. Nesse espaço, houve uma quebra no isolamento intelectual do assistente social e foi possível viabilizar experiência de prática auto-geridas. Neto diz:

“Mais que uma forma de sobrevivência, porém, o investimento na vida acadêmica significou objetivamente uma escolha de assistentes sociais empenhados numa renovação profissional que rompesse substantivamente com o tradicionalismo e seus corolários”(Idem:252).

A tentativa de reconceituação do Serviço Social que, na opinião de José Paulo Neto, não foi total, possibilitou ao menos a construção de tendências que mobilizaram às classes e os grupos sociais brasileiros no enfrentamento dos problemas econômicos, da cultura e da história, abrindo um novo caminho para o futuro.

O Serviço Social funcionalista atuava com um homem genérico, sob a ótica do humanismo, e não as condições sociais concretas da classe trabalhadora. Com essa perspectiva, o Serviço Social servia a um homem situado fora do contexto histórico, omitindo o fato de este homem não ser interdependente em suas relações, mas ligado a um processo produtivo.

Com reconceituação, a profissão perdeu esse homem genérico, ou seja, passou a não dispor de um quadro de referência delimitado e de uma prática teorizada, o que gerou um certo impasse, fazendo com que a profissão não deixasse o terreno da prática pela prática limitando meso seu desenvolvimento, ou sua inserção no quadro das ciências.

A nova prática generalizou a forma de intervenção, havendo uma transposição mecânica da intervenção baseada em características particulares de uma dada formação social para outra, sem observação de suas especificidades.

Como Alayon (1992), também entendemos que talvez o equívoco maior da reconceituação tenha sido a negação radical do assistencialismo, sem recuperar a perspectiva do assistencial, elemento imprescindível ao Serviço Social. A simples recusa do assistencialismo levou os Assistentes Sociais à abstração,

afastando-se dos problemas e necessidades concretas da população.

Dentro desse cenário de equívocos o Serviço Social no Amazonas começa a sua trajetória nos anos 40, quando a Amazônia também vivia um grande processo de contradição econômica: ser desenvolvida pelo trabalho árduo dos nrdestinos que figiam da seda e da miséria do nordeste. No Amazonas, o Serviço Social, como veremos mais adiante, nasce com a perspectiva de atender um homem genérico, em uma visão funcionalista.

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(1) sociais com ganhos econômicos cada vez maiores.

CAPÍTULO II

2. AMAZÔNIA: A CONJUNTURA ECONÔMICA DOS ANOS 40

Como vimos no primeiro capítulo, os problemas sociais do Brasil, nos anos 30, fizeram surgir uma profissão, a de Assistente Social. Depois de criada a primeira Escola de Serviço Social (1936), outras foram sendo formadas e a profissão vai gradualmente tomando corpo. No Amazonas, os anos 40 marcam o início do Serviço Social como prioridade do Governo Getúlio Vargas. Contudo, para entendermos melhor o surgimento do Serviço Social no Estado, faz-se necessário conhecer melhor a conjuntura econômica da Região, nos anos 40.

A Amazônia passou a integrar a grande divisão internacional do trabalho no final do século XX, na condição de fornecedora de matéria prima, inicialmente através da expansão do mercantilismo português e, mais tarde, com o extrativismo. A sociedade extrativista que se formou, apoiada pela Inglaterra, tinha por natureza produzir excedentes econômicos pela exportação de produtos primários, principalmente, o látex, suco leitoso, retirado da seringueira que, depois de defumado, resulta em sernambi, produto utilizado em isolamento para vários produtos e, também, para a fabricação de pneus para automóveis.

Um trabalhador inglês, durante a Revolução Industrial, era obrigado a trabalhar em torno de 10, 12 e até 15 horas por dia. As condições de trabalho eram tão debilitantes que a mão-de-obra necessitava ser mantida sobre constante vigilância e terror, sobre isso, nos explica Márcio Souza, em ensaio publicado em 1987, na revista Civilização Brasileira n. 5, comentando o processo o processo colonialista na Amazônia:

“Sabemos que a mão-de-obra, em sua maioria, foi trazida do nordeste, e já chegava endividada no primeiro trabalho. Isolado na selva, numa paisagem totalmente hostil, o trabalhador tinha que produzir. O patrão nem precisava se preocupar com os expedientes dos seus congêneres ingleses que, para ampliar a jornada de trabalho, praticava o roubo de míseros minutos de seu operário. A mais-valia era retirada de uma maneira mais extorsiva porque o trabalhador extrativista encontrava-se à mercê do patrão, com um contrato de trabalho quase sempre por tempo indeterminado, além de enredado por endividamento crescente no comércio da empresa.” (In Revista Civilização Brasileira n. 5).

O extrativismo na Amazônia foi feito sem qualquer disciplina. O comércio era diretamente com Lisboa. Atraídos pela exploração, os trabalhadores começaram a ocupar lentamente a Região. Essa população que crescia era resultado da miscigenação e da introdução de casais da Ilha dos Açores, em Portugal, trazidos no século XVIII, soldados e de degredados portugueses.

A produção do látex tomou um grande impulso a partir de 1907 quando começou a extração da borracha natural silvestre, impulsionado por uma demanda sempre crescente, baseada em avanços tecnológicos que exigiam quantidades cada vez maiores do produto.

O historiador Antônio Loureiro, em sua obra “A Grande Crise” (1986), divide o “Ciclo da Borracha”, em três grandes fases, todas sucessivas e de acordo com a descobertas tecnológicas:

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a) Fase das Utilidades – do início do século XVIII até a descoberta do telefone, em 1876 e da transmissão da eletricidade, de 1873 a 1882;

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b) Fase dos Condutores – quando a borracha passou a ser utilizada no capeamento e no isolamento de fios de corrente elétrica;

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c) Fase dos Pneumáticos – a partir de 1885, quando passou a ser utilizada em pneus de bicicletas e automóveis pelos irmãos Michelin.

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A fim de melhor cumprirmos os objetivos deste Capítulo II, que é o de traçar um perfil da crise social dos anos 40, enfocando a questão econômica, faremos um recorte histórico em nosso trabalho, aprofundando-o a partir do Ciclo da Borracha. Nesse Ciclo, situa-se o verdadeiro tempo áureo da borracha amazônica, quando a cidade de Manaus ganhou luz elétrica, bondes elétricos, água encanada, esgoto, porto organizado, comércio florescente, centro de diversões, prédios públicos suntuosos, colocando-a na dianteira das cidades mais desenvolvidas do país, sendo também chamada de a Paris dos Trópicos.

Sobre a ocupação da Amazônia, pelos nordestinos, nos comenta o historiador Artur César Ferreira Reis:

“A presença nordestina, a princípio realizada através de colônias montadas pelo Governo, mas em breve fracassando como experiência e propósito de colonização ordenada, intensificando-se, marcou o novo momento de maneira ponderável. O que é hoje o Estado do Acre, resultou da expansão sobre áreas que bolivianos e peruanos consideravam de sua soberania...”(1983:45).

A Amazônia, uma região longínqua, marginalizada no contexto nacional, com pouco menos de 1.000,00 de habitantes, explorada colonialmente, era responsável pela produção de mais de 38% das divisas do Brasil, o início do século XX. A Região, contudo, nada recebia de volta do Governo Republicano. Segundo o historiador Antonio Loureiro, em livro já citado, nos esclarece:

“...a União, apenas aqui interveio, obrigatoriamente, como interessado no cumprimento do Tratado de Petrópolis, na construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, assim mesmo com capital estrangeiro”(1986:13).

Durante todo o processo de exploração da borracha, a Amazônia sustentou o Brasil, gerando libras esterlinas – moeda dominante da época – para a manutenção do equilíbrio de seu comércio internacional, pagamento da dívida externa, embelezamento do Rio de Janeiro, construção da estrada de ferro do Centro-Sul, além de outros investimentos. Sobre isso, mais uma vez nos fala Loureiro em sua obra:

“...O Brasil dependia da Amazônia para a obtenção das libras esterlinas (...) que lhe permitiu investir no embelezamento do Rio de Janeiro, na construção da estrada de ferro do Centro-Sul, na implantação de novas instalações portuárias, na execução de grandes campanhas de saúde pública e, pasmem, na manutenção do preço do café, com a consequente salvação desta lavoura, enquanto o próprio produto que a tudo garantia, sofria pela ausência de uma política de amparo, minguava lentamente e levava consigo toda a onda de progresso que injetara na nossa vida econômica”(1986:13).

Como deixa claro Loureiro, na Amazônia nada era investido da grande riqueza que a produção de borracha gerava e a região que sustentava a economia do país era abandonada e de baixa densidade demográfica, com sofrível representação política e ainda era desprovida de qualquer planejamento regional e, por de tudo, ainda era espoliada colonialmente pelos ingleses.

Com a economia estagnada, a Amazônia viveu décadas de abandono. Em 1958, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –IBGE, divulgo relatório informando que a Amazônia se apresentava como uma das Regiões do Brasil de mais baixa produtividade em termos de renda territorial e de rendimento per capta. A grande extensão territorial, a situação de pobreza da população e a inexpressiva produtividade global e por indivíduo do látex faziam com que o balanço de pagamentos da Amazônia se apresentasse permanentemente deficitário, cabendo ao Governo Federal, através de dotação orçamentária e custeio de serviços, a complementação de sua economia.

Do final da crise da borracha a implantação do modelo Zona Franca de Manaus – assunto sobre o qual nos deteremos mais profundamente no Capítulo III -, a economia do Amazonas viveu debilmente sustentada pelo extrativismo. Foi um período de estagnação, marasmo, falta de horizonte e de desesperança no futuro. Esse processo perdurou até que a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial – ONUDI -, desenvolveu estudos do ponto de vista técnico, organizativo, especial e legislativo para a criação e implantação de Zonas Francas. A Zona Franca de Manaus, implantada em 1967, a partir de projeto aprovado de autoria do deputado amazonense Francisco Pereira da Silva, em 1957, apresentou-se como a salvação para a economia e para o desenvolvimento regional.

2.1. A CRISE DA BORRACHA

Abandonada pelo Governo Republicano e explorada pelo capitalismo expansionista-colonialista inglês, a Amazônia despertava interesse maior do que simplesmente aquilo que podia oferecer, o seu látex. Os ingleses não queriam só explorá-la mais, dominá-la, dominando também a produção que gerava a riqueza. Com esse, sob a condição de botânico profissional e com a missão de estudar a flora da região, Henry Vickhan esteve na Amazônia no início do século. Ele, porém, recolheu sementes de seringueiras e as enviou ao Kew Gardens, de Londres.

As sementes foram cultivadas com sucesso nas colônias britânicas do Ceilão e da Malásia e, já em 1912, eram responsáveis por 9% da produção mundial de borracha. Um ano mais tarde, a produção do Oriente alcançou toda a produção do Vale Amazônico e, nos anos seguintes, as plantações orientais gradativamente ultrapassaram as do Amazonas, tanto no nível de produção como em seu preço.

O Estado do Amazonas, próspero e com um futuro promissor na primeira década do século, rapidamente tornou-se isolado, atrasado e sem esperança no futuro. As condições sanitárias, piores no interior pela falta de medicamentos, pareciam um problema sem solução. Abandonados e isolados, os seringueiros migraram para Manaus, capital do Estado, que viveu uma profunda crise social. Os comerciantes, sem dinheiro circulante, fecharam suas portas e muitos deixaram a cidade, falidos ou desanimados.

A população rural abandonou a extração da borracha e passou a morar na cidade. Os navios da Europa, que regularmente faziam viagens para Manaus; agora eram raros. O Governo do Estado não tinha recursos financeiros; as utilidades foram abandonadas e as escolas fecharam por falta de professores.

Depois de 1912, toda a estrutura econômica da Amazônia desmoronou e fez desaparecer o otimismo e a ostentação dos anos de prosperidade. Com o agravamento da crise, a maioria das casas comerciais de Manaus arruinou-se com o colapso financeiro e uma série sucessiva de desastres econômicos conseqüentes atingiu os comerciantes rurais e os seringueiros.

Charles Wagley, antropólogo americano que viveu por longo tempo no Brasil e, particularmente, na Amazônia, onde trabalhou, assim descreve essa fase histórica:

“Todo o sistema comercial, superdesenvolvido e totalmente de concessão de crédito, era extremamente vulnerável. Os postos de comércio foram abandonados ou prosseguiram suas atividades, mas com estoque reduzido. Os seringueiros tiveram permissão para abandonar as plantações de borracha. Muitos deles voltaram para o Ceará, outros se estabeleceram nas terras dos comerciantes como pequenos lavradores e uns poucos supriram à sua existência continuando a extrair borracha e outros produtos...”(in “Uma Comunidade Amazônica: estudo do homem dos trópicos, 1988).

A crise econômica da Amazônia era ignorada pelo Governo Federal, tanto que Getúlio Vargas, em 1939, defendia uma política mundial de neutralidade diante das grandes potências, aproveitando-se das vantagens econômicas por elas oferecidas. Contudo, segundo os registros históricos, ele vê-se diante de um dilema: entrar ou não entrar na II Guerra Mundial. Informa o abrasileiros foram torpedeados por submarinos alemães, provocando a morte de 652 pessoas, o Brasil declarou-se um estado beligerante e entrou em guerra contra a Alemanha e a Itália.

A Amazônia, mais uma vez foi chamada à dar sua contribuição em favor da guerra. Mais do que isso: a Guerra teve uma grande importância econômica para a Região. As plantações de borracha do Oriente, responsáveis pela ruína econômica da Amazônia, caíram nas mãos dos japoneses, obrigando aos aliados voltarem-se desesperadamente para a Região Amazônica, em busca de borracha natural.

Com a total aceitação do Governo Vargas, o Governo dos Estados Unidos, então, criou a Companhia de Desenvolvimento da Borracha e, em conjunto com o Governo do Brasil, investiu recursos financeiros para melhorar os meios de transporte e comunicação e facilitar a importação do material necessário à extração da borracha, concedendo crédito aos produtores e investimento na melhoria das condições de extração.

Esse novo esforço de desenvolvimento da Região atraiu mai nordestinos que fugiam da Grande Seca e engrossaram a mão-de-obra na extração da borracha, que era transportada por via aérea, de Manaus para os Estados Unidos. Segundo o professor da Fundação Universidade do Amazonas e amazonólogo Samuel Benchimol (1977), a arrancada sertaneja para a Amazônia foi resultante do deslocamento da fronteira econômica pela supremacia da borracha.

Contudo, nem mesmo a Guerra foi capaz de salvar a economia extrativista do Amazonas. O programa de desenvolvimento da borracha fracassou. Houve dificuldades para o desenvolvimento da indústria de borracha nativa e, além disso, as arvores ficavam muito distante uma das outras, dentro da floresta, o que tornava a extração do látex um trabalho árduo e às vezes, improdutivo. Como se isso não bastasse, os técnicos americanos desconheciam a realidade da Região e tinham dificuldades para abrir estradas. Também lhes faltava a prática dos caboclos da Amazônia (1).

Mais uma vez abandonada, a Amazônia esperava a ajuda do Governo Federal. Em 1940, Getúlio Vargas prometera que necessidades da Região, constituiriam assunto de interesse nacional. Ele cumpriu sua promessa e determinou importantes medidas. Dois anos depois, ainda como parte do esforço de guerra e em virtude de um acordo internacional com os Estados Unidos, criou o SESP – Serviço de Saúde Pública. Em 1949, o SESP já tinha estabelecido postos de saúde em trinta pontos da Região, em um gigantesco programa de saúde pública.

Contudo, abandonada pelo capital inglês e sem a ajuda do capital nacional, Manaus era uma cidade com muitos e sérios problemas. Segundo o historiador Antonio Loureiro, em obra já citada, não há registros históricos referentes à prevalência das doenças no Amazonas e, por isso mesmo, pouco ou quase nada conhecemos da real situação sanitária da cidade de Manaus, no período áureo da borracha.

Contudo, um relatório do Dr. Figueiredo Rodrigues, Inspetor de

Saúde no Porto de Manaus,, datado de 1915, nos informa que houve 299 óbitos de paludismo ( Impaludismo ou malária, causada por um hematozoário pertencente ao gênero Plasmodium), havia um hospital, 33 médicos, 15 farmácias, além de outras mortes. De acordo ainda com o mesmo relatório, 1.204 morreram em Manaus contra 2.196 mortes em 1910, em todo o Estado. O relatório é esclarecedor:

“...esta diminuição na mortalidade pela malária é proporcional ao decrescimento da população que baixou um terço com a crise econômica que tem oprimido o Amazonas...”

Com o fim do Ciclo da Borracha , Manaus herdou todo o acervo material e humano representado pelos milhares de novos ocupantes dos seringais, para lá encaminhados com ajuda oficial conjunta dos Governos do Estado do Amazonas e Federal. Era dever da União assegurar-lhes tratamento conveniente, a fim de evitar a repetição da crise que abalou a economia regional entre 1929 e 1932, período em que a produção de borracha foi reduzida a 6 mil toneladas, em virtude do quase total abandono dos seringais.

O pesquisador Cosme Ferreira Filho, relatando sobre a dimensão do problema social existente em Manaus na década de 40, assim diz:

“O organismo estatal que deveria executar essa política fassistencial, o Banco de Crédito da Amazônia S.A. (primeiramente Banco de Crédito da Borracha), continuando a operar como comprador exclusivo e revendedor único da borracha produzida, não se revelou instrumento hábil” (in Amazônia em novas dimensões, 1961)

Com uma população que havia crescido de 365.166 para 438.000 (20,6%) em uma década, sem geração de novos recursos para o seu sustento, os problemas sociais exigiam investimentos de recursos financeiros que o Governo do Estado não dispunha. Esse quadro era mais grave, ainda, porque o êxodo rural, no mesmo período de 1929 a 1930 tinha sido de 40,55% com destino à capital. O interior do Estado, portanto, estava abandonado e a cidade de Manaus, crescia face às massas humanas que fugiam dos municípios, além da vinda de contingentes de fora do Estado. Como se tudo isso não bastasse, Manaus ainda possuía 3.941 estrangeiros e 219 naturalizados, em 1940, quando sua população total era de 106.399 habitantes.

Manaus, cidade outrora rica, próspera, imponente, estava pobre, abandonada e com muitos problemas sociais à resolver. Toda a riqueza do passado se traduzia em prédios, pontes de ferro, Teatro Amazonas, casas coloniais – e muita miséria humana. Explorada colonialmente, abandonada pelo Governo Federal e responsável pela produção de 38% da riqueza nacional, estava necessitando urgentemente de uma política social para resolver suas dificuldades. O Governo Federal, preocupado com os problemas relatados pela contradição capital X trabalho, a partir dos anos 30, começou a pensar em soluções e colocou na Constituição de 1937, instrumentos que propiciaram ao surgimento de uma política social oficial.

No Amazonas, o Governo do Estado começa a se preocupar com a crise social e propôs a criação de um Programa de Assistência Social para o Estado. Desse programa surge a Escola de Serviço Social de Manaus, em 1940.

carlos da costa
Enviado por carlos da costa em 09/10/2010
Reeditado em 11/10/2010
Código do texto: T2547547