Sobre a Literatura
Como qualquer outra, a atividade literária medra no meio de igrejinhas, de bandos de indivíduos que se associam e formam imensos recifes no mar da cultura e do labor humano. Pessoas que se especializam em lidar com idéias e conceitos, que dão um formato consistente ao mundo com palavras. Seu material é a ilusão pura, o produto que vendem é o alimento espiritual, concorrendo no vasto campo da ideologia, da religiosidade, do sentimento, da arte de fazer, e dando vazão a uma imensa gama de sentimentos das pessoas.
Um indivíduo isolado tem pouca chance nesse mundo, como em qualquer outro, ainda que a atividade literária exija isolamento e quietude.
Os grandes e verdadeiros artistas prezam o isolamento e se escondem por detrás das palavras, mas o público os admira, os quer ver, os quer escutar, ávidos por aprender um pouco da sua pretensa sabedoria. “Ah, como Victor Hugo é amado em França. Podemos ser umas bestas, mas ele é grande!”.
Ter a capacidade de ver, e fazer todos verem, o que não existe, o que não está explicito e organizado, é a grande arte. Mostrar que é possível dar a volta ao mundo em oitenta dias, ou realizar epifanias no papel, ou reviver heróis do povo, explicar com detalhes como crimes acontecem, ou fazer o amor florescer; ou o ódio, ou o que quer que seja na esfera dos sentimentos; ou pura e simplesmente descrever, narrar, criar mundos imaginários com palavras.
Palavras são como sinais de trânsito e delimitam um campo onde se pode estar com a imaginação.
Quando o campo extrapola o poder das palavras, elas falham, e, aqui, precisamente, reside um dos maiores interesses da literatura, dizer sem palavras, dizer com silêncios, dizer mesmo o indizível. O campo de silêncios é bem mais amplo do que o campo de ruídos das palavras humanas. E é a ele que toda a grande literatura aspira.