LEMBRANÇAS  DISPERSAS

...Pétalas e folhas murchas estavam pelo chão algumas já pisadas por gente anónima e a florista olhava e nada via...

Os gritos das crianças e o riso das mães...

As memórias chegavam-lhe em tropel, como cavalos indomáveis na pradaria!

A gare está apinhada e o comboio a chegar. Malas e baús empilhados e prontos para serem carregados. Pouca-terra... poucaa-teerraaaa... Despedidas: abraços, beijos, pancadinhas nas costas... Votos de...

A mãe a cortar pão às fatias e o pai a barrá-las com mel...

Ahh!... O cheiro da rezina do pinheiro que escorre do lenho no seu tronco para o cadinho amarrado logo abaixo da ferida...


_Olhe, tem frangipanas? É para o ramo da menina...

A florista pestaneja e sacode a cabeça.

_Sim, tenho aqui. Ainda está fresca. Chega-lhe este ramo?


O ramo que fez com camélias e frangipanas para o casamento da Ana estava lindo, não estava? Estava sim, ela sabia que sim...

E a coroa para acompanhar o Sr Prior à última morada? Também levou frangipana.

Interessante... A frangipana parece que é tropical...

Para onde ia o tal comboio? Sim, já se lembra... Ia para o litoral onde o navio esperava esses passageiros.

Quando saía da escola veio um cão que tentou mordê-la mas o irmão enfrentou-o e ele fugiu. Chorou a tarde toda e a mãe deu-lhe leite quente: 'Bebe, filha. Acalma'

A mãe fazia ramos maravilhosos e foi com ela que aprendeu a arte.

O Timóteo. O seu Timóteo... Malandreco como só ele... Trabalhador e esforçado! Mas a espanhola era mais nova e ele seguiu o seu destino... Ainda tem saudades dele... Aquele ar de cigano gingão...

Pega na vasoura e varre as pétalas e as folhas. Está farta de ali estar. Está de pé desde madrugada e a tarde já vai alta...

Se fosse rapaz tinha estudado... Andou dois anos na escola; o suficiente para assinar o nome e escrever as encomendas.

Uma encomenda era de hortenses e escreveu sem o 'h'... Ainda cora depois da troça do irmão que nunca esqueceu.

Junta as flores e os verdes num grande balde com alguma água e guarda-o nas traseiras. 'Amanhã acrescento-lhes as novas'.
Tira o avental sujo e molhado e guarda-o no saco para levar para casa.

Se pudesse ter estudado queria ter sido médica. Ali no Posto, de bata branca, lavada e bem penteada... E os doentes a chamarem-na de Sra Dra e nada de 'Oh Alzira!...'

A neta é morena. Faz lembrar o seu Timóteo. 'Seu Timóteo'... O Timóteo da Dolores, já há 35 anos!... Safado!...

O Timóteo a ensinar o filho a andar de bicicleta... Um joelho esfolado e muitas lágrimas...
Tinha uma, o seu Timóteo. Ia à Vila nela e foi lá que conheceu a Dolores que veio de Granada com a avó para passar uns dias em casa de uma parente afastada.

Penteou os cabelos desalinhados, prendeu-os com os ganchos, vestiu o casaco e foi para a paragem do autocarro.

Beijinhos,
Teresa Lacerda
Enviado por Teresa Lacerda em 12/09/2010
Código do texto: T2494165
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