A VANTAGEM DAS ÁRVORES
 
“Sem matas a umidade necessária para a vida das outras plantas, e dos animais vai faltando... o torrão se fêz árido e nu. Tojo, estêvas, urzes e carquejas apenas vestem mesquinhamente alguns cumes e assomadas, algumas gândaras e chãs.
Diminuídos os orvalhos e chuveiros, diminuem os cabedais, certos e perenes, dos rios e das fontes: e só borrascas e trovoadas arrastam as ladeiras, areiam os vales e costas, e inundam e subterram as searas. O suão abrasador apoderou-se das Províncias; e nôvo clima, e nova ordem de estações estragam campos, outrora férteis e temperados.

A eletricidade que então circulava pacìficamente da terra para o ar, e do ar para a terra, faz agora saltos e explosões terríveis, invertendo a série e força dos meteoros aquosos, favorecem a vegetação, e com ela tornam sadias as Províncias.

E donde vêm tantas sezões e febres malignas nos campos abertos e calorosos de Portugal, senão da falta de bosques em paragens próprias, e das águas correntes, que alimentavam? Sem matas, quem absorverá os miasmas dos charcos? Quem espalhará pelo estio a frescura do inverno? Quem chupará dos mares, dos rios, e lagoas os vapores, que em parte dissolvidos e sustentados na atmosfera caem em chuva, e em parte decompostos em gases, vão purificar o ar, e alimentar a respiração dos animais? Quem absorverá o gás ácido carbônico, que êstes expiram, e soltará outra vez o oxigênio, que aviventa o sangue, e que sustenta a vida?

Sem matas desaparecem a caça, que fartava o rico e o pobre. Sem matas faltam os estrumes naturais, que subministram  diàriamente suas fôlhas e resíduos. Sem elas míngua a fertilidade do torrão; e a lavoura e a povoação definharão necessàriamente. Elas sustentam a terra vegetal das ladeiras e assomadas, que pela regular filtração das águas adubam os vales e planícies. Em balsedos nas margens dos rios, que extravasam, põem os arvoredos peito às cheias devastadoras, cortando-lhes a fôrça; e coando as águas das areias, fazem depor os nateiros, que fertilizam as lezírias e ínsuas.


Se os canais de rega e navegação aviventam o comércio e a lavoura, não pode havê-los sem rios, não pode haver rios sem fontes, não há fontes sem chuvas e orvalhos, não há chuvas e orvalhos sem umidade, e não há umidade sem matas;  pois uma árvore de dez anos destila cada dia mais de 30 libras de água, que espalha em redor de sí; e um chão desabrigado de 3 ½ pés quadrados perde diàriamente 30 onças de água.


Demais, sem bastante umidade não há prados; sem prados pouco ou nenhuns gados; e sem gados nenhuma agricultura. Assim tudo é ligado na imensa cadeia do Universo; e os bárbaros que cortam e quebram seus fuzis, pecam contra Deus e a Natureza e são os próprios autores dos seus males.”

 
O *texto acima, que parece ter sido escrito ontem, foi publicado originalmente em Lisboa, no ano de 1815, dentro do título “Memória sobre a necessidade e utilidade do plantio de novos bosques em Portugal”, de autoria de José Bonifácio de Andrada e Silva (Santos, 13 de junho de 1763 — Niterói, 6 de abril de 1838) que foi naturalista, estadista e poeta brasileiro, muito conhecido pelo epíteto de "Patriarca da Independência".
 
 

*a versão aqui apresentada é de **Octavio Tarquínio de Sousa (Rio de Janeiro, 7 de setembro de 1889 — Rio de Janeiro, 22 de dezembro de 1959) que foi um escritor, jornalista e advogado brasileiro, constante em "O Pensamento Vivo de José Bonifácio" (São Paulo: Martins, 1945, 119 p., p. 75-76)




** Octavio Tarquínio de Sousa era filho do advogado, professor de Direito e publicista Tarquínio de Sousa e Joana Oliveira de Sousa, ambos pernambucanos. Foi casado, a primeira vez, com a escultora Maria de Lourdes Alves e, a segunda vez, com a escritora Lúcia Miguel Pereira.

 


PS: Através de um amigo fiquei sabedor de que esse texto de José Bonifácio já o tinha sido exposto aqui mesmo no Recanto, sob outra referência mais recente em relação à que está sendo apresentado agora.
Refiro-me à publicação do eminente Poeta Jacó Filho, de riquíssimas páginas de sonetos (que valem a pena serem visitadas) e publicado em:

www.recantodasletras.com.br/cronicas/721340