ENSAIO SOBRE A FELICIDADE (PARTE I)
"A mais profunda raiz do fracasso em nossas vidas é pensar, Como sou inútil e fraco. É essencial pensar poderosa e firmemente, Eu consigo, sem ostentação ou preocupação." (Dalai Lama).
" Você aprenderá lições. Você está matriculado numa escola informal de período integral chamada vida. A cada dia nesta escola, terá a oportunidade de aprender lições. Você poderá gostar dessas lições ou considerá-las irrelevantes ou estúpidas." (Autor Desconhecido).
01. O QUE FAZ VOCÊ FELIZ?
A pergunta inicial deste ensaio pode parecer extremamente simplória e cuja significância demonstre certo grau de ingenuidade da parte de quem escreve e mesmo daqueles que se proponham a lê-lo, na medida em que sua resposta não encontra eco na realidade que nos cerca. Ou seja, a procura pela felicidade nos dias atuais demonstra de forma inequívoca uma vontade assediada por sensações extremamente materiais, palpáveis cuja referência somente pode ser vista se também puder ser tocada. Uma interpretação sobre a felicidade nos dias atuais exige, necessariamente, uma avaliação de ordem maniqueísta fazendo com que o indivíduo precise “ter” algo para que possa ser feliz.
Este é o cerne das nossas considerações no texto que apresentamos neste momento: o que significa, de fato, a busca da felicidade para o ser humano, pressupondo de forma antecedente a origem e significado do sentimento denominado de “felicidade”, o sentimento que torna o ser humano mais que especial, mais que diferente de todos os demais, além da sua própria racionalidade – que já é algo muito especial – este sentimento exige de sua mentalidade racional uma compreensão que o direciona para acima e além de sua própria realidade.
Vamos, assim, pressupor algumas situações e hipóteses tidas como razões ou motivos que sejam capazes de conduzir ao sentimento da chamada felicidade e que nos dias atuais possuem uma simbologia tão profunda e tão arraigada à alma humana que nada nem mesmo ninguém possui a capacidade de modificar esta impressão que emerge em situações corriqueiras do nosso dia a dia atual.
02 – FELICIDADE E DINHEIRO.
"A felicidade não está em viver, mas em saber viver. Não vive mais o que vive, mas o que melhor vive, porque a vida não mede o tempo, mas o emprego que dele fazemos." Autor: (Desconhecido).
2.2 – DINHEIRO TRAZ FELICIDADE?
Inexiste, nos dias atuais, melhor definição sobre felicidade que a irônica expressão utilizada pela expressão popular: “dinheiro não traz felicidade, manda buscar”. A simbologia contida nesta frase demonstra às escâncaras o credo popular de que dinheiro e felicidade são itens que possuem uma relação extremamente próxima e cingida pela idéia de que um não existe sem o outro. Ou seja, sem dinheiro não há felicidade, e com dinheiro a felicidade pode ser ilimitada.
Trata-se de uma visão extremamente simplista: dinheiro e felicidade possuem uma relação diretamente proporcional – quando se tem muito dinheiro, mais felicidade seremos capazes de obter.
Todavia, essa visão possui um pequeno, porém relevante detalhe a ser considerado: esta felicidade obtida através do dinheiro – ou por ele – constitui-se, na verdade de uma satisfação momentânea, algo que realiza o individuo apenas de forma superficial, pois no exato momento seguinte à obtenção do item objeto de nosso desejo, este se desfaz deixando em seu lugar uma enorme sensação de vazio, de não obtenção do sentimento inicial – a felicidade – esta sim capaz de nos completar e nos tornar mais próximo de nós mesmos.
Dinheiro e felicidade não podem ser tomados como complementares, pois a felicidade se complementa por si mesma, inexigindo qualquer acessório, ela existe por si própria, pela sua própria razão de ser: integrar o homem ao seu interior – uma essência que se desmistifica trazendo à tona aquilo que cada um tem de melhor: bondade, sabedoria, fraternidade, amor e compreensão.
Veja como é interessante pensar-se que a felicidade – na verdade a sensação que ela é capaz de causar nos seres humanos – pode também funcionar como um catalisador de outros sentimentos tão importantes e tão fundamentais para a nossa existência e coexistência. A felicidade funciona tão bem em nossas almas que a estimula no sentido positivo, criativo e energicamente produtivo, como sempre esperamos de nossos próprios potenciais.
Apenas por um instante vamos imaginar que um individuo que acabou de receber uma importância vultosa e inesperada e esteja passando por um momento de extrema necessidade (ou até mesmo penúria), pense, mesmo que muito rapidamente, que aquela soma não só pode ajudá-lo, mas também ajudar aos que estão à sua volta (isto chama-se prosperidade, pois aquele que é próspero precisa que todos à sua volta também o sejam), esta imagem, mesmo que muito imediata e frágil o suficiente para ser suprimida pela cobiça e pelo desejo, o simples fato de ela ter passado pela sua mente já foi o suficiente para torná-lo diferente, mais interiorizado, mais completo com o universo com o qual convive.
Todavia, esta imagem é imediatamente suprimida pelo desejo, pela cobiça de ter, de conquistar a partir do nada tudo que lhe seja possível com aquela quantia que, daquele momento em diante, passa a ser uma razão de vida. Nos dias atuais, onde “ter” significa muito mais do que “ser”, o dinheiro possibilita que a pessoa não apenas realize seus desejos de consumo (muitas vezes ligados ao bem-estar), mas também aqueles desejos de consumo que podem ser considerados desnecessários, que apenas satisfazem a sensação de consumo – aquele imenso sentimento que se resume em “apenas ter”, não importando sua efetiva serventia – um consumo na maioria das vezes vazio e sem sentido, quase inexplicável, mas que é capaz de causar uma pequena sensação de complemento, de enlevamento, porém não de felicidade, posto que assemelha-se ao equivalente real de uma efeméride.
“Dinheiro pode não comprar amor, mas pode comprar felicidade. O segredo é: você tem de gastá-lo com outra pessoa. Pesquisadores da University of British Columbia (UBC) e da Harvard Business School relatam na Science que pessoas que gastam bastante com presentes para outros e fazem doações para caridade são mais felizes que seus pares. Como parte do estudo, os psicólogos da UBC deram uma bolada de dinheiro para os voluntários gastarem; metade deles foi instruída a gastar consigo mesmo e a outra a gastar com outras pessoas. Os que gastaram com outros avaliaram a si mesmos como sendo mais felizes, em média, do que os que gastaram com eles próprios. As descobertas combinam com as de uma pesquisa feita com 16 pessoas da Harvard Business School em que se pediu a elas para medir sua felicidade antes e depois de receberem bonificações em dinheiro. Os que gastaram sua grana com outros avaliaram a si mesmos como mais felizes do que os colegas de trabalho que deixaram de dividir sua riqueza. “Essas descobertas sugerem que alterações bem pequenas na distribuição de gastos, algo tão pouco como US$ 5, pode ser suficiente para produzir ganhos reais de felicidade em um determinado dia”, diz a autora do estudo e psicóloga da UBC Elizabeth Dunn. (Boston Globe, The New York Times’ Tierney Lab)”. 1
Ao que parece um pequeno facho de luz surge ao fim do túnel: esta pesquisa demonstra que a felicidade é um sentimento extremamente ligado à solidariedade e a fraternidade, sentimentos que o ser humano moderno tende a desconhecer sistematicamente, ignorando seus efeitos benéficos para si e para seus semelhantes. E não se trata apenas de uma impressão, mas o resultado de uma pesquisa que nos conduz ao imenso óbvio de que a felicidade somente pode ser apreciada se for compartilhada.
Vejamos, agora, outra notícia relacionada com o tema que ora abordamos:
Dinheiro não compra a felicidade, diz um grupo de renomados economistas e psicólogos. O ganhador do prêmio Nobel Daniel Kahneman e outros pesquisadores fizeram a seguinte pergunta na revista Science: "Você seria mais feliz se fosse mais rico?".
A resposta dos investigadores: Não. É apenas uma ilusão que a riqueza traga a felicidade. Segundo os autores, os aumentos na renda têm um efeito relativamente breve na satisfação de vida. Quando países sofrem um aumento repentino na renda, não há um aumento correspondente na sensação de bem-estar dos cidadãos.
A satisfação de vida tende a aumentar com o aumento da renda per-capita de uma nação. Mas existe um aumento pequeno na satisfação de vida se a renda per-capita vai acima de $12.000 dólares por ano. Além disso, estudos psicológicos mostram que, quanto mais ricas as pessoas são, mais intensas as emoções negativas que elas sofrem.
E mais uma ponderação: quando uma pessoa passa a ganhar mais, geralmente passa a gastar mais tempo ganhando dinheiro, e a ter menos tempo de lazer.
Acreditar na ilusão que o dinheiro o faz feliz, pode levar a um efeito colateral inesperado: pode fazer sua vida piorar. Fonte: www.bibliomed.com.br
Outro fato amplamente comprovado pela experiência prática no que se refere à evidência de que dinheiro de fato não traz felicidade, ainda mais quando o próprio dinheiro passa a ser a razão de viver. Uma existência voltada para um bem de ordem material não significa nada, deixa-nos em potencial desvantagem com o aprendizado de vida que buscamos angariar ao longo de nossa existência, posto que a curiosidade do ser humano, via de regra, extrapola os limites da sua própria razão de vida, uma vida destinada a entender o imenso desconhecido que o cerca e que o constitui desde de sua origem (natural e individual ou ainda histórica e coletiva).
Essas pequenas análises acima demonstradas nos conduzem ao cerne de nosso pequeno ensaio no tema dentro do assunto em relevo: dinheiro e felicidade não possuem qualquer relação, seja direta ou indireta, na medida em que um pode servir como catalisador do outro: melhor explicando, ter dinheiro não significa a mera possibilidade de ser feliz, e, de outro lado, a busca pela felicidade não deve limitar-se à uma busca incessante e alucinada por dinheiro com o intuito de alcançar uma meta que em si mesma não possui qualquer finalidade seja prática, seja de ordem filosófica.
Não se trata de uma metáfora assumida como um estandarte a ser defendido com unhas e dentes contra qualquer argumentação contrária. Há de se ressaltar que felicidade não é um item que possa ser encontrado nas prateleiras das lojas, nem mesmo encomendado em sítios eletrônicos especializados em compras; a bem da verdade, sabemos que nenhum sentimento humano pode ser tornado, assim do dia para a noite, como um bem de consumo qualquer a ser adquirido sempre que necessário pelo ser humano.
E mais: em nosso breve estudo queremos enfatizar que a busca pela felicidade constitui-se em um dos maiores anseios da humanidade, transmutando o senso comum de que o homem nasce, cresce, reproduz e morre. Nascer, crescer, reproduzir encerra dentro de seu âmago uma outra necessidade da alma humana: viver, sentir a vida fluindo por suas veias, por seu ser são profundamente essenciais para satisfação da própria natureza humana; sentir-se bem consigo mesmo, com aqueles que o cercam e com aqueles que o amam e também aqueles a quem ama, são da natureza humana, assim como também é amar e ser amado, compreender e ser compreendido, no mesmo tom, no mesmo sentido da razão de existir que nos dá o norte a ser seguido ao longo de nossa curta existência.
Assim sendo, podemos assegurar que a relação entre dinheiro e felicidade é tão tênue e tão imprecisa que qualquer associação neste sentido estará, inexoravelmente, fadada ao infortúnio de ver-se sem qualquer fundamento que justifique a sua permanência no mundo atual. Viver em função do dinheiro não significa uma certeza de que a felicidade será obtida e de que os sonhos se tornarão realidade. O que acaba por acontecer é que nossas vidas tornam-se existência vazias, ordenadas em função do dinheiro e à ele dirigidas todas as sensações que poderíamos experimentar de outras formas e sob outros aspectos.
De qualquer modo, a experiência de vida baseada única e exclusivamente no dinheiro nos remete à uma esfera de realidade que não representa, sob qualquer aparência, a realidade desenhada para o ser humano, que por sua própria natureza, nasce, cresce e desenvolve-se dentro de um espírito de curiosidade, aprendizagem e realização interior que nenhuma soma de dinheiro é capaz de suprir ao ponto de tornar-se a razão de viver. Viver em função do dinheiro não é viver, mas sim passar pela existência demonstrando, ao final, que para nada serviu a sua vida.
O dinheiro pode comprar uma cama, mas não o sono;
Livros, mas não a inteligência;
Alimentos, mas não o apetite;
Uma casa, mas não um lar;
Medicamentos, mas não a saúde;
Luxos, mas não a cultura;
Divertimentos, mas não a felicidade;
Um passaporte para qualquer lugar, mas não para o Paraíso.
(Autor desconhecido)
2.3 – SEM DINHEIRO HÁ FELICIDADE?
Logo de início gostaríamos de salientar que falta de recursos financeiros gera, antes de tudo, insegurança e esta insegurança pode servir como elemento constitutivo de infelicidade; porém, assim como a instabilidade financeira é, caracteristicamente passageira, a insegurança – apenas sob este aspecto – também o é, razão pela qual a felicidade dela decorrente torna-se algo passageiro que se instala no indivíduo pelo tempo exato em que perdurar sua instabilidade financeira.
A bem da verdade trata-se de um aprendizado baseado na vivência, na experiência pela qual temos que passar até mesmo porque, o que dá sabor à vida são as dificuldades pelas quais passamos e delas extraímos o melhor de nós. Sempre que nos vemos frente à uma crise (não esquecendo que “crise” significa “escolha”), muito embora temamos a escolha que deveremos fazer, no nosso íntimo sabemos muito bem que precisamos escolher, posto que apenas à nós foi dado esta capacidade.
O psicólogo David Myers – citado por James Rachels, Problemas da Filosofia - observa que “quando se ultrapassa a pobreza, o crescimento econômico suplementar não melhora significativamente o ânimo dos seres humanos”2. Ou seja, mais dinheiro não significa maior realização.
Todavia, a sua falta ou impossibilidade de sentir-se produtivo – e ser remunerado por isso – causa, primeiramente, uma enorme sensação de insegurança que é imediatamente seguida por sentimento de desequilíbrio, acabando por desaguar em infelicidade; infelicidade essa que apenas potencializa a sensação de estar-se prostrado diante das dificuldades.
Deste modo, o que resta ao indivíduo é permanecer infeliz dentro de um circulo vicioso que é retro alimentado pela psique que conduz o indivíduo rumo ao seu próprio abismo (depressão, stress emocional, distúrbios de toda a ordem) e não permite que ele emirja deste torvelinho a fim de sagrar-se vitorioso desta batalha contra si próprio.
Não devemos perder de vista, no entanto, que todo esse processo depende única e exclusivamente da própria vontade e livre arbítrio do indivíduo; ou seja, é ele quem escolhe seus próprios caminhos, é ele que determina para onde seus passos o levarão – não há nada nem ninguém que influencie a sua escolha – porque é a sua escolha que faz a seu destino.
Que me perdoem aqueles de índole espiritual que crêem piamente na possibilidade de que nossos destinos sejam traçados por algo ou alguém de ordem superior (talvez, porque esta seja a única forma disponível de acreditar que seu erro não foi exclusivamente seu e, assim, atenuar e própria dor), pois mesmo que admitíssemos tal possibilidade ela se perderia nas brumas de nossa própria realidade.
Estamos fadados e sermos o que somos e vivermos da forma que escolhemos. Criamos ou destruímos porque assim o desejamos e vivemos a eterna busca pela felicidade que, algumas vezes, pode ser atenuada pelo dinheiro e pela sensação de conquista, mas que, mesmo assim, fica dependente de uma condição resolutiva: seremos felizes enquanto o dinheiro e o que ele significa durarem.
Findo o plano, inexistem novas alternativas, novas escolhas ou possibilidades já que nossos anseios transmutados em realizações de ordem material, restaram perdidas, infrutíferas ou insatisfeitas pela perda do que o dinheiro representava.
Nesta altura, estaremos diante do dilema crucial do indivíduo: e se for possível conseguir dinheiro de forma desonesta? Serei, assim, mais feliz? Obviamente que a resposta para esse questionamento novamente dependerá da análise do próprio ser humano (seu livre arbítrio), e sua escolha far-se-á de forma muito mais utilitarista e pragmática do que fincada em um credo de possibilidades.
Afinal de contas, dinheiro é dinheiro, e não importa de onde veio, mas apenas para que servirá! Este, realmente, é um pensamento comum adotado por todos aqueles que anseiam lidar com suas dificuldades por qualquer meio disponível, não importando, inclusive as possíveis conseqüências que advirão de tal escolha. Vejamos, pois o seguinte excerto:
“Essa ultima frase e’ que me assusta nas pessoas. No inicio de Fevereiro, uma menina que fazia mestrado comigo resolveu largar tudo para ir morar em São Francisco. Ela mandou um e-mail falando “Sempre quis morar lá, então resolvi largar tudo e correr atrás do meu sonho”. Ela foi. Fiquei tão feliz por ela. Dei a maior forca pois adoro ver pessoas correndo atrás de sonhos. Só’ que… ela tinha aplicado para um emprego aqui em Columbus. Assim que se mudou recebeu uma oferta aqui e resolveu voltar. Fiquei surpresa quando a encontrei e perguntei pq ela desistiu do sonho tão rápido. E ela me disse “Eu não gosto de Columbus e não gosto dessa empresa, mas sabe como e’, ne”? Me ofereceram a maior grana… Então vale a pena ficar numa cidade q não gosto, fazendo um trabalho q não gosto… Só pelo dinheiro.
O DINHEIRO DESVIRTUA AS PESSOAS E ISSO ME ASSUSTA MUITO! Que Deus me proteja para que isso não aconteça comigo…”3
O texto acima demonstra de forma inequívoca e indiscutível que pelo dinheiro assumimos a infelicidade como nosso parceiro para o resto de nossas existências vazias e miseráveis, em nada importando que mesmo com dinheiro este – por si só – seja capaz de suprir o enorme vazio que resta dentro de nossas almas. Nos desvirtuamos de nós mesmos não pelo dinheiro, mas sim em função dele, como se nossas vidas passassem a ter significado porque “temos” e não porque “somos”.
Parece a primeira vista um discurso vazio, entoado apenas por aqueles que não tem dinheiro, nem a oportunidade de obtê-lo, mas somos sabedores de que a tristeza maior não está na escassez ou no excesso, apenas no desequilibro que estes extremos são capazes de causar.
Voltemos, pois, à questão do dinheiro obtido de forma desonesta. Ele realmente nos fará felizes e realizados, ou apenas minimizará o fato de não termos mais nada em nossas vidas além dele? Lembrem-se de que o traficante tem dinheiro, tem poder e tem influência, mas não tem paz de espírito, não pode relaxar e aproveitar as materialidades que todo o dinheiro e poder juntos podem lhe proporcionar. Apenas ficam à mercê de um círculo vicioso que não o leva a lugar nenhum, que não diz qual será a próxima vez em que, ao caminhar pelas ruas de sua comunidade poderá ser alvo da cobiça de outro escravo do dinheiro.
Da mesma forma, afirmar que o dinheiro possui “energias boas ou ruins”, acaba por se tornar uma ode à idiotice, um delírio consciente de que um bem material possua a capacidade de metamorfosear nossas almas e espíritos, nossa consciência, tornando-nos influenciados por sua vontade. Dinheiro não possui vontade própria, mas a nossa vontade faz dele uma entidade tão independente que é capaz de dirigir nossas vidas, escravizando-nos por uma curta eternidade.
Enfim, não há qualquer forma de poder criativo no dinheiro, tanto na sua ausência como na sua abundância, pois ele não é – em si mesmo – o caminho para a felicidade ou para infelicidade; quem pensa que dinheiro compra tudo se esquece que sentimentos, desejos e paixões não são adquiríveis nas gôndolas das lojas de departamentos. Que uma roupa nova nos faz sentir a vida sobre outros olhos, isto lê é verdade; mas crer que abarrotar nosso guarda-roupas de grifes da última moda é o suficiente para que nos sintamos realizados, isso, com certeza, é absolutamente pobre e infantil.
Lembremo-nos de que a vida é muito curta para ser vivida em função de algo tão fugaz como algumas notas de papel moeda.
Mas afinal, aonde queremos chegar com todo este comentário? Ou será que tergiversamos sobre o óbvio. Aparentemente, uma primeira impressão no conduz neste sentido, mas, a bem da verdade o que ensejamos destacar é que o dinheiro não, em si, um objetivo, é apenas um meio de obtenção de objetivos previamente traçados e cuja oportunidade não depende apenas dele, constituindo-se ele um dos meios necessários à realização de seus objetivos.
Para melhor elucidar esta questão enfatizamos que se você tem um objetivo de vida (formar-se em um curso superior, tornar-se um empreendedor, ou qualquer outro) este somente poderá ser atingido se você possuir alguns requisitos básicos:
- Determinação;
- Senso de organização e planejamento;
- metas estabelecidas para atingimento do objetivo;
- Disponibilidade de tempo para conferir o andamento de seu projeto e
- Dinheiro.
Os itens acima demonstram de forma incontestável de que o dinheiro, além de ser apenas um componente em direção ao sucesso, é também aquele que figura como último da lista, até mesmo porque, consegui-lo pode parecer mais fácil do que se imagina.
Quem tem um sonho sabe muito bem que ao persegui-lo com vontade acabará por perceber que “o universo conspira ao seu favor”; e isto não é apenas uma frase solta ao vento. Trata-se de uma verdade universal – inclusive no que se refere ao dinheiro necessário para a consecução do objetivo.
Assim, aprendemos ao longo de profundo e extenso aprendizado do conhecimento humano que a conquista resultante de muito esforço, dedicação e retidão, além de causar muito mais bem-estar interior, torna o ser humano muito mais feliz; ou seja, a realização de um sonho torna o indivíduo feliz, completo e resolvido.
De acordo com esta abordagem podemos concluir que o dinheiro é apenas um meio para o atingimento de nossos objetivos e, na medida em que invertemos este processo lógico, tornando o dinheiro um objetivo em si mesmo, além não conquistarmos nada de novo, perdemos realização pessoal, bem-estar e controle sobre nossas vidas e nossos destinos. Seremos necessariamente escravos de nós mesmos (ou pior, seremos escravos do dinheiro).
Veja bem que este trabalho não se trata de um manual de auto-ajuda ou o “livro absoluto sobre como ser feliz”; não há fórmulas mágicas, apenas um sentimento que pode ser saboreado, embora passageiro, na medida em que permite ao indivíduo deliciar-se consigo mesmo – primeiramente – e, logo em seguida, com aqueles com os quais possui laços de afetividade e fraternidade.
A vida nos reserva decepções que decorrem de nosso livre arbítrio, nossa capacidade de escolher (quando não queremos fazê-lo), porém, a bem da verdade, não queremos escolher ou decidir, queremos apenas seguir nossos caminhos com tranqüilidade e segurança, saboreando “as guloseimas da vida”, apreciando o que ela tem de melhor: uma imagem, um som, um lugar, uma ocasião; enfim queremos uma satisfação plena – que é o que nos realiza e nos torna mais humanos do que realmente somos.
Quando nos sentimos infelizes ou tristes buscamos apoio porque nossos laços de fraternidade e afetividade são os únicos elementos que nos ligam ao sensível e nos tornam mais afetos à razão de uma curta existência que se realiza nas pequenas coisas.
03. FELICIDADE E A BELEZA.
Andréia Schmidt
Quem não gostaria de ter "aquele" corpo sarado, altura de manequim profissional, rosto de ator ou atriz de novela das oito, nada de pneuzinho, nada de gordurinha? Enfim, quem não gostaria de ter uma aparência perfeita? É claro, todo mundo já pensou em melhorar a sua. Pergunte a qualquer modelo (homem ou mulher) e, sem exceção, todos dirão que acham alguma parte do seu corpo feia, que mudariam alguma coisa em si mesmos. Até aí, nada demais. O problema aparece quando esse desejo de ser bonito começa a se tornar uma obsessão. Lembro-me de uma garota de 17 anos que conheci há alguns anos. O maior sonho da vida dela era fazer uma lipoaspiração... no joelho. Ela não usava saia porque o joelho era muito gordo; não gostava de ir à praia porque, de biquíni, o joelho ficava à mostra; não usava calças mais justas porque seu joelho "gordo" ficava ressaltado. Então, um belo dia ela conseguiu juntar dinheiro suficiente para a tão sonhada lipoaspiração no joelho. Cirurgia feita, período de recuperação passado, ela se olhava no espelho e seu joelho, de fato, estava mais "magro". O estranho é que ela não sentia a felicidade que imaginou que fosse sentir depois da cirurgia. Aquela insatisfação ainda estava lá, mas agora em algum lugar indefinido, não mais no joelho. A TV e as revistas mostram o tempo todo os ideais de beleza da nossa cultura: corpos altos, magros e bronzeados, mulheres de cabelos compridos e brilhantes, homens com músculos definidos. Mas a grande maioria dos "mortais comuns" está muito distante desse ideal. Então, começa a corrida para alcançar o corpo perfeito: dietas infindáveis, horas de exercício em academias, cirurgias plásticas, etc., etc. e etc. Alguns não medem esforços: tomam anabolizantes para ganhar músculos mais rapidamente (as famosas "bombas"), fazem dietas absurdas para perder cinco quilos em dois dias, põem em risco a própria saúde em busca... em busca do que mesmo? (Talvez seja essa a pergunta que devemos nos fazer antes de entrarmos numa maratona pelo corpo ideal.) A resposta parece rápida e fácil: em busca da beleza. De novo, em princípio, não há nada de errado em querer ficar mais bonito ou mais saudável. Afinal, obesidade é um problema grave e exercícios físicos são fundamentais para a saúde. Mas o que se espera alcançar com essa beleza? A garota que fez lipoaspiração no joelho tinha uma expectativa irreal em relação àquela cirurgia: achava (ainda que não percebesse muito bem isso) que, se o seu joelho fosse mais magro, iria gostar mais de si mesma, olhar-se no espelho e admirar seu corpo, sentir-se capaz de atrair a admiração das outras pessoas. Mas, apesar da lipo e do joelho mais magro, a insatisfação continuava lá, porque, na verdade, seu problema não estava no joelho. O problema estava no quanto ela conseguia reconhecer suas qualidades, sentir-se uma pessoa capaz de ser interessante, amada, enfim, no quanto gostava de si mesma. Um corpo perfeito não é a fórmula mágica para alcançar a felicidade, embora a televisão dê a impressão de que ser bonito facilita. Não é nem mais fácil e nem mais difícil. É por isso que se deve pensar bem no que se está querendo alcançar com tanto sacrifício em nome da beleza. Sentir-se bonito é importante para nossa auto-estima, mas é um erro pensar que só isso é suficiente. Sentir-se bem consigo mesmo envolve uma série de outras coisas, passando pelo que se vê de bom em si mesmo e no quanto se confia nas próprias capacidades. Colocar unicamente na beleza a saída para a resolução dos problemas é um caminho fácil para a frustração. 4
Há uma beleza espiritual e há outra beleza que fala aos sentidos. Certas pessoas pretendem que o belo pertence exclusivamente ao campo dos sentidos, separando dele por completo o espiritual, de modo que o nosso mundo apresente uma cisão entre os dois. Nisso também se baseia o ensinamento verídico: «Apenas por dois modos a felicidade é cognoscível em todo o Universo: a que nos vem das alegrias do corpo e a que nos vem da paz redentora do espírito». Desta doutrina, no entanto, segue-se que o espiritual não se acha, para o belo, na mesma relação em que o belo se encontra para com o feio e que, só em certas condições, se confunde com este.
O espiritual não é sinônimo de beleza pelo conhecimento e pelo amor do belo, amor este que se exprime em beleza espiritual. Tal amor, em absoluto, não é absurdo ou sem esperança, pois, pela lei da atração dos opostos, o belo por sua vez anseia pelo espiritual, admirando-o e recebendo-lhe com agrado a corte. Este mundo não está constituído de tal modo que o espírito esteja fadado a amar apenas o espiritual, nem a beleza unicamente votada a procurar o belo. Na verdade, o próprio contraste entre os dois indica, com clareza ao mesmo tempo espiritual e bela, que a meta do mundo é a união entre o espírito e a beleza, isto é, uma felicidade não mais dividida, porém total e consumada”.5
Thomas Mann in "As Cabeças Trocadas"
Os excertos acima tratam de nosso tema de forma bastante direta: o que faz um ser humano feliz em relação à beleza? Aliás, o que é beleza?
Trata-se de um processo cognitivo ou mental, ou ainda, espiritual, relacionado à percepção de elementos que agradam de forma singular aquele que a experimenta. Suas formas são inúmeras, e a ciência ainda tenta dar uma explicação para o processo, sendo certo que para nosso interesse pessoal na elaboração deste trabalho, vamos enfatizar a beleza do ponto de vista meramente estético aos olhos dos seres humanos situados nesta pós-modernidade de virada de século e milênio.
Há um momento em que dinheiro, poder, prestígio e influência não fazem qualquer diferença; aquele momento em que você não apenas está só, mas também sente-se só (não abandonado), em nada se parecendo com uma sensação de vazio. Um momento em que seu corpo e sua mente sentem o peso da vida – não dos anos passados – apenas da sua existência sem qualquer juízo crítico ou de valor.
Você apenas para, olha a sua volta e pensa no que vê, como se esta fosse a primeira vez que você tivesse coragem para fazê-lo e, ao final conclui que tudo o que passou, passou e que você não é mais o mesmo. É o que os especialistas denominam de “baixa auto-estima”, uma sensação de encurtamento de perspectivas e choque de realidade que o atingem de forma contundente e inesperada e que exigem de você um ato de repensar as coisas.
Me parece – sem muita preocupação com a sinceridade – que as pessoas que buscam na “ditadura da beleza” uma resposta à queda de sua auto-estima estão, por assim dizer, buscando uma justificativa para as suas próprias limitações, ou ainda para as limitações que a natureza lhe impôs, evidenciando que não estar contente com seu visual significa o mesmo que estar insatisfeito consigo mesmo; e esta insatisfação se projeta para o mundo que o cerca como se fosse um fator de exponenciação da sua indisposição.
O que queremos dizer é que a busca insana por algo utópico, além de egoísta e sem sentido, demonstra uma insegurança consigo próprio com aquilo que realmente a pessoa é e não apenas o que ela aparenta ser. A estética como referencial individualizado não expressa o que realmente somos ou queremos, pois somos aquilo que somos e queremos o que todo o ser humano almeja: felicidade e realização plena.
Como explicar para uma pessoa que sente insatisfação com o seu joelho que o mundo que a cerca e o que ela representa para ele não se resume à uma parte de seu corpo, mas sim à integralidade e integridade de seu ser composto por corpo, espírito e alma. Uma conjunção que por sua própria existência não apenas dignifica uma razão de ser, mas da mesma forma dignifica a sua origem humana.
Somos aquilo que nascemos – germes de uma natureza única e individual – cabendo aqui uma consideração sobre o termo “indivíduo”. Indivíduo é um universo em si mesmo, um turbilhão de sentimentos, expectativas, crenças, esperanças, medos e dúvidas das mais diversas ordens. Portanto, nós somos um indivíduo em cada um de nós, um ser que possui um conjunto de especialidades e de defeitos únicos que carecem ser partilhados, usufruídos e conhecidos pelos demais, inclusive do ponto de vista estético.
E não há nada mais belo do que isso: a individualidade que não se curva à qualquer imposição, qualquer limitação estabelecida por outrem que não seja ele próprio. Então, que justificativa seria cabível para considerarmos que nossa auto-estima esteja limitada por outrem (ou por outros), tornando-nos seres menores do que realmente somos?
A resposta, obviamente, seria que não existe esta justificativa para que nós sejamos limitados por qualquer evento, já que nascemos, vivemos e morremos uma existência que não conhece limitações de qualquer ordem.
Cabe aqui ainda um breve comentário sobre este tema dentro do nosso assunto: beleza – no sentido estético – parece muito menos uma imposição social do que um sentimento interior de narcisismo, de desejo de mostrar-se mais uma imagem do que um conteúdo. Assemelha-se a algo próximo da cobiça, do desejo de parecer eternamente jovem, belo, imutável ante os efeitos do tempo.
Ousamos arguir que se trata do fenômeno da vaidade exagerada que extrapola os limites do bom senso e atingem às ráias da insanidade, no exato momento em que vamos em busca de algo cujo momento histórico em nossas vidas já se passou há muito, nos tornando pessoas mais mesquinhas corroídas pelo sentimento de perda que a nenhum ser humano agrada, mas que faz parte indissolúvel de sua própria existência.
Não é crível que uma pessoa sujeite-se à procedimentos cirúrgicos, não cirúrgicos, invasivos ou não, apenas e tão somente para a satisfação dos outros. A satisfação é interior e, no mais das vezes não tem nada a ver com auto-estima, já que auto-estima pressupõe a necessidade de autoafirmação perante a sociedade e perante si mesmo no enfrentamento de situações que impedem o indivíduo de ser ele mesmo. Ou seja, auto-estima tem muito de ser interiorizado e não de sua imagem exteriorizada, posto que já existem comprovações de que a afirmação interiorizada refletirá, necessariamente, na imagem exteriorizada.
Retornando ao pensamento exposto anteriormente, o belo do indivíduo está na sua singularidade, seja ela interior ou exterior; ou melhor: trata-se da somatória de ambos: a pessoa humana – em sua concepção ampliativa – é a conjunção do carnal/material, mental, espiritual e também o emocional – ou seja, uma conjunção de ordem holística que faz da sua singularidade um espetáculo próprio e diário de evolução e crescimento que independe de qualquer observação ou restrição de ordem meramente estética. Somos todos belos à nossa própria maneira, belos para nós mesmos e belos para o resto do mundo.
04 - FELICIDADE, LUXO E EXIBICIONISMO.
Neste excerto analisaremos uma outra faceta da felicidade: aquela em que as pessoas acreditam piamente que ostentação é uma forma de sentir-se feliz, realizado, completo ante aqueles que o cercam e internamente para si mesmo. A demonstração de luxo e o exibicionismo são fruto de uma sociedade cujas bases atuais encontram-se assentadas sobre o pressuposto do “ter” acima e além do “ser”, evidenciando que aquele que detém em suas mãos objetos cobiçados pela maioria dos seus semelhantes, além de demonstrar que sua posição frente a eles está em patamar acima, também faz com que se conclua que este indivíduo é feliz, realizado, completo para si mesmo e para o resto do mundo.
Iniciando esta discussão gostaríamos de colocar em tela o seguinte fragmento noticioso:
Economia Comportamental Estudo. Dinheiro não compra felicidade - por Marta F. Reis, Publicado em 17 de Março de 2010 Economistas do Canadá sustentam que os níveis de felicidade estagnaram nos países mais ricos. Riqueza destrói capital social.
Economistas das Universidades de Calgary e Colúmbia Britânica, no Canadá, acreditam estar mais perto de perceber o paradoxo da felicidade nas sociedades modernas: mais riqueza não parece tornar as pessoas mais felizes. Num trabalho publicado no “Economic Journal”, Curtis Eaton e Mukesh Eswaran demonstram que, à medida que a produtividade aumenta, o consumo exibicionista tende a dominar a economia, dissipando a riqueza adicional na produção de bens como jóias, obras de arte ou automóveis de luxo, em prejuízo dos bens públicos, comunitários e do capital social.
“Estes bens representam um jogo de soma zero para a sociedade: satisfazem os proprietários, fazendo-os parecer mais ricos, mas o resto das pessoas fica num estado pior”, explicam os investigadores ao diário inglês “The Guardian”. O trabalho partiu de uma análise matemática e foi desenvolvido desde 2005 com um objectivo definido: procurar uma resposta para o paradoxo da felicidade a partir do fenómeno do consumo ostentatório, definido por Thorstein Veblen, em 1899. “Quem tem uma riqueza acima da média consome os bens de Veblen [os produtos sem valor intrínseco que caracterizam o consumo ostentatório], com um impacto positivo na sua felicidade. Mas a felicidade de quem está abaixo da média tem um impacto negativo”, dizem os investigadores, que acreditam que à medida que a produtividade aumenta as sociedades são conduzidas a uma armadilha. “Os bens de Veblen expulsam todos os bens e actividades que promovem o bem-estar, incluindo bens públicos, lazer privado e comunitário e, de uma forma perversa, o bem-estar e a produtividade estão inversamente relacionados”, escrevem. Sustentam ainda que os seus resultados podem explicar a estagnação dos níveis de felicidade e sentido de comunidade nos países mais desenvolvidos. Ana Cordeiro Santos, investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, lembra que é precisa alguma cautela: “Os estudos da felicidade são uma área recente e normalmente partem de avaliações subjectivas. Sabemos contudo que, à medida que o nível médio de riqueza aumenta, a desigualdade social pode também aumentar”, afirma.
Nuno Ornelas Martins, professor da Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica Portuguesa, salienta que a ideia de o consumo associado ao estatuto ser uma rasteira do crescimento económico não é nova. Perante um excesso de produção, “a existência de desigualdades na distribuição do rendimento levaria à falta de procura”, explica. A falta de procura motivaria então o consumo ostentatório e este, por seu lado, levaria ao aumento da produção de bens privados e à aposta no capital físico.
Numa altura em que se pensa rever os cânones do bem-estar, o famoso psicólogo clínico britânico Oliver James acredita que as sociedades modernas estão a viver uma epidemia de affluenza, a doença da riqueza. O psicólogo Nuno Ferrão vê o problema da felicidade com raízes mais profundas do que a carteira: “Uma pessoa pode ter o Rolls-Royce estacionado na garagem e não se sentir feliz. Há pessoas que estão bem com isso, e outras que pensam: a riqueza veio em detrimento de quê?” 6
Muito bem. O questionamento final sobre a que veio a riqueza merece um breve mas sensível aprofundamento, pelo qual precisamos entender que mecanismo é este que induz o indivíduo a criar no seu interior expectativas infundadas sobre o valor da ostentação. Ora, este pensamento, a princípio inocente e destituído de qualquer senso crítico pode guardar em seu interior uma limitação de ordem comportamental, pela qual imaginamos uma crença absoluta no ato de exibir bens que demonstrem, por si mesmos, que estamos felizes e realizados.
Parece uma epidemia que se alastra pelo universo forçando as pessoas a consumirem objetos de “grife” (marca), cuja relevância está apenas em ser um objeto de desejo (desejo de tê-lo a qualquer custo), e cujo resultado final é apenas demonstrar que sua posse é suficiente para alardear uma felicidade notória. É como se vestir uma calça jeans da marca DIESEL fosse suficiente para tornar-nos mais felizes do que aqueles demais que conseguem viver sem ela (!).
É como se a felicidade estivesse ao alcance de nossas mãos através de bolsas, calçados, roupas, jóias e demais objeto cuja essência está centrada na ostentação, no exibicionismo de forma absoluta, bastando apenas tê-los e – se possível – ostentá-los. Parafraseando uma expressão popular “diga-me o que tu tens e eu te direi quem és”, como se fosse possível demonstrar felicidade através de bens de uso corpóreo, cuja significação ultrapassaria as ráias do bom senso e atingiria um novo estágio no qual o indivíduo é aquilo que possui, mas não apenas aqueles bens em geral, essencialmente, os bens de trazem dentro de si a necessária ostentação de luxo, riqueza e felicidade.
Mais uma vez observamos uma vaidade exacerbada, rotulada pela ostentação, mas que no fundo não passa de um sentimento mesquinho, individual e que se esquece de qualquer manifestação de ordem coletiva, seja a preocupação com o próximo, seja a preocupação consigo mesmo enquantto indivíduo. Este estágio de evolução parece ser, na verdade, uma involução, um retorno à um estado que nunca deveríamos retornar e cuja memória deveria ser definitivamente esquecida de tudo e de todos.
Detenhamo-nos, por um instante, na razão de nossas vidas, e passemos a refletir sobre o que é de fato importante para nossa existência: amor fraternal, amor filial, paz de espírito, sensações de bem-estar, momentos nos quais nos sentimos mais próximos de nós mesmos e daqueles a quem realmente amamos, ou apenas um puhado de jóias, alguns veículos carissímos, uma bela casa, e uma vida sem valor, sem razão de existir?
Não queremos aqui neste espaço utilizarmos expressões comuns como a de quem o milionário não pode viver em paz porque é perseguido por sua própria existência. Apenas queremos uma reflexão sobre se sentir-se feliz tem tudo ou nada a ver com ostentação e luxo desnecessários. Qual é o custo de nos sentirmos bem rodeados de “bens” quando estes não podem ser interiorizados ao ponto de nos elevar a condição de seres felizes e realizados.
Alguém acredita que a realização e a felicidade podem ser extremadas a este ponto? Há algo que não observamos nas pessoas que ostentam, mas que, ao mesmo tempo, não demonstram qualquer sinal de felicidade plena? Acredito que a resposta ainda esteja centrada em que felicidade não é um item que possa ser adquirido em qualquer loja de departamentos, ou mesmo em boutiques de altissímo luxo; o beijo de um casal apaixonado, o olhar de uma mãe dedicada, ou ainda o elogio de uma amigo não podem ser adquiridos com o cartão de débito ou de crédito, eles ainda precisam ser conquistados pela demonstração sensível e inequívoca de que sabemos amar e, desta forma, seremos também amados com a mesma intensidade, na mesma direção e no sentido inverso ao nosso.
05 – O QUE PRODUZ FELICIDADE?
Esta é, sem dúvida, uma questão que seria, por si própria, suficiente para a produção de extensos tratados que passariam desde a filosofia, psicologia, sociologia, direito e demais ciências humanas e exatas, até mesmo porque o fim do ser humano – além do pressuposto biológico de nascer, crescer, reproduzir e morrer – é viver uma vida feliz, uma existência plena cujas satisfações superem em número e grau as incertezas, as dúvidas, os medos e a ausência de expectativa.
A propósito do tema, vamos nos deter por um momento na expressão “expectativa”. Precisamos de expectativas que alimentem nosso corpo e nosso espírito na direção do bem-estar, daquela sensação imensa de estar bem consigo próprio, com aqueles que o cercam e com a natureza. Estas expectativas podem ser criadas, nutridas, ou mesmo nascerem espontaneamente de nosso espírito a partir de como vemos o mundo a nossa volta. Somos aquilo que almejamos; não apenas no que se refere ao aspecto material, acreditando também que este aspecto (o material) carece de ser sempre satisfeito, posto que quando não observamos a pirâmide das necessidades de Maslow, estamos, por assim dizer, ignorando a realidade fática do ser humano que apenas pode desejar algo além, quando encontra-se satisfeito, inicialmente, sob este aspecto.
Vejamos o seguinte excerto extraído de um sítio eletrônico de filosofia (http://filosofiaeespiritualidade.blogspot.com/), e que assim define o estágio da felicidade espiritual:
“Uma outra constatação é que a felicidade não existe no meio da passividade. Ela não acontece por acaso. O homem realiza seus sonhos e planos por meio do trabalho. Você já deve ter ouvido falar que trabalho não traz felicidade. Mas pense o quanto uma ação em favor de algum projeto pode trazer realização para a sua vida. Se você está angustiado por causa de suas perdas e fracassos, vá a um hospital que cuida de pacientes com câncer em estado terminal. Você vai se sentir motivado a fazer algo. E o mínimo que você fizer vai trazer para você prazer e paz interior”.
Esta ação acima comentada pode muito bem significar um exercício de vida – algo que nos torne pessoas melhores não apenas para aqueles que nos cercam, mas também para nós mesmos. Acreditem que não existe uma fórmula mágica para encontrar-se a felicidade, até mesmo porque trata-se de um sentimento que precisa ser alimentado com ações de ordem prática, construindo um edifício de realizações pessoais que tornem a pessoa integrada e realizada, de forma que ao olhar um por-de-sol em qualquer lugar que esteja, a sensação de realização e de alívio para consigo mesmo é algo indescrítivel e que não pode ser explicado por palavras.
Na obra literária “O SEGREDO”, Rhonde Byrne define que a lei da atração é a chave para a felicidade o que pode assim ser definido:
“Pense. Em qualquer coisa. Numa casa, por exemplo. Imagine-a pintada de branco, com janelas azuis e cercada por um terraço com escadas que levam a um jardim. Ali estão margaridas, girassóis e uma árvore frondosa. Nos 10 segundos que você levou para chegar até aqui, uma avalanche de sinais nervosos ocorreu no seu cérebro. No córtex (camada periférica dos hemisférios cerebrais), milhares de neurônios foram acionados e trocaram informações em frações de segundo.
Arquivos de memória foram vasculhados e, sem que você pudesse controlar ou prever, a imagem de uma casa surgiu em sua mente. Por isso, você deve ter sentido um bem-estar, uma vontade de possuir essa casa de verdade. Dentro de nossa caixa craniana ocorrem milhares de outros processos - esse que você acabou de perceber é o que podemos chamar de pensamento positivo, uma idéia que, nas prateleiras das livrarias, vem ganhando contornos de magia”.
O que se tem aqui nada mais é que a ciência aplicada do poder do pensamento positivo, cujas bases foram estabelecidas no final da Segunda Grande Guerra Mundial e que tem sido objeto de diversas elaborações literárias e científicas, sabendo-se que, na verdade, as benesses e frutos do poder do pensamento positivo não são um segredo para quase toda a humanidade nos dias atuais, e esta explicação dada pela autora australiana apenas serviu-lhe de trampolim para o próprio sucesso e felicidade.
Mais uma vez repita-se: não existe fórmula mágica para a felicidade, apenas uma elaboração de pensamentos livres e sinceros de cada ser humano para consigo mesmo: explicar a si próprio suas fraquezas, reconhecer as próprias limitações e estabelecer conexões saudáveis e produtivas com seus semelhantes são as melhores estratégias para atingir-se o tão almejado estado de felicidade absoluta.
O conteúdo extraído do cerne do pensamento de Rhonda Byrne demonstra de forma escancarada que a felicidade não possui fórmula apenas exige de cada um pouco de fé. Senão vejamos: "No momento em que você pede alguma coisa, e acredita, e sabe que já a tem no invisível, o Universo inteiro se move para deixá-la visível"7
Este pensamento apenas versa sobre uma ampliação do célebre, mas também muito conhecido pensamento estimulado por escritores como Paulo Coelho e Layr Ribeiro. Trata-se daquele de enuncia que quando se deseja algo ardentemente, o universo conspira a seu favor.
Mais uma vez afirmamos sem medo de sermos felizes e bem recebidos: não existe fórmula mágica, apenas um pouco de suor, dedicação, esforço pessoal e amor ao próximo, elementos que diariamente são colocados à nossa frente exigindo de nós uma conduta no sentido de que contribuindo para um mundo melhor estaremos também contribuindo para a nossa própria felicidade.
No momento em que nos organizamos mental e espiritualmente, conduzimos forças que estão ao nosso redor na direção que desejamos, não apenas para a obtenção de bens materiais – até mesmo porque estes devem ser conseqüência de nossas atitudes -, mas sim para obtermos um estado de espírito melhor e mais adequado às nossas necessidades existenciais.
06 – CAMINHANDO EM DIREÇÃO DA FELICIDADE.
Se nos fosse dada a oportunidade de comentar quais são os princípios que facilitam o acesso de um indivíduo ao caminho da felicidade, e sem que tenhamos a arrogância ou mesmo a ousadia de considerarmos a existência de “fórmulas mágicas”, poderíamos simplesmente esmiuçar algumas considerações que não foram por nós propostas, mas que já existem no meio social – amplamente difundidas – ao longo da própria existência da raça humana, desde o momento em que houve a consciência coletiva em busca da felicidade.
Vamos apenas tentar um pequeno exercício que, acreditamos, serve para todos aqueles que queiram realmente viver em harmonia consigo mesmos e com o mundo que os cerca.
6.1 - “Toda a criação humana – porque fruto de sua capacidade de assenhorar-se de tudo que o cerca – traz em seu bojo o germe da sua distorção”.
Não nos supreende o fato evidente de que a mente humana é de uma criatividade sem igual, capaz de transformar tudo que o cerca na busca por conforto, satisfação pessoal e bem estar – conceitos esses que apenas delineiam a felicidade que tanto sua mente como também seu espírito nascem e se desenvolvem inseridos em uma frenética busca pela essência além da superfície.
Todavia, também é verdade que a máquina que cria o bem pode, e muitas vezes o faz, transforma a criação em destruição. Robert Oppenheimer, pai da física moderna e um dos principais idealizadores do projeto Mannhatann que deu origem à primeira bomba atômica, após o seu lançamento sobre a cidade japonesa de Hiroshima, assim comentou: "esses físicos conheceram o pecado de uma forma tão crua que nem a vulgaridade, o humor ou o exagero podem apagar... e esse é um conhecimento do qual eles não podem lançar mão".
Deste modo, acreditamos piamente que a mente humana deve ocupar-se apenas da criação e não da destruição, primeiramente porque trata-se de algo totalmente ambíguo e que diverge da sua própria essência. Apenas quando o ser humano aprender que sua criação foi um ato de amor, tanto do ponto de vista religioso ou filosófico, como também biológico, este será capaz de compreender que a criação e a construção redundam em abundância e realização.
6.2 - “A mesma mente que cria, também é capaz de corromper seu fruto, distorcendo de modo irremediável e corrosivo o fim para o qual foi concebido”.
O pensamento encerrado aqui refere-se à evidência de que nosso processo criativo deve sempre estar orientado para o bem, pois somente assim o resultado será produtivo e profícuo. Produtivo no sentido de que poderá ser usufruído pela maioria das pessoas causando-lhes uma sensação de bem estar; nenhum homem vive sem outro (ou outros) de sua espécie.
Se nos determos sobre o tema e pararmos para pensar um pouco a respeito, concluíremos que, a bem da verdade, nossa existência está fundada em um processo de dependência mútua cuja finalidade deve ser sempre benéfica para todos; melhor explicando: ao produzirmos, o fazemos não apenas pensando em nós mesmos, mas sempre na coletividade, coletividade esta que se inicia pelos mais próximos (entes queridos) e acaba por alcançar os mais distantes (nossos semelhantes que vão usufruir das benesses de nosso esforço).
Este é o sentido de sermos produtivos, sem, jamais, corromper o fruto de nossa produtividade, eivando de vícios nosso compromentimento com o coletivo.
Ser profícuo é ser frutífero, ou ainda, próspero. Prosperidade é a riqueza que pode ser facilmente distribuída. É o que diz o Salmo 1. 1-3.
"Bem-aventurado o homem que não anda segundo o conselho dos ímpios, nem se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores; antes tem seu prazer na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e noite. Pois será como a árvore plantada junto às correntes de águas, a qual dá o seu fruto na estação própria, e cuja folha não cai; e tudo quanto fizer prosperará".8
Ser próspero não possui qualquer correlação ou mesmo correspondência com riqueza, já que sabemos que uma dada pessoa pode ser rica e não ser próspera, posto que nunca está satisfeita, e, via de conseqüência, quem está ao seu lado também não sentir-se-á feliz. Não há nada errado em se ter posses, mas está muito errado quando as posses possuem o seu detentor, impedindo-o de ser feliz e realizado. Quanto mais pensamos em dinheiro mais ele nos afasta de nós mesmos e de nossa razão de ser para nos tornar seus escravos eternos, sedentos por poder e constantemente ambicionando “ter mais”.
Aliás, não nos esqueçamos que “ter” não pode ser mais importante do que “ser”, inclusive porque existimos além do poder, da ganância e da cobiça. Lembremo-nos que a cobiça move o indivíduo ambicioso, porém esta não lhe dá razão de ser e quando ele percebe que sua cobiça apenas serviu para alimentar o mal que o cerca e que invade sua alma e seu espírito, aí já será tarde demais qualquer ponderação ou arrependimento.
Acreditamos que o melhor lugar para que possamos entender o significado de prosperidade está no Livro Sagrado do Islamismo – O Corão – sobre o qual obtivemos o seguinte comentário abaixo descrito:
“Todos os dias nos deparamos com sinais evidentes que essas duas coisas nem sempre estão juntas. A prosperidade envolve o bem estar em todos os sentidos, nela, não só os bens são multiplicados, mas a própria sensação de satisfação se multiplica. Satisfação com o que se possui, o que induz a pessoa a tranqüilidade e a paz de espírito, logo, não é algo que dependa apenas do bem estar financeiro, depende também do bem estar do coração e da alma. A pessoa que pode ser considerada próspera e a que, não necessariamente pode ser considerada rica, mas a que recebeu de Allah, a satisfação e um coração grato pelo que lhe foi dado e que por meio de seus bens outros também são beneficiados”.
“A prosperidade, portanto, possui um vasto sentido que abrange o bem estar físico e psíquico. O que é agraciado com ela é aquele que foram lhe conferidas dádivas materiais que não se tornam fontes de angústia, insegurança e perdição espiritual para ele. Já a riqueza no conceito vulgar adotado pela visão puramente materialista, é a que nenhuma das outras dádivas foram concedidas, quase sempre não é acompanhada da satisfação (o que faz seu possuidor tornar-se um escravo na busca de multiplica-la mais e mais), quase sempre é fonte de insegurança, luxúria, esquecimento e ingratidão para com Allah. A total ausência de paz de espírito o que conduz seu possuidor à infelicidade neste mundo e a ruína na vida futura”.
E mais adiante o comentarista vai além afirmando: “Temos nossos ricos, mas não podemos dizer que conhecemos “abundância” nem tampouco bem estar.
A questão então é: Se desejamos a prosperidade, não há outro caminho a seguir senão adotarmos as determinações divinas, Allah o Altíssimo, o possuidor de todos os bens visíveis e invisíveis não colocou-nos nesse mundo para que fossemos fustigados pela miséria ou pelo esforço infrutífero. Ao invés disso, dotou-nos de consideráveis faculdades e nos orientou para uma senda de equilíbrio e bem-estar. Tudo aquilo que comprovadamente o homem não pode alcançar pelo acúmulo vicioso da avareza, pelos meios que ferem os direitos de seus semelhantes e pelo egoísmo e a cobiça, Allah coloca ao alcance daquele que abandona tudo isso por amor a Ele.
Quando pensamos na abundância, raramente refletimos no seu profundo sentido, se um homem tivesse uma fonte de água pura jorrando de maneira incessante no fundo de seu quintal, ele se saciaria e espontaneamente cederia de sua água a todos os vizinhos próximos e aos viajantes, nem passaria por sua cabeça negar água a alguém, ele teria grande prazer em partilhar. Isso é prosperidade: Uma fonte incessante de bênçãos que produzem outras e se multiplicam”.9
O desiderato que esperamos encontrar ao final será aquele que nos fará olharmos para nossa própria imagem refletida em um espelho e sabermos,no fundo de nossa alma, que somos bons, honestos e prósperos não apenas em nosso próprio benefício, mas sim em benefício de toda a humanidade.
“Se vives de acordo com as leis da natureza, nunca serás pobre; se vives de acordo com as opiniões alheias, nunca serás rico”. (Sêneca).
Vivamos, pois, conforme nossa própria natureza que é boa, não conhece os vícios e não sabe fazer o mal. Se assim pensarmos e assim vivermos, com certeza, estaremos no caminho certo em direção da felicidade.
6.3 - “A humildade em sermos capazes de reconhecer nossas próprias limitações”.
Aristóteles (sim, aquele), dizia que a coragem do indivíduo se mede exatamente por esta capacidade de reconhecer suas próprias limitações. E sua intenção centrava-se na exata possibilidade de caber ao indivíduo a responsabilidade de aferir a justa medida acerca dos sentimentos de de medo e confiança.
Quem não tem medo não é corajoso, mas sim louco, pois não apenas coloca a sua integridade em risco como também daqueles que o cercam. Esta justa medida é estabelecida a partir da busca incessante pelo equilíbrio (“o caminho do meio”, como o próprio filósofo descrevia em sua obra). Afinal é o próprio pensador que afirma: "Na realidade, aquele que é possuído pela razão e enfrenta o perigo em vista do bem, aquele que não tem medo nessas circunstâncias, pode ser chamado o homem de coragem". 10
Trata-se de exercitar constantemente a humildade no reconhecimento de nós mesmos como pessoas que sentem insegurança, medos, anseios e temores que, mesmo sendo algo insólito ou simplesmente inexplicável, não podem alterar nossa capacidade de lutar de mourejar diariamente não contra aquilo que desconhecemos, mas sim contra aquilo que conhecemos e que almejamos evitar.
Evitar a insegurança e o medo do homem sobre o próprio homem, do lobo que existe dentro de cada um de nós e que revela nosso lado mais primitivo, ambicioso e desonesto.
Evitar que sejamos usados como instrumentos contra nossos semelhantes, prejudicando ao invés de colaborar, ferindo ao invés de curar.
Veja que não há fórmula mágica. É apenas um exercício que deve ser praticado todos os dias e todas as horas, demonstrando a verdade contida no ditado de que “ prática conduz à perfeição”.
6.4 – “Escolher sempre o caminho do meio”.
Aqui nos deparamos com uma virtude extremamente difícil de ser obtida com o simples exercício de atitudes, já que buscar o caminho do meio significa buscar o equilíbrio, sendo razoável concluir-se que este pode ser decomposto em equilíbrio interior e exterior. Passemos a analisar cada um deles separadamente.
Como bem sabemos o equilíbrio interior tem uma conexão íntima com autoconhecimento, ou seja, a capacidade que possuímos e que porém não exercemos de conhecermos a nós mesmos de forma integral: nossas capacidades, idiossincrasias, posturas, condutas e também nosso potencial.
Acreditamos que este autoconhecimento exige de todos um esforço quase imensurável que se desdobra em autocrítica e análise de possibilidades, da mesma forma que fazemos, quase sem perceber, quando estamos na infância ou na adolescência.
Nestas fases de nossa vida o medo e a insegurança possuem pesos e medidas totalmente diferentes, de tal modo que na primeira fase – a infância – somos capazes de aferir nossas inseguranças extraindo delas uma força extraordinária para aventurarmo-nos em direção ao desconhecido, sabendo que, independentemente do resultado, a experiência é o que realmente vale a pena ser vivenciado.
Já na segunda (a adolescência), além do arrojo alia-se a inexperiência que também conduz não à insegurança, mas sim ao medo, o medo da derrota, do desprezo e da oportunidade perdida.
Todavia, mesmo com todos estes aspectos desfavoráveis, vamos em frente, buscando a experiência indescritível do primeiro beijo, o primeiro abraço, e da primeira sensação de afeto que ocorre fora do seio familiar e que nos torna mais próximos de nossos semelhantes.
O componente comum em ambas as fases descritas é justamente o autoconhecimento e a autocrítica, cujo balanceamento nos vivifica em corpo e espírito e nos faz saber e sentir que somos humanos com todos os defeitos e qualidades que nos fazem maravilhosamente especiais não apenas para nós mesmo como também para o mundo que nos cerca.
O conjunto afinado destes componentes estrutura e dá razão de vida ao equilíbrio interior que nos oferece como resultado fundamental a paz de espírito que nos faz tão bem e que nos proporciona a possibilidade de encontrar o “caminho do meio”, aquele onde podemos caminhar livremente, sem medos ou temores e que também nos oferece a singela oportunidade de, vencendo qualquer barreira atingir nossos objetivos e conquistar não uma felicidade passageira, composta por bens materiais. O nosso prêmio está na obtenção de bens incorpóreos cuja receptividade é única aos nossos sentidos e sentimentos (razão a sensibilidade). Este equilíbrio interior nos proporciona a única coisa que vale a pena durante toda a nossa existência: viver inteiramente uma vida como se todo o seu conteúdo fosse uma oportunidade única e cujo resultado final é, apenas e tão somente, nos tornar pessoas melhores não apenas para nós mesmos como também para todos aqueles que nos cercam.
Com vistas à compreensão do equilíbrio exterior devemos enfatizar que este ocorre de forma dinâmica, em sintonia com o mundo que nos cerca, exigindo de nós a percepção de que integramos um sistema (um todo), que somente pode existir e persistir a partir de nosso esforço individual que se torna, pouco a pouco, um esforço coletivo, uma consciência universal que encaminha-se na direção do bem, do justo e do bom. Benéfico a todos, justo para com todos e bom seja de um na direção de muitos, seja de muitos na direção de apenas um.
Olhemos esta consideração sob outro aspecto: sempre que praticamos o bem, mesmo que inicialmente possa parecer que nada aconteça em nosso favor, devemos observar que o bem, tal como a colheita, resume-se à uma semeadura de quem investe não apenas em si mesmo, sempre preocupado com um resultado de ordem prática em seu próprio favor, mas sim como uma contribuição por um mundo melhor, e que somente assim o será se todos contribuírem para a mesma finalidade.
Jamais poderemos crer que se apenas um palestino acreditar que seja ele capaz de, isoladamente, interromper o círculo vicioso do terrorismo, não poderá ele desenvolver uma assim chamada “consciência coletiva” orientada para se tornar uma enorme corrente de boa-vontade e bem-aventurança, operando tal como um vírus que a todos contamina congregando o bem estar coletivo e a paz que não apenas se anseia, mas que se deseja de forma ardente e constante.
Alguns autores pensam que enquanto o equilíbrio interior é estático, o exterior é dinâmico, e, acreditem, eles tem razão para assim pensar, até mesmo porque esta não é uma análise empírica, exigindo ela muito mais que pequenos experimentos baseados em modelos.
Não podemos deixar em branco o fato de que o equilíbrio tem tudo a ver com nossa consciência também interior e exterior, sendo que esta última não opera do modo isolado, congregando somente interesses pessoais dada a relevância do fato de sermos seres coletivos tanto na superfície como na essência.
A conjuração destes elementos (equilíbrio interior e exterior) constitui a razão pela qual busca-se o caminho do meio, onde tanto um como outro estarão não em harmonia interdependente. Eles encontrar-se-ão em plena sintonia interna como também externa, revelando-se ao indivíduo como a sua face mais coerente com a sua própria essência, destinando a superfície ao segundo plano do desejos e ambições meramente satisfativas do ponto de vista material e que jamais poderão nutrir a alma e o espírito com a sensação de completude que nos persegue desde o nascimento até a morte.
(Fim da Primeira Parte).