O método etnográfico em algumas discussões de introdução a Antropologia
Partindo do princípio, a pré-história da Antropologia, o viajante é apenas o etnógrafo “amador”, aquele que vai descrever e criar uma problemática sem embasamento teórico anterior. Ou seja, eram apenas a pré-história da Antropologia, não um olhar antropológico. O que moverá o olhar dos viajantes a respeito da diversidade é a apenas a forma do “eu”.
Esses viajantes, na era das grandes navegações (exemplificado no filme 1492 A conquista do Paraíso - Ridley Scott - 1992) darão diferentes respostas para o encontro com a diferença, através de conceitos ideológicos e não científicos. A definição da alteridade, nesse caso o índio, é descrito como inferior, justamente pela ausência dos elementos europeus, dado como o Civilizador.
“Não basta viajar e surpreender-se com o que se vê, para tornar-se etnólogo. Porém, numerosos viajantes nessa época colocam problemas aos quais será necessariamente confrontado qualquer antropólogo. Eles abrem o caminho daquilo que laboriosamente irá se tornar a etnologia”. ( La plantine, François - Marcos para uma História do pensamento Antroplógico pág. 53 cap. I)
Assim coletar os modos de pensar, costumes, hábitos dentro da metodologia etnográfica científica, sendo possível a análise do material e sua interpretação através do ponto de vista do outro, é o que diferenciará a abordagem antropológica do olhar dos viajantes.
Roberto da Matta em “O ofício do etnólogo, ou como ter Anthropological Blues” descreve dois movimentos do olhar antropológico. Transformar o exótico em familiar e o familiar em exótico. O primeiro colocado como o oficio do etnólogo, o de ir ao encontro do “outro”. Sair da sua sociedade e observar a realidade da outra cultura, esse contato com a alteridade que traz a relativização. O outro similar ao “eu”, caminhando ao oposto do universalismo etnocêntrico . O qual faz ver os valores da sociedade a que pertenço como valores universais. Universalismo que se difere de particularismo.
“Enfim relativizar é ver as coisas do mundo como uma relação capaz de ter tido um nascimento, capaz de ter um fim ou uma transformação. (...) Ver que a verdade está mais no olhar que naquilo que é olhado. Relativizar é não transformar a diferença em hierarquia, em superiores e inferiores ou em bem e mal, mas vê-la na sua dimensão de riqueza por ser diferença”. (Everardo P. Guimarães Rocha – Pensando em partir – O que é etnocentrismo? Pág. 20)
No segundo movimento, o desafio do etnólogo é observar a sua própria realidade, encontrar estranheza naquilo que já está cristalizado pelo cotidiano. Podendo ser feita uma relação com o que coloca P. Burke em “Estereótipos do outro”, ao falar dos “outros” dentro da própria Europa. Para Burke, estereótipos e clichê exercem a mesma função.
“O processo de descoberta e análise do que é familiar pode, sem dúvida, envolver dificuldades diferentes do que em relação que é exótico. Em princípio dispomos de mapas mais complexos e cristalizados para nossa vida cotidiana do que em relação a grupos ou sociedades distantes, ou afastados.” (Gilberto Velho – Observando o familiar in: Individualismo e Cultura pág. 128 cap. 9)
Antes dessa discussão, deve-se voltar a primeira metade do século XIX, quando Bronislaw Malinovski (1884-1942) dá início a observação participante, relatando em “Os Argonautas do Pacífico Ocidental” as características da vida do etnólogo na imersão total, afastado da companhia e informações de outros homens brancos, vivendo o mais próximo possível dos nativos.
Criando assim, o tripé do método etnográfico. Estrutura, organização escolha do método de documentação. Recolhimento de dados por um diário etnográfico, anotações de detalhes importantes e o “sangue a carne”, observação de ações implícitas na rotina, ocorrências típicas da cultura.
(...) “O investigador deve guiar-se por objetivos verdadeiramente científicos, e conhecer as normas e critérios da etnografia moderna; em segundo lugar, deve providenciar boas condições para seu trabalho, o que significa em termos gerais, viver efetivamente entre os nativos, longe de outros homens brancos; finalmente, deve recorrer a um certo número de métodos especiais de recolha, manipulando e registrando as suas provas” ( Bronislaw Malinowski – “Os Argonautas do Pacífico Ocidental” pág. 21)
Pela primeira vez, a visão do nativo é usada como referencial. Chega-se então ao oposto da Antropologia de gabinete.
“É preciso que o antropólogo ouça o que as pessoas dizem, e veja o que elas fazem”.
A descrição densa, parte do trabalho etnológico, nada mais é que o resultado dessas observações que buscam respostas. Ela é interpretativa e está a procura de significados.
Ao verificar com atenção um grupo de pessoas num campeonato poker, é simples descrever que o jogador “x” , passou a mão na orelha, ou no nariz, isso seria apenas uma coceira para um leigo no assunto. Porém o jogador “x” , passa a mão esquerda na orelha, logo depois na ponta do nariz e ainda encosta levemente um dos cotovelos sob a mesa, numa comunicação com seu parceiro, o jogador “y”. A troca de informações não-verbais, típicas de praticantes de jogos de cartas, é um jogo, dentro do próprio jogo, onde esses detalhes, para alguns quase imperceptíveis, se tratam do “truque” para ludibriar os oponentes, e dar a cartada certeira.
Interpretar é realizar o movimento “pendular”, de manter os olhos entre os pólos micro e macro. Segundo Geertz a etnografia é uma descrição densa, e fazê-la é como tentar ler um manuscrito estranho, e claramente encontrar seus significados. E explica que é preciso estar lá, mas manter algum distanciamento , já que nenhum antropólogo vai reproduzir a cultura do outro.
Os fenômenos sociais, não podem sem reproduzidos.
A Antropologia é o estudo da cultura do “outro”. Porém, o antropólogo não está isento de se envolver subjetivamente no processo, afinal não há como desconectar o ofício do emocional.
Para Geertz o conceito de cultura, é uma definição semiótica, onde todos os homens estão presos a uma teia de significados, por eles mesmos tecida o tempo todo. Logo a cultura não é estática, está sempre produzindo sentidos e significados através de sua intensa dinâmica.
(...) “assumo a cultura como sendo essas teias e sua análise; portanto não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado”. (Clifford Geertz – A interpretação das culturas pág. 15 cap. 1 )
Sendo em Malinowski, a busca pelo ponto de vista do “outro”, e a recolha dos seus depoimentos como uma espécie de documento da mentalidade nativa, um dos tripés do método etnográfico, Geertz trará a crítica ao objetivismo, que propõe a neutralidade na interpretação dos antropólogos, sobre as interpretações dos nativos. Segundo ele subjetividade e objetividade caminham juntas, e que a descrição densa deve compreender os símbolos sociais, através do trabalho metódico de campo, onde sua construção se dará da construção dos nativos sobre suas atividades. Nada além, de explicação de explicações.
“Nos escritos etnográficos acabados, inclusive os aqui selecionados, esse fato – de que o que chamamos de nossos dados são realmente nossa própria construção das construções de outras pessoas, do que elas e seus compatriotas propõem - está obscurecido, pois a maior parte do costume, uma idéia, ou o que quer que seja está insinuado como informação de fundo antes da coisa em si mesma ser examinada diretamente” (Cliford Geertz – A interpretação das culturas – pág. 19 cap. I )
Em “Argonautas do Pacífico Ocidental” Malinowski, deixa claro que os métodos, as abordagens, os roteiros não devem se perder do objetivo final, que é compreender o ponto de vista do nativo, sua visão do mundo e a relação dele com a vida. E esse contato, o sentimento e sua subjetividade, dará a recompensa do estudo do Homem.
“Um dedução possível, entre muitas outras, é a de que, em Antropologia, é preciso recuperar esse lado extraordinário das relações pesquisador/nativo. Se este é o lado menos rotineiro e o mais difícil de ser apanhado da situação antropológica, é certamente porque ele se constitui no aspecto mais humano da nossa rotina”.
(Roberto Damatta – “O ofício do etnólogo, ou como ter Anthropological Blues” – pág. 9)