Sobre o adestramento matemático
Vários animais podem ser adestrados, e, dessa maneira, executar algumas funções consideradas precipuamente humanas. Assim, cães podem ser induzidos a sentar em resposta a comandos verbais, e cavalos instados a erguer as patas alternadamente em uma espécie de dança pesada. Podemos ver outras tantas proezas análogas em circos.
O encanto que alguns encontram em tais ações parece ser o de fazer um animal simular uma atividade que lhe deveria ser impossível. O cão adestrado parece compreender a língua ao obedecer ao dono, o cavalo parece dançar ao som de uma música, atos superiores às suas capacidades.
Uma aranha não é adestrável. Embora ela execute um conjunto padronizado de ações ao construir sua teia, caso seja uma das etapas anteriores de sua construção seja desmantelada, o animal terá que refazer toda a obra, desde o início, sendo incapaz de reconhecer o “serviço” já pronto e continuar a partir dali; seu procedimento é absolutamente automático e imutável.
A capacidade cognitiva humana é imensamente superior à de outros animais, de modo que, para uma pessoa qualquer, compreender e executar ordens simples não requer nenhum treinamento prévio. Um indivíduo humano só se apresentaria em um circo para demonstrar seu próprio adestramento usando um nariz vermelho.
Professores de matemática, no entanto, vêm aperfeiçoando um método de adestramento de seus alunos. O processo funciona do seguinte modo: o professor apresenta um conjunto de números, e fala ou escreve uma certa palavra, algo como: “teste X”. Ao comando, o aluno já previamente adestrado, “pega” o primeiro número e o reescreve no papel, “pega” o segundo e o reescreve em uma posição previamente determinada relativa ao primeiro, e assim sucessivamente, executando, entrementes, algumas operações automáticas tradicionais, e já previamente incorporadas ao seu conjunto de habilidades. Ao final da ação, o aluno apresenta um número resultante das seguidas operações.
Deve-se ressaltar que todas as operações são executadas pelo aluno adestrado de maneira cega, sem a menor compreensão de qualquer das etapas efetuadas por ele mesmo. Repete um conjunto ordenado de ações do mesmo modo alienado e submisso que cães, cavalos e outros animais de circo (alguns não chegam a tanto, e, se necessário refazer alguma etapa intermediária, precisarão repetir todos os passos desde o início, como as aranhas.)
Ao contrário do aprendizado matemático, o adestramento pressupõe, ou até impõe, a completa incompreensão da atividade realizada. Do mesmo modo que um equino adestrado, o aluno executa uma série de atividades sem ter a mínima ideia das razões que o levam a executá-las.
Um indício fortíssimo de adestramento acontece quando o aluno não consegue compreender o problema e pergunta: esse é o caso tipo A, ou B? Dependendo do caso, executará cegamente um conjunto diferente de procedimentos previamente introjetados. Se compreendesse o problema, saberia a que tipo de caso pertence. O que não o compreende, obviamente, é incapaz de solucioná-lo, ainda que possa macaquear e fingir que o faz, assim como um animal adestrado.
Curiosos também são os tipos de erros cometidos por alunos adestrados. Imaginemos um pintor de paredes adestrado. Ao ser contratado para pintar uma casa poderia entrar em um cômodo e perguntar: esse é o caso azulejo?, no qual só se devem lavar as paredes, ou é o caso reboco, no qual as paredes devem ser pintadas? Um pintor que assim se comportasse, seria considerado um idiota, e dificilmente contratado por alguém para pintar uma casa. Um tal pintor, ao ser contratado para pintar um cômodo, poderia pintar seguidas vezes a mesma parede, deixando intocadas e sem pintura as restantes. Um erro tão óbvio e absurdo, só poderia ser cometido por alguém que executasse automaticamente uma ação, sem a menor ideia da razão de sua execução. Do mesmo modo, um cozinheiro adestrado em sua arte, talvez colocasse o arroz cru em uma panela, e levasse uma outra, vazia, ao fogo para cozinhá-lo. Uma ação tão disparatada sugeriria que seu autor não teria nenhuma ideia do que estava fazendo, executando apenas ações automáticas como um mico de circo. Pessoas comuns não costumam agir de tal maneira, a menos que tenham sido adestradas por professores de “matemática”.
Outro sinal de adestramento ocorre quando o aluno pergunta: para que eu preciso saber isso? (para se assemelhar a um animal de circo?)
O aprendizado matemático, obviamente, pressupõe compreensão. Em nada se assemelha ao adestramento de animais.
Muitos “professores” de matemática, pagos para isso, não têm a menor ideia do que seja a matemática, tendo sido, eles mesmos, adestrados desde a infância. Estes são capazes apenas de adestrar seus alunos, não compreendem aquilo que deveriam ensinar. Costumam abominar a contagem nos dedos, e exigir que o aluno resolva os problemas exatamente da maneira que ensinaram, sendo incapazes de reconhecer uma solução correta para um problema obtida através de outro caminho.
Embora a matemática tenha inúmeras aplicações e “sirva” para muitas coisas, sua principal função é o aperfeiçoamento do raciocínio dos alunos, e não seu conteúdo. O adestramento matemático, ao contrário, parece uma tentativa de transformar o aluno em um animal de circo; no mais das vezes o transformará em um selvagem.