A Decadência dos Mitos e dos Preconceitos Contra os Povos Indígenas: uma visita à comunidade Xerente no município de Tocantínea-TO.

SOUSA, Wolney Jácomo¹.

Mesmo diante dos vários mitos e preconceitos instaurados pela sociedade denominada branca contra os povos indígenas, a sabedoria nata desses superam, soberanamente, a vontade de supremacia daqueles.

Essa afirmação acima foi mais do que confirmada durante a visita à aldeia Xerente, localizada no município de Tocantínia, no Estado do Tocantins, realizada nos dias 17 e 18 de abril de 2010. A importância de tal visitação se deu, exatamente no sentido de eliminar alguns dos maus julgamentos realizados pelas pessoas que vivem nos núcleos urbanos contra a cultura indígena.

Ao contrário do que se pensa, os costumes cultivados pelos indígenas conservam uma grande riqueza cultural; a começar pela preservação da sua língua materna, que é super valorizada por eles.

Assim, a língua indígena é um dos grandes ícones responsável pela manutenção de sua cultura, fato confirmado a partir da fala de um dos componentes entrevistado na aldeia: “a Língua, assim como a Terra, é a nossa mãe. Nós costumamos chamar a Terra e a nossa Língua de mãe, porque são delas que nós conseguimos tudo” (SÔPRE² , 2010).

Mesmo reconhecendo a Língua como delineadora da cultura indígena, os povos da comunidade não dispensam o conhecimento da segunda Língua, idioma oficial do Brasil, a Língua Portuguesa.

A princípio, esses povos priorizam o aprendizado da sua própria Língua: Akuwen – do grupo linguístico Macro-Jê –. Somente depois, partem para o aprendizado do Português, tendo em vista a necessidade de se falar essa Língua no território brasileiro.

Dessa forma, a segunda Língua é adotada pelos indígenas como um meio, também, estratégico, de não ficar fora das tomadas de decisões e, analogamente, de defenderem os seus próprios interesses e seus direitos enquanto sujeitos dentro da sociedade brasileira.

Embora a influência dos povos brancos tenha infiltrado em suas comunidades, os índios não menosprezam a sua própria cultura e, tampouco, rejeitam, por completo, os costumes dos brancos; visto que, na atual conjectura, essa aproximação se torna inevitável, devido à iminência entre as aldeias e os centros urbanos.

Além da conservação da Língua materna indígena, o seu grande sustentáculo cultural, as outras formas de manter as suas culturas, foi demonstrado a partir das danças tradicionais; da produção dos seus artesanatos, tais como: o arco e flecha, o maracá, e outros; das pinturas corporais, as quais não servem apenas de adornos para o corpo, mais do que isso, tem a finalidade de determinar a qual clã a pessoa pintada pertence. Ou seja, os desenhos feitos no corpo, com a nódoa do jenipapo ou com o urucum, definem os membros pertencentes a cada clã, assim, para cada clã existe uma pintura diferente.

Sabendo-se que a religião é definida diferentemente de religiosidade, isto é, enquanto a primeira é conceituada como sendo as diferentes denominações ou doutrinas religiosas, as quais podem ser escolhidas para serem seguidas pelo homem. A segunda é inerente ao ser, por isso, ao contrário da religião, não pode ser escolhida pelo homem, apenas se nasce com ela e já está no íntimo de cada ser vivente. (OLIVEIRA, 2003, p.07)

Baseado na distinção entre esses dois conceitos, percebeu-se que, embora os povos indígenas tenham sofrido a influência das religiões de ordem cristã, eles não deixaram extinguir a religiosidade pertencente à tradição.

A religiosidade indígena é guiada pelo Pajé. Fala-se de religiosidade porque, de acordo com Sôpre (2010), todo o conhecimento religioso do Pajé se deu de forma natural, ou seja, surgiu espontaneamente.

Conforme o entrevistado, somente o Pajé tem permissão para realizar os rituais na aldeia. Além disso, ele é capaz de realizar as curas nas pessoas doentes, bem como identificar as ervas para a cura das doenças. Pois, conforme o relato do entrevistado, o Pajé é o único, entre os indígenas, capaz de enxergar “os donos das árvores, dos rios e outros” – seres invisíveis, que mostram quais são as ervas benéficas para se tomar.

Segundo Sôpre (2010), grande parte dos membros Xerentes pertence a uma denominação cristã, mas tal doutrina religiosa não tem o poder de manipulá-los a ponto de desacreditar na religiosidade que lhes é própria: “nós não gostamos quando, por acaso, a religião do branco obrigar a gente a não acreditar no Pagé... aí, a gente não aceita. A gente acredita na religião dos brancos, mas, também, acreditamos na nossa”, afirma.

Verificou-se, ainda, que, culturalmente, os indígenas são muito obedientes e educados uns para com os outros, e cultivam o respeito mútuo, conforme o relato de um dos entrevistados:

diferente dos brancos, nós não temos o costume de olhar nos olhos das pessoas enquanto elas falam com a gente. Nós ficamos com a cabeça inclinada para baixo, isso, para poder se concentrar no que o outro está falando e entender tudo e, também, como uma forma de referência e respeito pelo outro que fala. (SÔPRE, 2010)

Além disso, durante os dois dias de visitação à aldeia, a equipe de pesquisa observou que a receptividade das pessoas da comunidade indígena, se dá de maneira pacífica, acolhedora e com muita boa vontade; proporcionando, dessa forma, a interação com os visitantes.

No atual contexto sócio-histórico dos Xerentes do Estado do Tocantins, não mais se pode atribuir a eles o título de primitivos, pois os indígenas já possuem consciência de si, bem como da sua atuação no mundo em que vivem. O conhecimento amplo já faz parte da rotina diária da cultura desse povo.

E, exatamente por reconhecerem-se diante do mundo, enquanto sujeitos e não como meros objetos, dentro do processo da vida humana, que os índios sabem da importância de preservarem ao máximo os seus traços étnico-culturais.

Portanto, a realidade vivenciada, atualmente, pela comunidade indígena está se distanciando, a cada dia, da antiga crença dos brancos de que para ser índio é preciso: usar cocar de penas na cabeça, não vestir roupas e morar em ocas de palha.

Esse tipo de pensamento somente é alimentado por parte das pessoas que ignoram e desconhecem a cultura indígena. Assim, para que o homem branco não perpetue com esse tipo de ideia, é necessário conhecer e conscientizar-se da grande riqueza cultural criada e cultivada pelos índios. Essa é uma maneira de se conseguir vencer e colocar em decadência o preconceito e os vários mitos, gerados pelos brancos, em torno dos povos indígenas.

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¹ Especialista em Docência do Ensino Superior; Bacharel em Ciências Econômicas, Universidade Federal do Tocantins; Licenciado em Letras- Língua Portuguesa, Universidade Luterana do Brasil; acadêmico do Curso de Letras – Língua Inglesa, Universidade Federal do Tocantins.

² Acadêmico do Curso de Ciências da Linguagem, Universidade Federal de Goiás; professor indígena de Línguas da aldeia Xerente;

Referências Bibliográficas

OLIVEIRA, Adalgisa A. Aulas de Religião?. In: Revista Mundo Jovem. Ano XLI, nº 333, fevereiro de 2003. Porto Alegre, 2003.

SÔPRE, Armando. Cultura, cosmos e religiosidade: depoimento. [18 de abril de 2010]. Tocantínia, 2010. Entrevista concedida a Wolney Jácomo de Sousa.

Wolney Jhákomo
Enviado por Wolney Jhákomo em 19/08/2010
Código do texto: T2447179
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