COMENTÁRIO DE COMENTÁRIO

AVENIDA

Pisando firme

Equilíbrio de estátua

Estive apática

Agora quero uma poesia inexata

Um poema sem forma

Um verso que não se conforma

Um grito absurdo

Uma bandeira que se desfralda

Passos de léguas

Quero distância do sentimento

Quero da poesia o fingimento

E perdida nos becos de minha mente

Improvisada poesia

De mulambos vívidos

Insípida poesia

Quero a rua

A avenida louca de falta de sentido

Quero o meu perdido vestido

16/08/2010 00:50 - Augusto Sampaio Angelim

Falas, no final, de alguma boneca de pano, destas das feiras do interior? Pela minha pergunta, sabes quão infinito é o sentido da escrita. Belo.

O momento em que se produz um poema é equivalente a um momento em que algo de nós se desprende e vive uma realidade distante dos sentidos comuns. O que do sujeito se liberta e vive uns minutos de êxtase? O chamado “eu” poético? Não seria o “ele” poético? O “nós” poético? O “vós”?

O poeta é um ser refém desses sujeitos poéticos e, além disto, lhes é, também, subserviente.

Percebe-se a existência de uma suprarrealidade. Ao dela retornar, o poeta não pisa firme e sequer reconhece o produto que traz nas mãos e expõe em sua obra. Não há mais o equilíbrio de uma estátua, entretanto, permanece a apatia perante a realidade da fotografia daquela suprarrealidade.

Esse universo poético não tem a ver com as concepções religiosas da espiritualidade, mas com a realidade maior, quem sabe, de uma inteligência cósmica e coletiva.

A passagem da impressão trazida daquele mundo à parte para o papel ou para a tela de um computador apresenta apenas e tão somente um instantâneo ínfimo da realidade visitada.

Particularmente, é impossível afirmar se a realidade supra é o que chamaríamos de algo como Planeta Poesia, ou ainda se teríamos nos encontrado com o ser Poesia. Um ser completo e complexo, de tamanha beleza e luz, virtudes e defeitos, lascívias e desalinhos. Inclusive mazelas e inexatidões, fingimentos e fraquezas.

Seria a Poesia uma espécie de universo ou de ser? Um ser feminino ou um ser masculino? Em francês, a palavra mar é do gênero feminino, diz-se LA MER. Em língua portuguesa pensa-se O MAR, algo forte, bravio, incontrolável, masculino: O MAR. Não saberia dizer o que pensam os de língua inglesa, pois tudo para eles começa com THE (o, a; os, as). The sea, the ocean, the man, the woman. Claro que, ao dizer THE MAN, o falante de língua inglesa imagina um ser masculino, mas ao mencionar THE SEA, o que terá em mente?

Esta tentativa de reflexão tem a ver com o comentário de Augusto Sampaio Angelim sobre o meu poema AVENIDA: “Falas, no final, de alguma boneca de pano, destas das feiras do interior? Pela minha pergunta, sabes quão infinito é o sentido da escrita. Belo”.

Quanto à pergunta contida no comentário, diria que me lançou à infância. A minha avó paterna sabia fazer as bonecas de pano. Eu tinha medo dessas bonecas. Depois passei a vê-las lindas e dóceis. De toda forma, elas, as bonecas, carregam um significado muito grande em seus corpos de retalhos e cores. Ainda existem bonecas dessas nas feiras nordestinas e até em requintadas casas de venda de produtos artesanais, inclusive em lojinhas de aeroportos.

A pergunta do comentário continua aqui, fazendo outras perguntas sobre aquele momento ao qual me referi no início do texto. Mais que verdadeiro é o fato de ser infinito o sentido da escrita, o que se encontra na segunda parte do aludido comentário. A prova maior é a de que eu não pensei nas bonecas de pano, ou penso não haver pensado.

Leio e releio o texto AVENIDA em busca da boneca. E, então, sou eu mesma a me convencer que, na viagem ao universo poético, o sujeito da poesia viu ou sentiu-se, ou projetou a tal boneca feita de mulambos, o brinquedo das crianças pobres da roça _ mas que, da mesma forma que o tango saiu dos cabarés para os salões da alta sociedade, o brinquedo ganhou os ambientes burgueses.

Há também e claramente um sentido psicológico na metáfora da boneca de feira. Está mesmo claro no final de AVENIDA, quando aquele pequeno ser feito de panos, teria adquirido vida em meio à falta de sentido e se vê nua e desesperada em busca do seu perdido vestido.