A SOLIDÃO DE ESCREVER

Aos meus queridos leitores:

A meu ver, sob as luzes do cerne do que sinto, não nego que o ato de escrever se trata dum ritual paradoxalmente solitário.

Digo solitário porque desconheço um outro momento em que, comparado àquele que empunhamos a escrita, possa ser comparado à tamanha introspecção dum escritor.

Por outro lado, digo paradoxalmente , porque também desconheço uma arte que exija do interlocutor uma maior extroversão ao seu meio, para trazê-lo às luzes das suas letras.

Há quem acredite que escrever é terapêutico, e aqui eu lhes asseguro que tal crença tem embasamento científico.

Um escritor jamais escreve apenas porque o quer, mas principalmente escreve porque precisa escrever e tal necessidade ocorre em todas as artes, não apenas na literatura.

Fazer "arte" seja ela qual for, lhe surge ao artista qual a necessidade do ar que respira.

Por outro lado, no momento da escrita há um intercâmbio muito íntimo do escritor com o meio, quase uma simbiose aos corpos e almas do entorno, e não há escritor que não se traga no todo de si para o conteúdo dos seus textos, sejam eles poesias, ensaios, pensamentos, crônicas contos, sejam eles textos de realidade ou de ficção.

Escrever talvez seja a maior das artes anti-alienação que nos é disponibilizada a todos, porque nos seria impossível escrever sem um mínimo de conexão com os acontecimentos do mundo que nos cerca, esse dinâmico mundo de acontecimentos explícitos ancorados em muito do que não se vê, mas que um escritor tão bem consegue pressentir antes de desenhá-los na fictícia- realidade da sua arte.

Mais que isso!

Quando defino "mundo que nos cerca" falo da visão global de mundo, e falo de toda sua humana inserção, no profundo auto- conhecimento do ser e da sua matéria cósmica, e não apenas falo de mera descrição dos fatos e pensamentos que nos cercam e nos permeiam no dia a dia.

Escrever nunca foi um ato inconsequente porque, na aparência dum simples texto , várias percepções se coaptam para formar um corpo de pensamento, aonde a lógica impera na construção das suas asserções e figurações para assegurar a coerência de suas mensagens.

E por assim ocorrer é que nós escritores damos vida aos nossos textos: olhando, enxergando, sentindo, pensando, abalizando, deduzindo como numa fórmula matemática aonde dois e dois podem alcançar vários resultados, a depender da recepção de quem nos llê, posto que ler, também é uma arte que completa a escrita, e sem a qual não poderíamos escrever...jamais.

É por isso que quem se vale da literatura, lendo ou ecrevendo, jamais está sozinho.

E se ler é arte, interpretar o que se lê é obrigação artística de quem traz muito de si no tal ato de compreender.

É por isso que, frente ao que escrevemos, não existe interpretações totalmente certas ou erradas, e sim um linha coerente de interpretações compatíveis com cada um, posto que todos também nos levamos intimamente nas diversas viagens que fazemos pelos textos que nos propomos a degustar com os sentidos...

Um único texto, quantos destinos nos corações dos tantos leitores!

E que maravilhosa arte a da literatura!

A difícil arte dum doar e receber recíproco que preenche tanto os vazios de quem escreve como os vazios de quem lê.

E escrever talvez seja um dos maiores atos de diferença no mundo em que vivemos, posto que coloca o Homem perto do Homem, e eu desconheço algo que seja mais humano do que se sentir bem perto, não apenas de corpo, mas principalmente de alma.

E humanizar sempre será fazer a diferença, basta que conheçamos os caminhos, que são muitos. É viver...conhecer e escrever.

Certa vez, acho que já descrevi isto por aqui, ganhei um livro cujo prefácio dizia assim:" Deus criou o homem porque gosta de histórias".

Sempre lembro daquele escrito. De fato, deve ser sim.

Mas eu o completo com um pensamento: " E o mesmo Deus criou o escritor para contar as muitas das Suas histórias".

E se, como também ecreveu Éça de Queirós, "O maior espetáculo para o homem será sempre o próprio homem", nada mais válido do que os escritores se valerem do palco da vida para criar.

E literatura ,na prática é Logosofia: é sentir , viver e tentar entender nos textos que contactamos com a nossa emoção, o porquê da vida exatamente como ela é.

Não há como se fugir deste destino de escritor!

Não há como se ser mais fidedigno à arte que a própria vida cria.

E se escrever é um ato solitário, eu diria que, das solidões acompanhadas, escrever é a que mais nos gratifica, posto que é a única solidão que conheço que paradoxalmente nos conecta ao prazer de coexistir.