ensaio sobre deus.
Como acreditar na idéia de que uma entidade que veio do nada, criou o universo e todas as coisas que ele encerra, inclusive o homem, e tortura-os eternamente por amá-los? Ainda que possamos tomar como verdade tal idéia, que tal criatura egoísta é essa que criou os seres pelos simples objetivo de ser amado pela própria criação, disfarçando pelo livre arbítrio a vassalagem?
Se antes da criação de todas as coisas nada havia, logicamente, tal entidade criou o cosmo, a chuva, o amor, a beleza, e foram criados também o ódio, a guerra e todas as outras coisas que estamos acostumados a ver. Ainda que se diga que esses "maus" sentimentos como o ódio, rancor e inveja sejam uma escolha do homem, ou o simples fato da não presença de deus, então é evidente que sua onipresença não é verdadeira, ou se é, e ele nada interfere para nos ajudar, então não se importa, logo não é um deus justo, ou se se importa e não faz nada, não é onipotente. Ora, desta forma o criador não pode deter concomitantemente a onipotência e onipresença, logo, não é um deus.
Ainda que seja onipotente e onipresente e não queira interferir no mundo dos homens, então a única forma de ser realmente um deus infinitamente justo seria cessando de existir, para que o livre arbítrio se faça justo.
Muitas publicações tratam da existência (ou não) de deuses, mas neste caso, tratarei apenas do motivo pelo qual as pessoas acreditam em tais deuses, por imposição ou resignação.
É correto afirmar que desde os tempos imemoriáveis o ser humano crê na existência dessa força infinita que tudo rege, e atribui a ela os fatos que não pode explicar. Os povos primitivos acreditavam que a procriação era parte do plano divino, visto que eles, os primeiros pensantes, não haviam atribuído a gravidez ao coito. Na idade média, por exemplo, a epilepsia era tida como divina, pois não havia o ser humano chegado ainda a uma explicação racional do funcionamento de tal desfunção somática, e hoje os teólogos atribuem à criação do cosmo à obra do “altíssimo”.
Ainda que evoluíssemos cientificamente de tal maneira que pudéssemos responder às questões que hoje não tem respostas, ainda assim, outras questões caberiam aos deuses, pois a credulidade não tem cognição, visto que uma mentira contada ao longo de séculos vira verdade e, mesmo derrubada, ainda perdura vigorosa. É fácil notar então que a fé dos crentes não é baseada em fatos e explicações, mas na simples necessidade de acreditar.
Talvez a ânsia por compreender certo assunto chegue a um ponto sem saída, num corte temporal, evidentemente, que as explicações trascedentais se façam necessárias, assim, está estabelecido o nascimento do mito dos deuses.
Outra lacuna a qual um deus frequentemente preenche é a dos medos. Aliás, o medo consiste no desconhecido, pois o que conhecemos e nos é vil, deixa de ser medo e transforma-se em impotência resolutiva ou indiferença natural e/ou social.
Façamos a seguinte ilustração: Imagine uma criança de uns poucos anos que, na hora de dormir, encontra-se sozinha em seu quarto escuro. Deitado em sua cama, sua imaginação voa, criando seres terríveis por toda a parte do quarto: debaixo da cama, dentro do armário, atrás da porta. Obviamente que tais monstros nunca existiram realmente, mas apenas na imaginação da criança e que nada, a não ser ela própria, poderia causar-lhe algum mal. Ainda assim, a criança naturalmente corre para o quarto dos pais, que dormem tranqüilos.
A humanidade pode ser comparada a essa criança, visto que tememos o desconhecido (o escuro), somos aterrorizados por medos criados por nós mesmos, como a violência, a bancarrota, a implacável indiferença da natureza (quais os monstros da criança), assim corremos para o quarto de nossos pais, ou seja, deuses. Ainda que nada façam, apenas a sua presença, ou a idéia dela, já acalenta nossos corações.
A criação dos deuses faz parte, então, da infância intelectual do homem, e homens (ou mentes) adultas não são capazes de imaginar com tanto afinco a ponto de assustarem-se com a própria criação.
É tão evidente tal função que podemos notar como cada deus e religião prega diferentes formas de atuação divina, preenchendo as lacunas culturais exclusivas de seus povos, soterrando as questões sem explicação, e por conseqüência, ludibriando as inquietações do ser. Assim, digo que a religião funciona da mesma forma para um crente quanto a bebida para um ébrio, ou seja, desprendendo-os da realidade, fazendo-os felizes.
A idéia de um ser perfeito, maestro do infinito, sempre esteve presente na mitologia de todos os povos e parece ser tão natural quanto à vida ou o medo. Dos deuses mesopotâmicos aos imponentes gregos, dos deuses e seres fantásticos do norte do velho mundo ao deus único do oriente. Jesus Cristo, Alá, Danú, Rá, Pã, Zeus, Júpiter e tantos outros!
Suas atribuições percorreram os séculos e tornaram-se tão obvias que se elevaram ao parâmetro de axiomas.
Se, por quaisquer motivos, um povo acreditava que as chuvas eram obras de deus e seus descendentes ouviram tal explicação de seus pais, que por sua vez ouviram de seus pais e assim por diante, é chegado um momento que, basta apenas ver a chuva, para constatar a existência da entidade criadora.
Mas se a chuva é o efeito, e hoje as causas são conhecidas, causas físico-químicas, ainda assim, as chuvas são atribuídas a um deus, que deixou de controlar a chuva primordialmente, mas que agora é criador do mecanismo das causas. Essa “vontade” de acreditar em algo deixou de ser natural quando o homem atingiu certo grau intelectual, sendo capaz de investigar e chegar a conclusões plausíveis na maioria dos assuntos pertinentes, embora uma grande parcela dos habitantes do mundo ainda acredite nessas mitologias fantasiosas, ora por imposição, ora por tradição.
Alias, tradição é, sem duvida, um eufemismo para preguiça filosófica, ou seja, preguiça de investigar o desconhecido, seja efeito, seja causa.
Se por um lado, aquele que crê vê deus em cada causa ou efeito sem razão explícita, aquele que duvida, vê sua impotente inteligência nas mesmas situações. Desta forma, podemos concluir que deus é senão um emplasto curador da dor que a ignorância nos causa, embora a ignorância não seja de todo um mal.