ENTRE TRÊS REIS
No crepuscular da última semana, recebemos, à luz de uma dedicatória fraterna, a ilustre visita do escritor José Ribamar Sousa Reis, através do seu livro monográfico “Raposa: seu presente, sua gente, seu futuro.” No aconchego do nosso mirante, na Cidade Operária, de onde não podemos espiar quaisquer marés, acabamos por vislumbrar toda a praia da Raposa, cuja “comunidade – conforme citação do professor Ramiro Azevedo, que o Reis oportunamente transcreveu - tem como chefe o próprio mar”.
Obra eminentemente de investigação, através da qual o autor ratifica sua verve de estudioso e repórter, “RAPOSA: seu presente, sua gente, seu futuro” é um trabalho que transmuda a face de um município que timidamente se deixa abraçar pelo Curupu no triângulo amoroso que ambos fazem com a Praia do Carimã.
Vale salientar a ousadia com que Reis desenvolveu seu trabalho minudente, adentrando questões que envolvem a educação, a política, a cultura, a saúde e a sociedade raposenses.
No delinear de cada página, desenvolvem-se os aspectos geográfico, histórico e econômico do Município, inspirados em obras de estudiosos renomados e, subsidiariamente, em informações que o autor constatou in loco.
Fidedigno na transcrição do povo raposense, o escritor engolfa-se no passado histórico da Raposa, buscando a intrínseca relação existente entre sua gente e outros povos vizinhos do Maranhão, dentre os quais o cearense. As mazelas do lugarejo se confrontam com a Vila do Bem Viver. Pesca e artesanato debruçam-se sobre as mesmas tradições, encorpando uma biografia suntuosa de um Município que desponta no mapa geopolítico maranhense.
Para um escritor que é versátil em sua arte de bem escrever, não faltam as poesias extraídas das veias de Stella Leonardos, do poeta repentista Cosmo Saldanha da Silva, o velho Cornélio, nem aquela de própria lavra, que fez em homenagem a Chico Noca. Ainda há as letras de toadas, poesias e contos, com os quais ele mescla o seu itinerário monográfico. Consegue, também, ilustrar sua obra com um fragmento de “O Dono do Mar”, do escritor José Sarney, romance magnífico que dispensa o parentesco literário com “Os trabalhadores do Mar”, de Victor Hugo.
A parte iconográfica de “Raposa: seu presente, sua gente, seu futuro” também é cúmplice da preocupação organizacional do autor, o qual chega a ser fiel, inclusive, à realidade circundante da orla marítima. As minúcias se beijam no fecundar de novas informações e tomam conta do texto, como o próprio mar da praia.
Ademais, na alma do artista, sobejam inspirações, motivo por que já pretende estender o mesmo projeto aos demais municípios maranhenses. Uma pretensão digna de louvores, mas que requer tempo e a boa vontade de administradores que venham a patrocinar a obra, com interesses que sejam eminentemente em prol da cultura do Maranhão.
Para quem teve oportunidade de ler o contista José Ribamar Sousa dos Reis, em obras do quilate de “Sertão de Minha Terra”, terá a condição de conhecer e admirar a versatilidade deste escritor, que tece a ficção com a mesma ousadia de quem tece a obra de pesquisa. Enveredando pela narrativa rápida, ele consegue esculpir os fatos, fazendo do enredo um deleite do leitor. Assim, desenrola o tempo cronológico como se trouxesse na caneta o fio de Ariadne com o qual desnuda o labirinto literário da prosa. Dá a cada espaço da narrativa uma característica próxima do ambiente em que vive a gente sofrida do sertão de sua terra. Narra os fatos, comumente, na terceira pessoa, dando prevalência ao narrador objetivo que o é. Ademais, artesoa um discurso direto, através do qual ele repassa a linguagem simples de cada personagem, porque sabe abocanhar com arte diversos dialetos brasileiros.
Dentro de uma outra perspectiva, Reis, em “FLOR MULHER”, transforma-se em um romeiro da poesia propriamente dita, ocasião em que seus versos são, comumente, livres e brancos, arborizados de uma polivalência vocabular que sugere uma simbologia que escapa dos termos dicionarizados. A partir do título “Flor Mulher” – Reis metaforiza seu espaço poético, partindo da comparação implícita entre a mulher e a flor. Põe à margem toda a sua verbalização até então denotativa para adentrar o espaço conotativo da obra lírica. E o faz como um posseiro do vernáculo intimista dos poetas.
O mestre Antonio Cândido, quando fala de “Marília de Dirceu”, diz com propriedade, que Gonzaga, “mais do que o cantor de Marília, é o cantor de si mesmo”. Parodiando o mestre, poderíamos dizer, sem quaisquer sombras de dúvida, que o eu-lírico de “Flor Mulher” desmente a preocupação pela temática feminina e coloca a temática masculina como sendo aquela que revela a idéia imagística da flor, senão vejamos: “aparentemente durmo./Sonhando com o amor./Coisas do passado/que no presente marcaram/lembranças das aventuras de outrora,/marcas indeléveis de anos dourados/que o vento do tempo eternizou./Acalanto esperanças do hoje ser amanhã. / Só que o amanhã passou/ levando consigo o homem/ que se rejuvenesce nas encruzilhadas/do amor.”
As três faces do Reis que procuramos mostrar neste pequeno trabalho ainda são poucas para que avaliemos o escritor que amadurece a cada obra. Bom para o Maranhão que ainda consegue sentir-se o pai dos filhos áticos. Regozijamo-nos com esta fortuna que ainda persiste.