O CABARÉ, O BÊBADO E O POETA
Quatro e tarará da manhã e o cabaré ainda é!
Vive na forma de restos funestos de quatro ou cinco desiludidos (e embevecidos) debruçados sobre as mesas, agora cochilando suas desgraças, seus tempos perdidos.
Numa mesa mais ao canto vê-se uma dama das alcovas acariciando, sem encanto, o peitoral esquelético de um bóia-fria (operário da cana) que ainda ostenta no bolso algumas moedas, um resto de dinheiro, do honorário suado da boa safra que brotou pra o usineiro...
Enquanto isso ninguém se safa de ouvir o bêbado que chora alto suas lamúrias na mesa mais ao centro. E em seu intento, numa melancólica pintura em preto e branco este bêbado protagoniza a paisagem, tendo sua mão erguida ante a dignidade caída! Vencida...
E é neste arranjo físico que o ébrio sofredor, com sua mão alçada, canta os fantasmas de sua vida calejada (e a perda de sua amada) na forma de uma canção do grande poeta dos bordéis, o menestrel dos melhores e piores cabarés.
Assim o sol vai nascendo e vendo: o bêbado balbucia seu tom mais grave, estragando uma linda canção do saudoso boêmio Nelson Gonçalves...
E um poeta, vendo isso e coadjuvando complacente da mesma dor, desfecha a noite rabiscando um guardanapo com o seguinte arremate:
Nosso sofrer se resume
a não poder, nesta hora,
sentir o brando perfume
daquela doce senhora
que por um tolo ciúme
nos deixou e foi embora!
Sofremos só por querer
como queremos agora
e bebemos pra esquecer
ou mesmo pra por pra fora...
Deixa a lágrima descer,
louco é quem sofre e não chora!
João Pessoa, 29/06/2010.