Análise crítica do conto "Quem conta um conto..." de Machado de Assis
O conto é dividido em dez capítulos, sendo o primeiro uma introdução: Machado (narrador) conversando com o leitor sobre o que será tratado em seguida. Trata-se da história de uma fofoca, a qual na ordem do discurso inicia com Luís da Costa, um dos maiores “noveleiros” (fofoqueiros) da cidade. Certo dia Luís decidido de espalhar mais uma das suas, entra na loja do Paulo Brito, ao contar a fofoca ele é surpreendido por Gouveia, vítima da atual história do “noveleiro”. Gouveia vai até Luís e pede que o leve a quem o falou sobre sua sobrinha, que supostamente, segundo a fofoca, teria fugido com um alferes. O desejo do major Gouveia é descobrir a fonte da fofoca. No final das contas a fonte foi o próprio major, que teria dito apenas:
“Disse-lhe que era capaz de castigar minha sobrinha se ela, estando agora para casar, deitasse os olhos a algum alferes que passasse.”
À medida que essas palavras foram repassadas os enunciadores a aumentavam, colocavam uma vírgula. Podemos dizer que o conto gira em torno daquele antigo dito popular: “Quem conta um conto aumenta sempre um ponto”.
Esse conto é bastante engraçado, o humor está tanto nos fatos como no modo irreverente e despreocupado que é narrado por Machado. O narrador, como já foi comentado, é o próprio Machado, esse ato do próprio autor narrar o conto concede um tom de realismo e irreverência no conto, fazendo com que o leitor a todo o momento tenha plena consciência de que tudo não passa de uma ficção. Uma das provas de Machado narrando são os momentos em que fala com o leitor:
“O caso de que vou contar aos leitores tem por origem um noveleiro. Lê-se depressa, porque não é grande.”
Tratando ainda da questão do foco narrativo, segundo as teorias de Jean Pouillon, temos no conto agora analisado a “visão por trás”, ou seja, o narrador é onisciente, somente ele narra a história e sabe de absolutamente tudo o que se passa no conto, tanto com relação à história contada como com relação ao conhecimento dos personagens, penetrando inclusive em suas mentes, sabendo o que eles pensam, o que desejam e até os seus mais profundos segredos, é um verdadeiro Deus na narrativa. Segundo Gerard Genette o narrador é heterodiegético, visto que ele só desempenha o papel de narrar e nada mais, ele não participa da história como personagem. Partindo para as teorias de Norman Friedman o narrador aqui é onisciente intruso que, como em Pouillon, é como um Deus, que tudo sabe. Nos escritos de Machado de Assis esse tipo de narrador vem com um tempero a mais, pois o autor além de narrar ele faz uma análise crítica dos personagens, dos acontecimentos e da sociedade, esclarecendo o leitor para que possa ter um ponto de vista, uma opinião sobre o que está sendo narrado. Friedman trata ainda da questão da cena e do sumário. Dificilmente é encontrado texto com totalidade de um tipo ou outro, neste conto a predominância é da cena, porque o narrador não generaliza, pelo contrário, é bastante específico com relação a tudo o que aborda.
Foquemos agora na questão do tempo, seguindo os ensinamentos de Benedito Nunes e dado o desejo de Machado de manter a verossimilhança, o tempo neste seu texto é apresentado de forma linear. Machado narra um fato que ocorreu à sete anos atrás, cuja duração é desde o encontro de Luís com Gouveia na loja do Paula Brito até o momento em que o major descobre a fonte da fofoca e vai dormir impressionado com a capacidade das pessoas de, ao repassar, aumentar um fato. No conto há uma anacronia denominada por Gerard Genette analepse, pois Machado narra uma história que, segundo ele, aconteceu há sete anos atrás.
Com relação ao espaço no conto, segundo as perspectivas de Osman Lins trata-se de uma ambientação franca, visto que o narrador não participa da história narrada e o mesmo, oniscientemente, que descreve o ambiente. Essa questão do ambiente franco é, inclusive, uma característica forte da maioria dos textos do realismo.
Este conto é um texto leve e cheio de humor, diferente dos outros escritos machadianos repletos de enigmas e tensões. Há, porém, em “Quem conta um conto...” uma leve crítica social com relação a questão do ponto de vista que uma pessoa tem da outra numa sociedade burguesa. Trata da superficialidade dos relacionamentos e de como o real caráter de alguém pode ser algo subjetivo, visto que a sociedade é quem o constrói baseando-se em fofocas.