A PROSA POÉTICA

– para Flávia Angelini, em Cuiabá/MT.

Recebo, para análise crítica, o texto abaixo. A autora, praticante de Poesia, pretende apresentar um texto na modalidade ‘Prosa Poética’, o que é novidade formal em sua lavratura, visto que, anteriormente aos estudos que vem fazendo, ela classificaria esta peça como texto no gênero ‘Poesia’, como a maioria dos novatos faz. O ressalto seria o de que o ato criacional dar-se-ia em versos, numa pontual diferenciação de forma, mas não de fundo, de conteúdo.

Pretendendo acertar, a diligente criadora remete o texto em apresentação prosaica, linha a linha, margem a margem:

“LUZ DA NOITE

Flávia Angelini

Luz da noite que conduz por caminhos e pensamentos, onde vago, por labirintos em névoas.

Me transporto ao mar, maré alta, pés descalço na areia limpa, sinto a arrebentação das ondas, que trazem esculturas de sal, transformadas por instrumentos de batalhas doloridas.

Por onde andarei? - Não enxergo mais os caminhos, as escolhas deixaram de fazer sentido, e a vida, esta, se faz quase que destruída.

Me mostro o abrir da luz do sol, a surgir como uma ponte que liga ao inimaginável, posto, que os castelos de sonhos, se erguem em folhas amareladas dos contos infantis.

Perguntarei: - porque a luz da noite?

Então direi, que é a mais bela entre todas as luas descobertas, que seu brilho esconde-se no seu eu, que é vivo por uma tênue ilusão, do viver iluminado e morrer camuflado ao breu.”.

Realizada a oficinação pelo autor deste ENSAIO, chegou-se a esta forma, obedecendo-se, com apreciável fidelidade, ao conteúdo temático:

“LUZ DA NOITE

Flávia Angelini

Luz da noite que conduz por caminhos e pensamentos, onde vago, por labirintos em névoas. Transporto-me à maré alta, pés descalços na areia limpa. Sinto a arrebentação das ondas, trazendo esculturas de sal. Por onde andarei? Não enxergo mais os caminhos, escolhas deixaram de fazer sentido e a vida se faz quase destruída. Ao abrir da luz surge uma ponte que liga ao inimaginável, e castelos de sonhos se erguem nas folhas amareladas dos contos infantis. Por que a luz da noite? Direi que é a mais bela entre todas as luas descobertas. Que o brilho esconde o eu... Por uma tênue ilusão: a do viver iluminado e morrer camuflado.”.

Flávia, amiga estimada!

No teu "LUZ DA NOITE" apenas limpei o texto, que estava confuso. Havia frases muito extensas, sem pontuação, e que não permitiam ao leitor sequer respirar. Noutras, os sinais gráficos não estavam colocados corretamente, separando o verbo de seus complementos, o que é uma constante nos teus textos. Examina e tenhas cuidado com isto, porque prejudica ou enfeia o ritmo do verso ou da frase e o eventual leitor se dispersa.

Tal dispersão pensamental do receptor ocorre, também, quando há mistura entre o pensamento prosaico (usualmente linear) e o poético (codificado, criptografado) o qual apresenta os vocábulos em sentido conotativo, figurado. Estava tudo muito embolado, em alguns pontos, incompreensível...

Na prosa poética as metáforas são univalentes, sem maior profundidade, portanto, e aparecem rarefeitas no texto, ao passo que, em Poesia, as metáforas são profundas, fazendo com que o texto se apresente mais codificado, com maior grau de dificuldade para a compreensão.

Na prosa usual, não poética (artigos, ensaios, pensamentos sentenciais, tutoriais, crônicas, contos, dramaturgia, memorialismo) ou na prosa poética (que era o teu objetivo, segundo explicitaste ao começar a tua mensagem) as frases devem ser curtas, compassadas, seguindo o ritmo e cadencimento do estilo que é peculiar ao autor, algo que excepcionalmente ocorre no começo de seu processo de criação literária, porque o autor ainda não definiu o seu estilo.

Nos iniciantes chama a atenção que, por pretenderem escrever em PROSA POÉTICA, como no teu caso, privilegiam erroneamente o texto com a expressão de sua ainda não bem definida poeticidade. Não sabem, a rigor, que estão escrevendo a comunicação noutra linguagem que não a poética, e, sim em prosa com algumas pinceladas de poeticidade.

Tenhas cuidado com a colocação do pronome oblíquo anteposto ao verbo, principalmente no começo de parágrafos longos. A contemporaneidade recebe bem a linguagem coloquial (fugindo de um escorreito vernáculo, como em Machado de Assis), mas temos de saber usá-la. A anteposição do pronome oblíquo "me" é sempre perigosa, tanto na poesia quanto na prosa, porque pessoaliza o texto e exclui o receptor.

Não se utiliza o 'travessão' nas interrogações, quando o personagem se identifica com o ego do discursante (narrador), e há autores, na atualidade, que o baniram completamente de seus textos.

O "porque", nas sentenças interrogativas é separado: "por que", e havia este lapso, no texto em exame. O cochilo (ato falho psicológico refletido na escrita), no final do texto: "...que seu brilho esconde-se no seu eu, que é vivo por uma tênue ilusão, do viver iluminado e morrer camuflado ao breu.", demonstra o quanto estás voltada às rimações e, no caso, principalmente no final da peça, é imperdoável.

Há outras palavras que estão fora de contexto. O próprio título da obra se torna dispensável, já que inicias o texto com os mesmos vocábulos, e no mesmo sentido, numa tentativa de metáfora que nada sugere. Mergulha intelectivamente na expressão A “LUZ DA NOITE” e te aperceberás que estamos diante de uma “metáfora forçada”, a qual não encontra justificativa ou apoio estético no decurso do texto.

Algumas situações similares usualmente ocorrem, em arte literária, como a desgastada expressão "o sol da meia-noite"... O espetáculo da noite é a negação da luz, exceto situações em que a luminosidade provém da lua ou de elementos externos à natureza.

É sempre aconselhável que o conjunto verbal que aparece como titulação não seja repetido, ao iniciar o corpo da peça literária. Necessário é relembrar que o ‘título’ é parte integrante da peça textual.

Por fim: o texto, por sua apresentação estética, estava totalmente dispersivo. Pobre leitor! Estava muito difícil para este vir a entender o que o autor quis comunicar...

No entanto, acaso o tivesses publicado no “Recanto das Letras”, vários interlocutores já se teriam manifestado, aprovando-o com loas e palavras de agrado, somente porque estariam a desejar que tu os ‘visitasses’, no site, e viesses a deixar comentários de aprovação aos seus textos...

É uma lástima que ocorra esse procedimento, mas é a necessidade de se sentir lido e premiado... Enfim, tudo isso é profundamente humano, entendível... Quem não gosta de obter o aval de seus confrades?

– Do livro DICAS SOBRE POESIA, 2009/10.

http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/2347836