Meu encontro com Edmundo Schwab
MEU ENCONTRO COM EDMUNDO SCHWAB
Maio/2010
Fui introduzido ao Sr. Edmundo Schwab através de duas pessoas muito especiais: Carlos Mendes Fontes Neto, Presidente da Associação Germânica dos Campos Gerais, e Márcia Sielski, responsável pelo Mosaico Ação Cultural.
Eu havia me preparado ansiosamente para aquela noite de 13 de março. Deveria ocorrer o lançamento do livro "Os porcadeiros", de Arnoldo Monteiro Bach, historiador renomado, responsável por uma série de publicações, em sua grande maioria relacionada aos imigrantes alemães no Paraná. Eu já era familiarizado com o seu nome, sem, no entanto, ter tido oportunidade de me aprofundar em suas obras. Sentia-me até mesmo envergonhado por não tê-lo feito, antes de lá estar.
Ao ser apresentado ao Sr. Schwab, foi-me dito: "Newton, tome-o como uma grande referência para os seus trabalhos... o Sr. Schwab é alguém com quem você tem muito que aprender". E a ele, foi dito que eu era "um jovem especial".
De imediato, simpatizei com sua figura. Ele não fazia o tipo de pessoa sociável, estando naquele evento. Parado e quieto, ele observava a tudo com um olhar calmo e profundo. Era o tipo de pessoa a quem pensamos que podemos arrancá-la de pensamentos distantes, da poesia feita com os olhos, se acaso a pedimos para conversar. Mas ele, por fim, parecia ter um comportamento próximo do meu próprio. Uma pessoa quieta, que se revela profundamente atenciosa. E aquilo tudo me fazia pensar que por vezes, aquele, parado diante de nós, quieto e sem revelar no rosto uma abertura para que se possa ir ao seu encontro, pode, por fim, converter-se em alguém incrivelmente disposto a falar e a ser ouvido. Assim foi o seu caso.
"Então, o Sr. possui livros publicados, não é mesmo?", "Sim. Um de poesia e outro ainda não foi concluído, que é algo próximo de uma auto-biografia... Mas, deixe-me dizer algo, meu jovem. Seu nome não me é estranho", "Talvez o senhor o tenha associado com o do meu pai", "Deve ser. Eu não o conheci, mas ouvi falar muito a seu respeito".
Quando lhe perguntei sobre um livro extenso, que reúne de forma minuciosa dados sobre boa parte das famílias dos alemães do Volga nos Campos Gerais, o qual eu acreditava ter sido escrito pelo próprio Sr. Edmundo, ele, com calma, dizia: "Quem o escreveu foi o meu sobrinho". E eu sorria, a pensar que o talento para a escrita certamente estava intrínseco àquela família sua.
Tão logo, nós nos posicionamos para ouvir aos pronunciamentos de abertura daquele evento que, para minha felicidade, exaltava a contribuição dos imigrantes em seus mais diversos aspectos. Na ocasião em especial, falava-se sobre o transporte de porcos nos chamados carroções eslavos, por parte dos imigrantes alemães. Nada como se chamar um testemunho daqueles tempos difíceis! Arnoldo chamou o senhor Degraf, que se pôs à frente e nos perguntou: "Quem de vocês se habilitaria a tocar porcos de uma cidade até outra?". Aproveitando o silêncio daquele público, continuou: "... pois era esta a nossa realidade". Mas de modo algum ele havia dito aquilo como se desejasse sensibilizar a todos, a fim de fazer uma autopromoção através das próprias dificuldades ou, como se queira, explorar o próprio sofrimento passado; contou-as até mesmo de bom humor, fazendo referências às músicas que eram cantadas em meio àqueles tempos difíceis.
Feliz, eu ouvia a tudo atentamente. Comigo, carregava panfletos da primeira apresentação de piano que deveria fazer, em pouco menos de um mês. Timidamente, distribui a todos entre algumas pessoas. Comigo também levava um velho envelope amarelo, que deveria ser entregue à Sra. Eli Schiffer.
Eu a havia conhecido durante uma palestra sobre imigrantes na região, há meses atrás. Contudo, já havia estado em contato consigo, mesmo que de forma indireta, através de um recorte de jornal. Relembro que eu havia recortado a pequena nota sobre sua pessoa e seu programa de rádio, existente há 25 anos, voltado à comunidade alemã de Ponta Grossa. Sobre um balcão, eu havia deixado aquele pedaço de jornal, pensando: "Preciso saber como contatá-la". E sem que eu esperasse, eu a encontrei naquela palestra. Sincronicidade, talvez? Mas, seria necessário um capítulo à parte desta história para falar em seus pormenores do nosso contato. Apenas se é possível dizer que naquele 13 de março, eu, com felicidade, entreguei-lhe meus trabalhos de piano, alguns escritos e, por certo, fiz-lhe o convite para que pudesse assistir a tal apresentação.
Era uma grande sorte ouvir a todos aqueles discursos de abertura. Digo-o, principalmente, porque das palavras expressas fazia-se oposição clara ao que provém da mídia e das ciências sociais.
Parece-me que nos dias de hoje há um verdadeiro complô contra a identidade imigrante, sobretudo a origem européia, em termos de Brasil. Tornou-se quase que um crime falar a respeito das contribuições européias. É antiquado, "demasiado conservador" e até mesmo ofensivo se falar sobre estes imigrantes, substitutos do trabalho escravo africano. A eles, indiscriminadamente foi introduzida a idéia de culpa. O chamado “branqueamento”; a má distribuição de terras; a falta de oportunidades de ascensão social para determinados segmentos sócio-raciais: a isto tudo, o homem simples, do campo, de sangue e costumes europeus, é obrigado a abaixar sua cabeça e afirmar: “Sim, é culpa minha, mesmo que indiretamente”.
O bom descendente de europeus é necessariamente aquele que serve aos interesses internacionalistas, afirmando que o que a globalização lhe oferece é infinitamente mais interessante que a vida de seus antepassados, tida agora como monótona e sem graça.
Relembro quando soube do lançamento do livro "Em domínio russo", do jornalista Diego Antonelli. Corri às pressas para adquiri-lo. Sempre simpático aos russos de minha região, achava ter ali acesso a uma nova fonte de estudos, ao lado de um antigo trabalho de Isolde Waldmann que eu havia encontrado, com sorte, das estantes da biblioteca universitária. Mas a sorte converteu-se em uma profunda decepção, seguida da mais clara indignação. Faz-se ali um verdadeiro culto às tendências globalizantes. Os personagens ali escolhidos eram em sua grande parte "exceções que se pretendiam tornar-se regras". E no ar, deixava-se a pergunta do "até quando" alguns colonos deveriam ainda "resistir" às tendências da modernidade. Silenciosa e eficaz é esta ditadura da democracia, que de uma vez por todas pretende promover a dissolução das especificidades dos povos, a fim de fazê-los aceitar passivamente uma Nova Ordem Mundial, um governo único.
Como não haveria eu de estar feliz, portanto, ao estar junto daquelas pessoas, em uma ocasião tão especial?
Tudo, absolutamente tudo corria da melhor maneira o possível. O tempo pareceu passar tão depressa.
Tive a oportunidade de conhecer outras pessoas especiais que posteriormente eu teria mais contato, ao ser convidado para fazer parte da diretoria da chamada Associação Germânica dos Campos Gerais. Disse a um recém-conhecido que no que me fosse possível, eu pretendia dar forças novas e jovens ao trabalho com o qual eu honradamente eu passava a colaborar.
Quando já havia me despedido dos ali presentes e inclusive do Sr. Edmundo, organizava meus pertences postos no banco de passageiro daquele meu carro. Permaneci ali por alguns instantes, até que me deparei com a sombra do Sr. Edmundo partindo no escuro. Desconhecia o quanto ele iria caminhar. Talvez o carro que o apanhava estava há poucos metros dali. Mas, de qualquer maneira, eu fui ao seu encontro. E para minha sorte, ele, de fato, estava caminhando para casa. Ofereci-lhe uma carona. Queria, bem na verdade, poder conversar mais consigo.
"Neste segundo livro, falo sobre como era a cidade de Ponta Grossa nos meus tempos mais jovens", e como se pintasse, calmamente ele descrevia a forma das ruas e do ambiente que a compunha há décadas atrás, quando mal eu me imaginava estar à espera da minha maior realização: meu nascimento. E ele contava sobre a saga e as contribuições dos alemães, sobre os difíceis tempos de guerra e deixou-se revelar um leve desânimo com os tempos modernos.
Dizia-me ter tido a oportunidade de ser aluno de Faris Michaele, importantíssima figura da cultura de minha cidade. Eu lhe dizia: "Mas que grande sorte!", "Certamente... Foi através de sua ajuda que eu tomei coragem para levar adiante a escrita", "Que belo incentivo!". E a ele, contava sobre minha impressão como se estivesse em outro mundo, quando certa vez me foi possível mergulhar nas prateleiras do acervo que leva o seu próprio nome. "Era incrível, simplesmente incrível! Pelo que soube, Michaele era fluente em vários idiomas. Certamente era alguém capaz de ler os clássicos em seus idiomas originais... Fausto em alemão, Macbeth em inglês e Crime e Castigo em russo", "Sim... ele falava o russo também".
"Este seu segundo livro foi publicado?", eu lhe perguntava. "Ainda não... Para ser sincero, considero mesmo como uma sorte ter publicado o primeiro. Estive à procura de uma gráfica, quando o dono de uma se interessou pelo meu trabalho e disse que faria as impressões gratuitamente, com o intuito de me ajudar... Sabe, eu nunca tive muita paciência para buscar editoras".
"Lá dentro, você me disse que possui uma canção sobre os alemães do Volga", "Isso!", referindo-me à "Die Wolgadeutschen" do álbum "Leben uns Kunst". Edmundo dizia: "Eu possuo alguns poemas relacionados os alemães... Deveríamos futuramente fazer um trabalho em conjunto", "Ah, o senhor parece ter adivinhado o que eu iria lhe propor! Acho que poderíamos trabalhar em conjunto sim... Seria uma grande honra!".
"Boa pessoa este Arnoldo Monteiro Bach", eu dizia, "Sim, uma grande pessoa", "Fiquei impressionado com sua humildade... Fui apresentado a ele sem, no entanto, saber que 'ele era ele'. Até me senti envergonhado. E ele me tratou de uma forma muito especial. Foi todo atencioso e me contou um pouco a respeito do que ele desenvolve em Palmeira... Disse, inclusive, que é responsável pelo primeiro Museu do Volga do país", "Ele possui aquela humildade característica de certos alemães", "E é incrível que às vezes nós nos deparamos com pessoas que sequer deram seus primeiros passos e já se vêem como altas o suficiente para tratar aos demais com arrogância e mesquinharia".
"Hoje o quadro do mundo é desanimador. Sempre quando saio de casa, tenho a impressão de voltar cada vez menor. O que vejo pelas ruas é terrível", "E ainda se acredita ser isso tudo um sinônimo de evolução!", "Estes marginais... Isto o que cantam, o que criam... É tudo tão regressivo!”, “O quadro da juventude, caro Edmundo, é desanimador... O mais incrível é que quanto mais disseminam suas mensagens e vibrações sonoras degenerativas, mais se vêem como artistas. Tão fácil ser um artista nestes tempos! Em outras épocas, os compositores costumavam imaginar as melodias de cada um dos instrumentos de toda uma orquestra, e escreviam-nas em forma de partitura, uma a uma... Será mesmo que evoluímos, conforme alguns dizem?”.
"O Sr. também faz parte da Associação Germânica dos Campos Gerais?", "Sim... Faço parte da Diretoria", "Ah, mas que beleza! Deveremos então nos encontrar por novas vezes", "Sim", "Estive dizendo àquele outro senhor, com quem conversei agora há pouco, sobre esse distanciamento dos jovens em relação à cultura alemã... É incrível a forma com que coisas inegavelmente nocivas são oferecidas a todo instante à juventude... Parece-me que hoje é muito mais fácil e até proveitoso para o jovem, quando adota essas tendências degenerativas", "Triste... desanimador".
Ele me dizia que havia mudado fazia pouco tempo. Estávamos próximos de sua morada. Permanecemos a conversar no carro ainda por um tempo, antes de nos despedirmos. De forma distraída, eu não havia apanhado seu número. Mas, deixei-lhe o convite para que ele pudesse comparecer à minha primeira apresentação de piano.
Feliz, tomei meu destino de volta à casa que em breve, deveria ser deixada. Ninguém era capaz de arrancar a sorte da qual eu era dono. Mal sabia o Sr. Edmundo que ele havia sido protagonista de uma noite mágica, em forma de dia feliz.