Contraste de realidades, consciência e a falta que faz o uso da Caridade.
Sim, eu sei sobre a fome e o quanto ela consome. Sei da dor dos pés calejados, dos cabelos por demais emaranhados, da solidão e a injustiça dos outros. Ah, diria também saber sobre o frio olhar de quem me mede. Dos pensamentos rápidos e que me condenam sem ao menos me conhecer. Noto os olhares de pena, de repugnância, de intolerância e até de arrogância. O frio das noites é pequeno perto dos olhares de quem brevemente me fita. Minhas roupas rotas contrastam com a proposta inadmissível da mídia. Os meus sonhos são pisados e repisados nas calçadas, que por vezes nem direito tenho. Vejo-me vociferar a maior parte das vezes pra lá ficar. Sou tão sujo como as grandes cidades. Cinza e rancoroso, feio e solitário. Sou uma maioria, dentro da minoria de privilegiados, pois meu número só faz crescer. Uso drogas e o álcool pra esquecer de minha condição de inutilidade neste planeta repleto de possibilidades. Eu sou isto aí que você está lendo e como eu, sensível aos acontecimentos de saber que sim, isto tudo existe. Eu sei a dor da fome, o valor da amizade, a importância da família, de reciclar o lixo, de se rever conceitos, dos direitos, dos deveres, e até do amor. Mas também sei o peso da arrogância humana, da ignorância, do descaso, da humilhação, da solidão, da depressão, do vazio, da inutilidade de certas coisas (como a vaidade, por exemplo), da vastidão da alma consumida pela droga/álcool, do desrespeito em relação ao meu corpo, da minha falta de fé, do dinheiro (ganho honestamente pela dureza do trabalho, mas tão benéfica ao meu dia-a-dia). Ah, como é duro eu admitir tudo isto e ainda continuar por cá, rastejando neste mundo, onde todos conscientes são dos acontecimentos, nada fazem senão fechar os olhos á esta realidade e seguindo em frente (como eu), isentos de quaisquer culpa.
- Ei, moço (a), dá esmola, pro favô!
E assim segue a vida...