Passado, sempre o passado...

Sou um gladiador. Tenho as vestes marcadas de sangue, a armadura pesa, o escudo cansa o meu braço e a espada, em cujo gume o sangue escorre, magoa-me com o seu peso. Sinto-me cansado, perdido numa seara de trigo, dourada, que dança o samba, ao som de um pequeno melro, pousado num carvalho distante, mexendo e abanando o caule ao sabor da brisa.

O céu está lipo, azul, sem nuvens e lá no alto, o sol brilha, ardente, na sua felicidade celeste.

O suor tenta, em vão, arrefecer a temperatura do meu corpo, o meu calor, é então que olho para o mundo e murmuro na minha voz rouca:

"Tão belo este décimo sexto Verão", a sensação de falar ao vento elouquece-me, mas continuo, "tanta coisa que podia ter feito, mas errei, e agora as minhas roupas encontram-se marcadas com sangue daqueles que a espada por minha mão feriu".

Acabado isto de ser pronunciado, uma lágrima, limpida, de água salgada, desce do canto do meu olho, castanho claro, tão claro que se confunde com esverdeado. As palpebras fecham-se, o canssaço possui-me, toda esta vida pesa, toda esta luta cansa e sinto que não aguento mais.

Mando o escudo para longe, baixo a guarda e sou agora vulneravel a quem me quizer atacar. Atiro a minha espada para o horizonte, com o sangue a brilhar à luz do sol, e a memória de quem por minhas mãos sofreu invade-me. A espada cai, por entre a seara dourada, tão bela quanto tu, ò leitor, a imaginas. A lâmina espeta-se no chão de terra castanha, escura, terra essa que bebe do sangue de onde eternamente estarão marcadas as gotas de sangue.

Tiro a armadura e pouso-a a meu lado.

O meu peito, agora nu, reflecte as marcas dos meus anos de sofrimento, solidão e tristeza, reflecte as profundas chagas feitas pela brutalidade de meu pai, Deus.

Deixo-me cair na palha, e olho para o céu lindo, brilhante, eterno, talvez até misterioso, pois esconde o enigmátio sorriso da sabedoria divina, ou até da inexistência de algo que acreditamos que exista.

Anoitece e continuo deitado, os anos passam e a vida continua, mas eu estou parado, a sofrer com a memória de terriveis actos por mim executados.

Passado, sempre o passado a assombrar-me. E o futuro?, onde está ele?, perdido? provavelmente nunca o encontrarei...

A viver vivi,

A viver sorri,

A viver sofri,

A viver morri.