Dicotomia às Reversas (esboço)
Ao contrário do que a norma pede, não começarei este calcinante ensaio, por julgar a atual inutilidade deste para com este texto, e por estar, eu, imerso num caldeirão fervilhante de idéias irrequietas, tais quais crianças frente ao objeto desejado...
Como diria o sábio vetusto de longas barbas “nosce te ipsum” (conhece-te a ti mesmo) e tendo como sacro complemento de seu antagônico pensador “torna-te quem tu és”, e se estas grandiloqüentes mentes me permitem divagar no éter de suas divagações posso chegar as minhas conclusões, não tão sapientes, mas por fim minhas, sentindo com entusiasmo o que fora dito por meu grande amigo Schop.
Somente no conhecer a si mesmo é que encontramos no interior de nosso ser aquilo que somos, despido de atávicas influências e de valores artificiais, encontraremos a nossa natureza e nossa essência, encontramos aquele pequenos menino que vez ou outra nos cutuca querendo vir a tona, mas que nós com nossa pseudo-sapiência-prosaica insistimos em matar, temendo o que esse ser oculto possa fazer. O prendemos como prendemos os guris no cercado temendo que suas traquinagens nos façam vergonha. Mas ao fazer isso também prendemos a espontaneidade, a vivacidade e a vontade de querer, que muitas vezes é dilacerada por vários fatores externos que anexamos a nós mesmos, como vírus que a se unir a uma célula torna-se única para com essa, mas tal vírus todos esses nefandos valores e grilhões externos tem o poder de destruir aquilo que de mais preciosos temos, nós mesmos, mas feliz e infelizmente falando, o “nós mesmos” é mais forte do que pensamos, felizmente, pois quando o quisermos encontrar sabemos que ele ainda vive; infelizmente, pois como todo ser vivente, ele clama por existir e assim como animal acuado ele tende a reagir de diversas formas.
Ao travarmos uma luta contra o “nós mesmo” travamos a luta mais difícil de ser ganha, pois ao mesmo tempo que em um assalto o nocauteamos, derrubamos também a nós, pois assim como uma pintura em uma tela, que aparentemente é um ser estranho a ela, só vem existir por haver onde ter seu impressionismo impresso, e a tela só tem para que viver quando é pintada pelo artista. A tela pode viver sem a pintura, assim como a pintura em sua escala mais primitiva (em forma de tinta) pode existir, mas a completude desses seres só formada quando ambos se unem e se tornam um só. Assim também é conosco, somente nos tornamos uno e indivísivel quando a carcaça externa se despe das valorações artificiais e exógenas e se veste com que co-existe dentro de si, que é o “ser em si”, nossa parcela mais pura, bela e que nos faz ser seres únicos.
Ao tentarmos destruir esse o “ser em si” que constitui o “nós mesmo” nos tornamos a tela vazia onde qualquer um pode meter o pincel e pintar como quiser, moldando a pintura da forma que preferir, rasurando-a, traçando-a, e por mais bela que ela aparente ser, essa beleza, como diz o nome, é meramente aparente, por mais que venha a se parecer com um El Greco, um Goya ou outro grande poeta de imagens, esses versos visuais jamais serão comparados com o desenho, que mais simples e de traço mais infantil , feito pelo real dono da tela, pois somente este poderá esculpi-la usando seu próprio martelo e cinzel e fazer assim sua própria Gernica.
Somente conhecendo este ser, e o material que temos para o entalhar na nossa própria carne e nas entranhas de nosso ser, é que poderemos nos tornar aquilo que somos, seres que nasceram únicos e autênticos, assim como nascemos para ser. Os grandes sábios, mestres e afins, somente isto se tornaram quando romperam toda a carapuça externa e foram dentro de si mesmos cutucar o ser que outrora o cutucava, dizendo a si mesmo “você que tanto me chutava enquanto eu dormia, você que com seu choro agudo e insistente pedia atenção, você que tanto quer do meu seio se prover e se fartar surja e me mostre o que tens para me declarar, revele-me o que és e se torne uno comigo.”
Quando este sacro casamento estiver formado e maturado com o torpe sabor do tempo, poderemos desfrutar do real prazer da vida, não que outrora não fizéssemos, mas agora o faremos olhando com nossos verdadeiros olhos, sentiremos com nosso verdadeiro tato, ouviremos com nossos reais ouvidos e falaremos com nossa própria voz, que ressoará como a de um deus que enfim despertou e encontrou seu lugar no mundo, tendo enfim um templo onde habitar.
Nascemos para sermos quem somos, para vivermos aquilo que julgamos importante, para degustar e usufruir, assim como os filhos de Epicuro nos ensinam, com toda a intensidade que nos for possível viver, pois já que nossa vida é tão curta, que ela seja curtida em toda sua espontaneidade/intensidade, em toda sua furiosa e impetuosa beleza, com toda explosão de seu amor, com toda sua alegria e dor, com toda inquietação que nos habita e toda paz que vem depois de uma realização... pois mais vale passar poucos segundos de êxtase no Parnaso em toda a degustação existencial, do que anos em uma terra pobre, vil e escassa, onde todos são imagem e semelhança de um só, que é tão vazio quanto aqueles que o copiam.
J 7/06/10 10:04