Instrumentos de Análise Textual

Curso de Letras - 1998

DIEGESE

Diegese é um conceito de narratologia, estudos literários, dramatúrgicos e de cinema que diz respeito à dimensão ficcional de uma narrativa. A diegese é a realidade própria da narrativa ("mundo ficcional", "vida fictícia"), à parte da realidade externa de quem lê (o chamado "mundo real" ou "vida real"). O tempo diegético e o espaço diegético são, assim, o tempo e o espaço que decorrem ou existem dentro da trama, com suas particularidades, limites e coerências determinadas pelo autor.

NARRADOR

Narrador Autodiegético

A expressão narrador autodiegético designa a entidade responsável por uma situação ou atitude narrativa específica: aquela em que o narrador da história relata as suas próprias experiências como personagem central da história. Essa atitude narrativa arrasta importantes consequências semânticas e pragmáticas, decorrentes do modo como o narrador autodiegético estrutura a perspectiva narrativa, organiza o tempo, manipula diversos tipos de distância, etc.

O registro de primeira pessoa gramatical que em tais narrativas se manifesta é, pois, uma consequência natural dessa coincidência, mas não obrigatória. Pode ocorrer em terceira pessoa, assim como o narrador autodiegético se pronuncia, às vezes, na primeira pessoa.

Mais importante que as incidências gramaticais são as que respeitam a ordenação do tempo.

No monólogo interior, por exemplo, verifica-se interna sobreposição temporal entre narrador e protagonista. Quando isso não ocorre, o narrador aparece então como entidade colocada em um tempo ulterior. Sobrevém, então, uma distância temporal um pouco alargada entre o passado da história e o presente da narração.

A análise do discurso narrativo de um narrador autodiegético tenderá, normalmente, a subordinar as questões enunciadas a uma questão central: a configuração (ideológica; ética; etc.) da entidade que protagoniza a dupla aventura de ser herói e responsável pela sua narração.

Narrador Heterodiegético

Na tradição literária ocidental, o narrador heterodiegético constitui uma entidade largamente privilegiada, nos planos quantitativos e qualitativos. Estrutura-se, então, uma situação narrativa cujas linhas de força são as seguintes: polaridade entre narrador e o universo diegético, instituindo-se entre ambos uma situação de princípio irredutível; por força dessa polaridade o narrador heterodiegético tende a adotar uma atitude demiúrgica (Demiurgo: nome do deus criador, na filosofia platônica), em relação à história que conta, surgindo dotado de uma considerável autoridade que, normalmente, não é posta em causa e predominantemente exprime-se na terceira pessoa. O narrador heterodiegético é subjetivo. O narrador heterodiegético adotará também o código de valores por que se rege tal personagem e o projetará nos registros subjetivos inscritos no enunciado narrativo.

Narrador Homodiegético

O narrador homodiegético é a entidade que veicula informações advindas de sua própria experiência diegética. Tem participação na história não como protagonista, mas como figura cujo destaque pode ir da posição de simples testemunha imparcial à personagem secundária estritamente solidária com a central.

A análise de um discurso narrativo de um narrador homodiegético valorizará também os termos em que se configura a imagem do protagonista a partir de um critério de observação genericamente testemunhal e exterior. Poderá ocorrer também um confronto de personagens cujo dever é também o de uma relação interpessoal, além de coincidências profundas no campo ideológico.

FOCALIZAÇÃO

O termo focalização refere-se ao conceito identificado também por meio de expressões como ponto de vista, visão, restrição de campo e foco narrativo. Correspondendo à concretização no plano do enunciado narrativo de diversas possibilidades de ativação da perspectiva narrativa, a focalização pode ser definida como a representação da informação diegética que se encontra ao alcance de um determinado campo da consciência. Consequentemente a focalização, além de condicionar a quantidade de informação, veicula eventos, personagens, espaços, etc.; atinge sua qualidade por introduzir certa posição afetiva, ideológica, moral e ética em relação a esta informação. Assim, uma personagem sendo momentaneamente detentora da focalização, faculta do elemento focalizado, uma imagem particular e uma reação subjetiva a essa imagem.

A importância de que do ponto de vista operatório podem revestir os procedimentos de focalização, depende muito da articulação de diferentes soluções de representação; podendo, em princípio, reduzir-se a três signos fundamentais: focalizações externa, interna, onisciente.

Focalização Externa

A focalização externa é constituída pela estrita representação das características superficiais e materialmente observáveis de uma personagem, de um espaço ou de certas ações; decorre, por vezes, de um esforço do narrador no sentido de se referir de modo objetivo e desapaixonado aos eventos e personagem que integram a história.

Um dos lugares estratégicos de inscrição da focalização externa é o início da narrativa, quando o narrador descreve uma personagem desconhecida, muitas vezes protagonista, cuja caracterização mimudente se processará em momento posterior a esta primeira, precária e intrigante.

Por outo lado, a focalização externa pode explicar-se em função de motivos ideológico-culturais, relativamente bem localizados.

Focalização Interna

A focalização interna corresponde à instituição do ponto de vista de uma personagem inserida na ficção, o que normalmente resulta na restrição dos elementos informativos a relatar em função da capacidade de conhecimento dessa personagem. Erigida em sujeito da focalização, a personagem desempenha, então, uma função de focalizador de filtro quantitativo e qualitativo que rege a representação narrativa. O que está em causa não é aquilo que a personagem vê mas aquilo que cabe dentro do alcance de seu campo de consciência.

A focalização interna pode ser fixa, múltipla ou variável: fixa (focalização numa só personagem o que não impede, momentaneamente, que opere intrusão do narrador ou alterações); múltipla (consiste no aproveitamento quase sempre momentâneo e episódico da capacidade de conhecimento de um grupo de personagens da história, artificialmente homogeneizados para esse efeito); variável (permite a circulação do núcleo focalizador do relato por várias personagens).

Focalização Onisciente

É a representação narrativa em que o narrador faz uso da capacidade de conhecimento praticamente ilimitada podendo, por isso, facultar as informações que entender pertinentes para o conhecimento mimudente da história. O narrador comporta-se como entidade demiúrgica controlando e manipulando soberanamente os eventos relatados, as personagens que os interpretam, o tempo em que se move, os cenários em que se situa, etc.

A atitude seletiva que normalmente cabe ao narrador em focalização onisciente tem a ver com duas questões relevantes: seu posicionamento temporal em relação à história e as possibilidades seletivas da focalização onisciente que implicam numa vertente subjetiva, selecionando o que deve relatar. O narrador, implícita ou explicitamente, interpreta.

Intrusão do Narrador

Designa toda manifestação da subjetividade do narrador projetada no enunciado que pode revestir-se de feições muito diversas e explicar-se por diferentes motivos. As intrusões do narrador constituem, pois, fenômenos inevitáveis na narrativa literária, se considerarmos a sua condição de ato de linguagem verbal, necessariamente permeável; por isso, a penetração da subjetividade de fato na alusão mais aparentemente inócua transfere-se à posição pessoal do narrador.

Um narrador homodiegético ou um autodiegético será desde logo mais propenso à expressão da subjetividade; o fato de ter sido interessado direto na história que relata e a distância em que se coloca no presente da narração, constitui fatores determinantes de atitudes intrusivas. No caso do narrador heterodiegético, afetado pelas condicionamentos da focalização adotada, as intrusões de um narrador em focalização onisciente responsabilizam-no, em princípio, a ele próprio e tendem a configurar uma atitude genericamente emotiva e ideológica em relação à história e aos elementos construtivos. Um narrador que privilegia a focalização interna de uma personagem, projeta nas intrusões representadas a posição emotiva desta.

Monólogo Interior

É uma técnica que viabiliza a representação da corrente de consciência de uma personagem.

Através do monólogo interior abre-se a diegese à expressão do tempo vivencial das personagens, diferente do tempo cronológico linear que comanda o desenrolar das ações.

Igualmente relevante em tal contexto foi o aparecimento e desenvolvimento do cinema que, ao atingir um índice considerável de rigor descritivo, motivou a narrativa para a exploração mimudente do interior das personagens como alternativa qualitativamente eficaz para competir com as mencionadas potencialidades descritivas.

O monólogo interior exprime sempre o discurso mental, não pronunciado das personagens.

Verifica-se, assim, uma certa fluidez sintática, uma pontuação escassa, uma total liberdade de associações lexicais.

DISTÂNCIA

A definição do conceito de distância e a análise de suas implicações operatórias exigem a prévia delimitação do campo conceitual. Considerada a distância enquanto função do narrador, quer dizer, de a entender como específico posicionamento do sujeito da enunciação em relação à história, posicionamento que em seguida se observará nos seus diversos aspectos e implicações; a distância impõe-se como fator de seleção e ativação de códigos e signos narrativos distribuídos por aqueles domínios que mais diretamente são afetados pela sua vigência: perspectiva da narrativa; situação narrativa; tempo da narração,etc. Não deve ser entendida como forma literal, ou seja, como pura distância física entre o narrador e a história; seus eventos, espaços e personagens. Tampouco ela deve ser limitada ao plano temporal. De fato, a distância temporal normalmente configura-se como fator prioritário de condicionamento das relações entre o narrador e a história, com mais razão quando se trata de uma narração ulterior. A distância tem a ver com a organização do tempo, sobretudo com o âmbito da velocidade, onde se traduzem as atitudes redutoras ou tendencialmente dramatizadas.

REGISTROS DO DISCURSO

1) Designa um tipo de discurso marcado pela presença de certas qualidades lingüísticas. Enunciação do discurso/enunciado estabelecem uma tipologia dos registros do discurso; com isso podemos fazer uma prévia distinção entre discurso subjetivo e discurso objetivo.

2) Discursos subjetivos :

* Discurso Pessoal: sempre que houver a presença explícita do locutor no enunciado, manifestada através dos dêicticos que são pronomes pessoais e possessivos de primeira e segunda pessoa; os demonstrativos e certos advérbios de tempo e lugar.

* Discurso Modalizante: sempre que a presença do sujeito se dá através de modalizadores; advérbios e locuções adverbiais (talvez; sem dúvida; é possível que; etc.). Há neste tipo de discurso, expressão de conhecimento ilimitado e conjugado com a focalização interna. Se denuncia a presença do narrador, está conjugado com a focalização onisciente.

* Discurso Avaliativo: caracteriza-se pela inscrição indireta do sujeito da enunciação no enunciado e é através do uso de adjetivos que tal discurso se manifesta de forma mais explícita.

* Discurso Figurativo: caracteriza-se pelo relevo que nele assumem as figuras de retórica, quer no plano de expressão quer no plano de conteúdo. Trata-se ainda, de uma configuração peculiar do discurso subjetivo. Verifica-se que a valoração contrastiva ganha em espaço específico ao ser corroborada pela comparação e pelas metáforas.

* Discurso Conotativo: permite introduzir novos parâmetros de diferenciação. Conotação designa as franjas significativas de ordem emotiva, volitiva e social que se segregam àquele núcleo; estas franjas podem adquirir uma dimensão social, funcionando como cristalizações axiológicas, consensual e sistematicamente associadas pela comunidade à denotação de uma palavra. A representação subjetiva e transfiguradora de uma parcela de um passado já distante leva o narrador adulto a caracterizar essa personagem bondosa através de um registro figurado que, conotativamente, a envolve numa atmosfera de paz e recolhimento.

3) Discurso Abstrato : caracteriza-se pelo emprego insistente de reflexões gerais que enunciam uma “verdade” fora de qualquer referência espacial ou temporal; tais reflexões são expressas por um presente verbal de cunho aforístico e pela instauração de uma distância máxima entre sujeito da enunciação e enunciado. Este discurso, às vezes, funciona como instrumento eficaz numa estratégia de manipulação já que mascara o ego responsável pelo discurso.

4) Análise do Discurso : conjugada com a análise do funcionamento textual de outros códigos, permite ativar o investigamento semântico do texto narrativo. Os registros são a face significante das modalidades de focalização vigentes na narrativa.

DISCURSO DA PERSONAGEM

As virtualidades semânticas e estéticas do texto narrativo dependem do modo como nele se combinam o discurso do narrador e o discurso das personagens. Várias vozes se entrecruzam no texto narrativo e é nessa alternância que se constrói a produtividade semântica do texto. O discurso das personagens sempre aparece inserido no discurso do narrador, entidade responsável pela organização e modelização do universo diegético. Ele pode ser analisado tendo em conta o maior ou menor grau de autonomia que manifesta relativamente ao discurso do narrador. Há três modos de representação do discurso das personagens: citado; transposto; narrativizado. O primeiro é a reprodução fiel em discurso direto. No segundo, o narrador diz o que falou à personagem, ou seja, discurso indireto. No terceiro, as palavras das personagens aparecem como um evento diegético.

Os três tipos de discurso acima mencionados parecem recobrir os principais modos de representação da voz da personagem, oferecendo ainda a vantagem de se diferenciarem com base em critérios objetivos de natureza linguística. Porém, essa tipologia confirma que qualquer texto narrativo se constrói em termos de concatenação e alternância de discursos do narrador e discursos das personagens. Nesta perspectiva, uma sequência em discurso direto livre é um enunciado em que confluem duas vozes e se manifestam mesclados dois modos de enunciação.

TEMPO

Tempo do Discurso

O tempo do discurso pode ser entendido como a conseqüência da representação narrativa do tempo da história. O tempo narrativo resulta da articulação das duas dimensões reconhecidas no tempo: o tempo da história é múltiplo e sua vivência desdobra-se pela diversidade de personagens que povoam o universo diegético; o tempo do discurso é linear e sujeita o tempo da história à dinâmica de sucessividade metonímica própria da narrativa.

O relevo do tempo como categoria narrativa decorre da condição primordialmente temporal de toda a narrativa. O tempo narrativo revela, mais que qualquer outra categoria narrativa, inefáveis implicações linguísticas, consequências diretas da importância do tempo como categoria gramatical sujeita a múltiplas flexões e modulações aspectuais.

Do ponto de vista semionarrativo, o tempo do discurso constitui um domínio suscetível de codificações, nas quais se encontra envolvido um repertório relativamente alargado de signos temporais.

Frequência: na sistematização proposta por Genette, a frequência constitui, juntamente com a ordem temporal e a velocidade, um domínio específico de organização e representação do tempo ao nível do discurso. Do que neste caso se trata é definir o que poderia chamar-se a relação quantitativa estabelecida entre o número de eventos da história e o número de vezes que são mencionados no discurso. A frequência tem a ver com a capacidade ou disponibilidade manifestada pelo narrador para realçar a repetição de certas ações, desvanecer esse caráter repetitivo, cingir-se à singularidade de ocorrência dos acontecimentos ou evocar anaforicamente eventos singulares. A frequência temporal pode ser considerada extensão narratológica do aspecto verbal. Esta aproximação com o aspecto verbal torna-se mais convincente quando atentamos nos fundamentais procedimentos de elaboração da frequência: singulativo; repetitivo e iterativo.

Discurso Singulativo: constitui uma modalidade de tratamento da frequência temporal. Pelo discurso singulativo a narrativa relata uma vez o que aconteceu uma vez. Expressa através dos tempos verbais, com uma colocação aspectual de momentaneidade ou de ocorrência pontual (como é o caso do pretérito perfeito ou do presente histórico). Tal discurso adequa-se a uma representação narrativa de índole dialogada em conexão com a velocidade narrativa da cena.

Discurso Repetitivo: constitui uma ativação específica de ativação da frequência temporal,como o singulativo e o iterativo. No caso do repetitivo, esta modalidade de frequência, embora não tendo representatividade nos discursos iterativo e singulativo, surge notada de inegável intencionalidade estética.

Discurso Interativo: insere-se no âmbito da frequência temporal e pode ser definido como aquele em que uma só emissão narrativa assume em conjunto várias ocorrências do mesmo evento. Constitui uma modalidade econômica da representação do tempo narrativo, tendendo a reduzir ao mínimo o relato de acontecimentos diegéticos considerados idênticos. Tal discurso é expresso por formas verbais do tipo imperfeito, reforçadas por fórmulas adverbiais de pendor frequentativo. O mesmo discurso ocorre, muitas vezes, do intuito de se insinuar implicitamente os efeitos suscitados por certas situações e comportamentos repetidos.

Ordem Temporal: constitui um domínio crucial de organização da narrativa, bem como uma área de sistematização teórica dotada de implicações consideráveis no campo das aplicações operatórias. É o confronto da ordem de disposição dos eventos (ou segmentos temporais do discurso) com a ordem de sucessão desses mesmos eventos (ou segmentos temporais da história). Interferindo diretamente na configuração da economia da narrativa ela revela-se num âmbito estruturalmente relevante em épocas literárias muito diversas desde epopéias até romances do nosso tempo. A temporalidade organiza-se a partir da noção presente. A expressão do tempo configura-se, assim, em torno do foco estruturante que é o locutor. As frequentes reordenações da história ao nível do discurso na narrativa literária, contrastam com o que se passa num outro tipo de relato, o historiográfico que é fortemente marcado por preocupações de rigor e cientificidade tendendo, por isso, a cultivar uma apresentação escrupulosamente cronológica dos eventos. Se é certo que a ordem temporal tende a ser encarada como consequência da causalidade que ativa a sucessão lógica dos acontecimentos, abre caminho a variadas possibilidades explicativas. Em todos os casos, a marca da subversão da cronologia da história praticamente desaparece, o que dificulta consideravelmente a destrinça dos estratos temporais que confluem no discurso, fluindo neste uma temporalidade de articulações difusas e limites imprecisos.

ANALEPSE

É todo movimento temporal retrospectivo destinado a relatar eventos anteriores ao presente da ação e mesmo, em alguns casos, anteriores ao seu início. Constitui um signo da representação discursiva do tempo. A utilização de analepses rege-se por critérios de configuração muito variados, de um modo geral relacionados com a profundidade retrospectiva que atingem. A analepse desempenha funções muito diversas na orgânica do relato. Demarcada de forma variável mente nítida no enunciado narrativo, ela decorre não raro da ativação da memória da personagem. A potencialidade operatória do conceito de analepse tema ver não só com as funções que ele desempenha no corpo da narrativa, mas também com a possibilidade de se descortinarem conexões estreitas entre as funções e as linhas de força temáticas e ideológicas que informam o relato. A analepse pode constituir um processo de ilustração do passado de uma personagem relevante, no quadro de uma estratégia ideológica do tipo naturalista e determinista.

Registra-se, por último, que a dinâmica interpretativa que a analepse suscita pode ser reforçada pela análise das suas ligações estruturais com outros domínios da construção do discurso com a velocidade imprimida à analepse, com as perspectivas narrativas que comandam a sua ativação com o estudo do narrador, etc.

PROLEPSE

Corresponde a todo movimento de antecipação, pelo discurso, de eventos cuja ocorrência, na história, é posterior ao presente da ação. Dentro do domínio das anacronias, a prolepse concretiza, portanto, uma das distorções possíveis de ordem temporal reelaboradas ao nível do discurso. É interna quando se traduz na antecipação de informações inscritas no corpo da narrativa primeira. É externa quando se projeta para além do encerramento da ação. A prolepse mista constitui uma modalidade, em princípio, apenas hipotética.

A narrativa em primeira pessoa presta-se melhor do que qualquer outra à antecipação, pelo seu declarado caráter retrospectivo, que autoriza o narrador fazer alusões ao futuro e, particularmente, à sua situação presente.

Normalmente a prolepse representa a antecipação por meio de expressões adverbiais de tempo ou de tempos verbais no futuro e/ou no presente que contrastam com o passado dominante.

VELOCIDADE

É a relação entre o tempo da narrativa e o tempo da história. O tempo da história é medido em segundos, minutos, horas, dias, meses, anos, etc., enquanto o tempo da narrativa é medido em linhas, páginas, capítulos. Nesse sentido, existe a componente cronológica, inerente a toda história e a componente discursiva; que a modeliza numa sintagmática narrativa. A velocidade imprimida num relato é a consequência da atividade seletiva adotada em relação à pluridimensionalidade e ao alargamento temporal da história. Existem formas definidas de se imprimir velocidade ao texto, valendo-se de instrumentos de construção.

PAUSA

É um signo temporal ligado à velocidade e a outros signos do mesmo âmbito.

Suspensão do TH em benefício do TD. O narrador interrompe momentaneamente o desenrolar da história. Remete-nos a outros dois procedimentos: descrição e digressão. A análise da pausa não pode desconhecer sua motivação. Algumas vezes significa descrição do espaço, no sentido de situar o leitor; em outras, quebra de linearidade da narrativa.

CENA

É a tentativa mais aproximada de imitação, no discurso, da duração da história. A instauração desta traduz-se, antes de tudo, na reprodução dos discursos das personagens, com respeito integral às suas falas e da ordem do seu desenvolvimento; daqui resulta uma narrativa caracterizada pela isocronia e por uma certa tendência dramatizada, uma vez que é perfilhada uma estratégia de representação; faz da representação dramática propriamente dita o que naturalmente implica que o narrador desapareça total ou parcialmente do discurso.

As motivações que suscitam o recurso à cena não podem ser dissociadas da sua correlação dinâmica com outros signos narrativos, em especial com os do domínio da velocidade temporal: pausa, elipse e sumário. É em especial com o último, que essa correlação se estabelece com mais frequência. A oposição cena/resumo traduz a alternância de uma representação dirigida por um narrador distanciado de um certo pendor redutor (resumo) dessa outra (cena) que pode conjugar-se com o recurso à visão de uma personagem da história, investida da função de testemunha envolvida no dever da ação.

A análise da cena, enquanto específica velocidade narrativa, terá em conta interações, bem como aquelas que são funções habitualmente confiadas a este signo: apresentação de ações conflituosas, representação de uma voz coletiva, etc.

SUMÁRIO

Termo proveniente da crítica e teoria literária anglo-americana. Designa toda forma de resumo da história. Trata-se, portanto, de um signo temporal no âmbito da velocidade. Está intimamente ligado a outras modalidades de representação anisocrônicas. Também com a tentativa de isocronia, como na cena. Desse modo, se a cena corresponde a uma representação dramatizada, o sumário implica, do narrador, um comportamento diverso: a distância é acentuada, numa atitude redutora em relação aos fatos.

EXTENSÃO

Pode ser entendida como uma modalidade da variação da velocidade temporal da narrativa. Insere no mesmo campo sistemático em que se encontram signos temporais como a elipse ou o sumário; aliás, é com este último que a extensão se conexiona por relação de simetria. O TD (tempo do discurso) é mais longo do que o TH (tempo da história), instituindo-se no relato uma velocidade homóloga à que no cinema é traduzida pelo ralente.

A extensão, enquanto prolongamento artificial do TH, constitui uma ocorrência usual em relatos dominados pela preocupação de valorizar eventos relevantes ou supostamente decorridos de modo demasiadamente veloz; por outro lado, também a representação da vida psicológica das personagens implica, muitas vezes, o recurso à extensão; cria-se, então, uma velocidade temporal considerada lenta. Quando são vários personagens envolvidos, a extensão do TD aumenta. Por isso não é raro que a análise de tais procedimentos extensivos, tendo em conta também a sua articulação com outras modalidades durativas, corresponda justamente ao interesse pela densidade da vida psicológica das personagens ou pela repercussão que ações decisivas e extensamente relatadas podem ter no desenrolar da história.

Consultas: Dicionário de Teoria da Narrativa

Augusto Matos e Wikipedia - Dicionário Teoria Narrativa
Enviado por Augusto Matos em 04/06/2010
Reeditado em 30/06/2013
Código do texto: T2299123
Classificação de conteúdo: seguro