ROMANTISMO - Ensaio Filosófico
ROMANTISMO – antes de tudo é preciso diferenciar o Romantismo Filosófico de seu homônimo nas artes, cuja principal característica foi o apelo e o apreço pelo Sentimentalismo, pelas Paixões, Amores proibidos e assuntos correlatos.
O “Romantismo Filosófico” ocorreu do final do século XVIII até meados do século XIX e seu foco central foi a oposição ao “Racionalismo” que imperava absoluto desde o período chamado de “Luzes ou Esclarecimento”. Se o “Racionalismo” defendia a tese de que a Razão ou a Racionalidade presidem todos os fatos da vida, coube ao “Romantismo” enfrentar essa tese e enaltecer a imaginação, a sensação, os sentimentos, a intuição, a espontaneidade e afins; colocando-os em pé de igualdade, e até em estágios superiores, ao do frio raciocínio. Tornou-se voz corrente entre seus adeptos a afirmativa que o Homem era mais, muito mais, que uma simples equação lógica. Que forças irracionais agiam sobre o mesmo e comandavam parte de suas atitudes. Que em paralelo com a frieza da lógica, do raciocínio, andava o Sentimento, a Sensação, a Emoção etc.
Certamente que tal opinião é de difícil contestação, pois como negar ao Homem a posse desses elementos mentais que vão além do Raciocínio? Não é possível, principalmente para todos que enxergam a vida a partir de ângulos maiores que o da triste e previsível matéria. Por isso, seu aparecimento foi de tal modo impactante que conseguiu alterar velhas tradições e refazer o Ser Humano como algo mais que um simples fantoche de Leis Inelutáveis. Repôs o Homem em sua condição de agente e não de mero espectador da vida.
E esta Teoria arrebanhou além de devotados simpatizantes, Pensadores de escol, dentre os quais abordaremos os principais: ROSSEAU, FICHTE e SCHELLING. Antes, porém, é necessário que se registre o “Romantismo” que o sábio Pascal (Blaise, 1623/1662, França) já defendia em pleno século XVII em oposição ao endeusamento da Razão que ocorria na época. Romantismo que o mesmo resumia, de forma genial, em sua célebre sentença: “O coração tem razões, que a própria Razão desconhece”; isto é, o Homem possui sentimentos (e motivos que deles decorrem) que vão muito além do Raciocínio e que se tornam as Causas de comportamentos que mesmo não sendo Racionais são indispensáveis para que se avance na ciência da Ética; como, por exemplo, quando a compaixão impede que animais sejam maltratados, embora isso possa ser feito “racionalmente”. No Romantismo, a máxima de Maquiavel de que “os fins justificam os meios” deixa de ser uma verdade, pois o caminho para se atingir determinado objetivo já não pode ser o mais curto, ou o mais “racionalmente curto”; será preciso que seja adequado ao Homem visto em sua totalidade. Ou como dizem os mais místicos, o “Homem visto holisticamente”. A par de Pascal, é claro, outros Pensadores também emitiram suas opiniões contrárias ao exagerado endeusamento da Razão, mas para este Dicionário declinaremos de comentá-los e passaremos aos Filósofos Modernos:
ROSSEAU (Jean Jacques 1712/1778, Suíça) – em 1750 publicou a obra “O Discurso sobre as Ciências e as Artes” em que rompia com o “Otimismo Racional” do chamado “Século das Luzes”. Demonstrou que o avanço da Ciência nunca seria suficiente para trazer felicidade ao Ser Humano. Em 1755 publicou o “Discurso sobre a origem da Desigualdade” que lhe trouxe fama, mas que lhe custou uma séria polêmica com VOLTAIRE e outros “Iluministas”, sobre quais criticava “um deslumbramento ante a Razão”. Em 1762 publicou o “Contrato Social” que para muitos é sua obra-prima. Nela, Rousseau, expos suas idéias de como deveria ser a “Sociedade Justa”. Idéias que lhe causaram problemas, pois os Mandantes Franceses as viam como ácida critica e apologia à insurreição. Em razão das perseguições que passou a sofrer exilou-se na sua Suíça natal e depois na Inglaterra, voltando depois à França onde faleceu. Suas principais abordagens e teses foram:
a. O Homem é “Bom” por natureza, mas a Sociedade o corrompe. Não a Sociedade em si, apenas certa forma de Sociedade, como a Ocidental, por exemplo, que se baseia apenas no “Racional” e prega que a desigualdade entre os Homens é determinada pela Natureza, sendo, portanto, inalterável. Racionalismo oblíquo é verdade, pois quando coloca a maioria para sustentar os luxos de uma minoria, não seleciona os mais aptos para estarem nesta elite, apenas invoca certo “direito divino” que bafeja aqueles que tiveram a boa sorte de nascerem em famílias abastadas.
b. No “Estado de Natureza (pré civilização, o Estado em que estão os animais, por exemplo)” o Homem vive feliz, em harmonia com o Mundo e em estado de pura inocência. Por isso a Civilização e/ou a Sociedade são dispensáveis, pois o “Social”, ou seja, a relação harmoniosa com os outros Homens, não está na Natureza, mas no interior do Homem. Tal idéia lhe foi introjetada e os primeiros que mudaram do “Estado de Natureza” para o “Estado de Civilização” o fizeram por mero acaso. Por uma simples convenção, um acordo entre Homens, que faz com que os Seres Humanos vivam agregados. Esse ideário rendeu-lhe a fama de “inocente” que vigora até hoje. Porém, é oportuno colocar a seguinte questão: na verdade, ele não propunha uma volta à “Lei do Mais Forte”? Não teria ele precedido Nietzsche ao advogar a “Vontade de Poder”? O Hedonismo como meio de convivência? Muitos poucos eruditos colocam essa questão, mas não devemos fugir da mesma, embora possa parecer contraditória com a decantada generosidade do filósofo; a qual, aliás, não é verdadeira, haja vista que o mesmo abandonou todos seus filhos aos cuidados de orfanatos, mesmo quando teve posses para sustentá-los.
c. O Homem difere dos animais e doutras Coisas por ser “Perfeito”. Assim, sua preocupação deve ser a de criar uma Sociedade que lhe garanta a segurança sem lhe tolher a liberdade. Desse modo, a Sociedade seria tão “perfeita” quanto os indivíduos que a compõe (sic). O modo de construir tal Regime é o assunto de sua obra mais conhecida “O Contrato Social”, onde propõe que o “Soberano” não é uma pessoa, mas sim o Conjunto de pessoas daquele agrupamento. Esse conceito, aliás, é bem mostrado em alguns lugares, como nos EUA, por exemplo, onde se jura defender a Constituição e não o Governante do momento. Nessa concepção, o individuo é próprio Legislador (tarefa que delega a um funcionário a quem paga o salário, e que são conhecidos como Vereadores, Deputados e/ou Senadores) e por isso é válido que se pense que a “Lei” será aceita e cumprida por todos. Cada Homem tem suas vontades e desejos particulares, mas de boa vontade os adéqua à Vontade da Maioria. É uma renúncia que deve ser apreendida através dos estudos, da educação e que promove a continuação dessa forma de convivência social.
Seguidores das teses de Rousseau demoraram em se mostrar publicamente como força viva, pois o “Império do Racionalismo” resistia às ameaças. Porém, o fermento do Romantismo fez o bolo crescer à medida que novas questões foram colocadas e não puderam ser respondidas pela Lógica. Dentre outros, brilhou a estrela de Fichte.
FICHTE (Johann Gottlieb, 1762/1814, Alemanha) foi profundamente influenciado pelo Pensamento de Kant (1724/1804, Alemanha) e ainda hoje é considerado um dos principais representantes do “Idealismo Alemão Pós Kantiano”. E por fazer pouco da Razão é que sua Filosofia é considerada “Romântica”. Tal como seu Ídolo, Fichte considerava o Raciocínio, ou o Racionalismo, ou a Razão, “apenas” uma parte do intelecto humano, não tendo qualquer preponderância em relação aos outros elementos mentais, tais como a “Experiência Empírica (aquela que consiste na percepção dos dados ou características do objeto estudado, através do que foi captado pelos Sentidos; ie. audição, visão, tato, olfato, paladar), a Intuição, a Imaginação etc.
Sua Filosofia começa com as mesmas questões estudadas por Kant; ou seja, os fundamentos, as bases em que se assentam a Experimentação, o Raciocínio (ou a Razão) e, a partir daí, a Relação existente entre as Causas (ou Motivos) que a Natureza impõe ao Homem e a “Liberdade” deste no Mundo Natural; isto é, como o Ser Humano consegue viver dentro de certas regras Morais, mesmo sendo acossado ou limitado pela Natureza? Como ele consegue superar as limitações da Natureza? Como ele consegue ser “Livre” das pressões físicas, concretas que o Mundo lhe impõe? Certamente que o Racionalismo seria insuficiente para tanto.
Com o tempo, o Filósofo traçou uma Doutrina Idealista que de certo modo antecipou a Filosofia de Hegel (1770/1831, Alemanha). Foi Fichte quem estabeleceu a primeira noção de “Ego”, na condição de um “Ser” ativo e autônomo, ou “livre” do conjunto da Natureza. O “Ego” seria uma auto-afirmação da Consciência Individual que se desgarra do “Todo” em que antes estava inserida. A partir dessa auto-afirmação o “Mundo Objetivo (concreto, físico)” passa a ser o “Não Ego”, aquilo que “não está” no Individuo daquela Consciência. Que lhe é exterior, diferente. Nota-se aqui que seu “Idealismo” já difere do de Kant na medida em que não considera a divisão entre o Fenômeno e a “Coisa em Si”. Para ele, Essência e Aparência são indissociáveis. Estão juntos na mesma “Coisa”, porém cada “Coisa” está em um lugar diferente. O “Ego” é composto pelo físico e pela mente. O “Mundo Objetivo” é formado pelas aparências e essências. E cada qual, Ego e Mundo, ocupam “espaços” diferentes, embora interligados.
No Campo da Moral e da Ética seu “Humanismo” e seu “Idealismo Prático (sic)” anteciparam de certo modo o Existencialismo*, como, por exemplo, quando coloca sua tese de que o Homem se faz por si próprio. Dele, nada preexiste. Não há uma Essência anterior, pois tal Essência só passa a vigorar quando o Homem passa a EXISTIR; fisicamente, ou não. Pois uma Existência Humana ultrapassa o corpo físico. Ainda hoje “existe” em nossa memória o Escritor Machado de Assis. O futuro bebê já “existe” nas preocupações do pai etc.
No Campo da Política, Fichte defendeu com ardor a necessidade de Reformas Sociais e, claro, a revalorização dos Sentimentos, das Emoções humanas.
SCHELLING (Friedrich 1775/1854, Alemanha) é tido como o “Filósofo do Romantismo Alemão”. Contemporâneo de Fichte, também é considerado um dos mais importantes filósofos do “Idealismo Alemão Pós Kantiano”. Sua filosofia parte do Sistema de Kant e de Fichte, principalmente no que diz respeito ao relacionamento que existe entre o ponto de vista (ou a Subjetividade) do Individuo e o Mundo Objetivo (físico, concreto). Como o individuo vê, ou sente o Mundo que o rodeia? A partir daí, Schelling afirma que: “o único Conhecimento possível é o que a Consciência tem de si própria”; isto é, o único Saber absoluto, válido é o autoconhecimento, pois todos os outros são relativos, na medida em que pertencem apenas a um individuo, sendo, portanto, tão diferente quanto forem os Indivíduos que dele se apossarem.
O Pensamento de Schelling é todo focado na questão da igualdade e até é chamado, por isso, de “Filosofia da Identidade (identidade: de idêntico, igual)” por afirmar a tese de que há perfeita igualdade entre a Natureza (física, concreta) e a Consciência do Homem. Ambas são iguais e tal igualdade torna-se plena no Absoluto*.
Recorte – Absoluto*: conforme Hegel, quando a Consciência já percorreu sua rota de evolução e volta voluntariamente a integrar o “Todo” ou o “Absoluto” de onde se desprendeu em algum momento no passado.
Todo ou Absoluto que abriga a Consciência e a Natureza (ou o Mundo exterior ao Homem) fazendo-as iguais, idênticas, pois ambas são “partes” dessa “Totalidade”. Portanto, já não existe a diferença entre o Mundo e o Individuo.
Dessa tese Schelling parte para a afirmativa de que a Filosofia deveria refletir (como se fosse um espelho) a igualdade, ou identidade, entre Consciência e Objeto, ou Individuo e Natureza, pois a partir dessa mostra seria possível “descobrir, avistar” o próprio Deus, na condição de ser o “Todo”, “Absoluto” que tudo abriga. Se enxergar-se a Natureza como igual ao Homem, e vice-versa, e ambos como “Uma parte” que é igual ao “Todo”; ao se vislumbrar essa “parte”, por analogia, enxerga-se o “Todo”, que é chamado de Deus.
Para o filósofo é através da ARTE que a Consciência pode vir a se autoconhecer plenamente, acionando o processo acima descrito; logo, caberia à Filosofia como disciplina, insistir na importância do individuo viver a “sua Arte”, isto é, compreender que o Mundo, a Vida vão além da mera contabilidade de bens materiais. Mais “romântico” impossível.
Citou-se no inicio que o Romantismo Filosófico difere de seu homônimo nas Artes. Contudo, para alguns eruditos, os Artistas Românticos ecoam as teses filosóficas que enaltecem a criatividade, a imaginação, a fantasia e afins. Desse modo, não haveria distanciamento entre os “Romantismos” e com freqüência cita-se o nome do poeta Novalis como fiel representante dessa opinião.
O “Romantismo”, como já se disse, seguiu o caminho da Filosofia e o das Artes. Aqui não falaremos sobre esse segundo, porém não se pode deixar de recomendar que os (as) interessados (as) estudem os intelectuais daquele período, tal foi a importância dos mesmos para a Cultura alemã e mundial. O movimento começou na Alemanha e em outras partes da Europa trazendo uma nova forma de Sensibilidade e de expressão artística. Teve inicio com o “STURM UND DRAG” cuja tradução aproximada seria “tempestade e ímpeto” e que era o nome de uma peça teatral de MAXIMILIAN KLINGER (1751/1831, Alemanha). E o nome foi perfeito para designar o “espírito” do movimento de jovens poetas alemães, que resgataram uma “jovem Alemanha” – então um agrupamento de Províncias semi-autônomas – e sua rudeza, sua vitalidade e sua tentativa de ressuscitar o “guerreiro germânico”. Desse inicio acanhado o Romantismo seguiu a trilha do sucesso e ainda hoje é uma influência decisiva no terreno artístico. Dentre outros Escritores e Poetas citaremos HERDER (1744/1803, Alemanha) que resgatou em seu trabalho a Cultura Popular, expressa nas lendas e tradições; GOETHE (1749/1832, Alemanha) autor de obras imortalizadas como “Fausto” e “O Sofrimento do jovem Werter”; o poeta SCHLEGEL (Friedrich 1772/1829, Alemanha) e o já mencionado NOVALIS (pseudônimo de Friedrich Von Hardenberg (1772/1801).