Sobre o budismo
Budismo é a arte, técnica, ciência da extinção do sofrimento.
Não é religião, não é filosofia, não é explicação tranqüilizadora.
Buda, utilizando-se de conceitos já conhecidos em sua época, sacou que a fonte do sofrimento humano é o eu individual que os homens criam e mantém ao longo de sua vida.
Sua mensagem tornou-se revolucionária porque, diferentemente do que pregavam os brâmanes hinduístas que defendiam um sistema de castas imobilizador da sociedade, a extinção do sofrimento passou a ser acessível para qualquer ser, independentemente de sua origem.
As crianças nascem livres de um eu sofredor que vai se formando ao curso de sua educação, quase como reflexos condicionados socialmente impostos e que se cristaliza na adolescência.
Esse eu procura se diferenciar considera-se algo dotado de características especiais e se converte em repositório de todos os sofrimentos. Ele que originalmente não existia é que domina as vidas, e acabará por se extinguir com a morte inevitável. Sofre com a aniquilação anunciada no futuro. Mas deveria também sofrer com o nada de onde veio.
A manutenção do eu ocorre pelo apego. Ele reconhece o mundo pela memória que está constantemente sendo exercitada. Ele se mantém pelo desejo que é a afirmação do apego cuja manifestação se exerce pelas palavras, que é a moeda corrente do eu, e pelo diálogo interior, um fogo que nunca se extingue.
Esse discurso interno calcado em palavras é a forma de existência do eu, uma existência ilusória, já que palavras são abstrações que não substituem os fenômenos que representam. Uma rosa não é uma rosa, não é uma rosa, não é uma rosa é uma afirmação desafiadora! Mas a outra, de Gertrude Stein também o é: uma rosa, é uma rosa, é uma rosa... É a mesma coisa.
Antes de continuar queria dizer que não professo qualquer religião. Meu interesse por elas visa percebe-las enquanto fenômeno social e o modo como elas satisfazem ‘as necessidades das pessoas individualmente e o seu papel enquanto instituição, que é modo como elas fabricam ideologia para manter o corpo social unido e funcionando a partir da influência de autoridade social que elas têm.
E o budismo é uma das religiões mais simpáticas. O seu objetivo são as pessoas e seu efeito de autoridade é pequeno. Nunca se viu um país fazer uma guerra empunhando a bandeira das causas budistas, ao contrário das outras religiões modernas, autoritárias, punitivas, coercitivas, inquisitivas. Assim o seu efeito de “cimento” social não é muito grande. Espalhou-se inicialmente pela Ásia, mas depois sofreu forte competição das outras religiões mais dinâmicas socialmente.
Então, minhas reflexões sobre o budismo são inteiramente pessoais. As faço para organizar os meus pensamentos. Posso estar completamente equivocado, e continuarei enquanto achar que há sentido no que penso.
Retomando, o eu e seu monólogo interior é a memória do sofrimento. É o próprio sofrimento. As palavras que usa para se manter, constituem-se em preconceitos. Palavras são símbolos, sinais, que formam uma imagem-pensamento-sentimento que remetem para a experiência prévia do indivíduo. Logo, estão carregadas de preconceitos. Esse tipo de relacionamento com o mundo externo impede a apreensão do real, no momento em que está acontecendo. Lidamos com o presente a partir da memória do passado e das nossas expectativas quanto ao futuro. Nossos sentidos apreendem mensagens deformadas da realidade, e essa é a fonte de muito sofrimento.
Não quero rechear esses pensamentos com citações enfadonhas, mas cabe uma, neste momento. Um soberbo pensador do século 19, K. Marx, ilustrou esses sentidos diferentes que as palavras podem ter com o famoso exemplo da palavra “algodão”. Para um negro trabalhador das fazendas, algodão significa trabalho, suor, chibata. Para uma enfermeira, o significado é outro. Para uma costureira, outro. Para um corretor da Bolsa de Chicago, o sentido é completamente diferente. Então qual o sentido real? Evidentemente depende da experiência prévia do indivíduo, advinda de sua prática cotidiana.
A proposta desafiadora de Buda é: se o eu é a origem do sofrimento, o remédio consiste em eliminar essa fonte. O seu método é simplesmente deixar-se estar em meditação, uma postura perfeita e o controle dos sentidos e do pensamento. A sua prática é contínua. O seu objetivo é esvaziar a mente, colocando-se ‘a disposição do real que se manifesta em cada momento. A obtenção de resultados não é garantida. Quem já tentou meditar sabe como é difícil. Um segundo só de paz verdadeira é estímulo para continuar.
Buda não deixou uma única palavra escrita, o seu ensinamento foi demonstrado ao vivo, com o seu próprio corpo, nos 80 anos de vida. Os seus discípulos transcreveram algumas de suas palavras. Os seus discursos são simples e objetivos e nos encantam. Podem ser encontrados em diversos livros traduzidos.
Há preceitos e princípios, mas o fundamental é a prática meditativa, como ele mesmo, Buda, fez após o período de ascese. Posição de lótus, ou semilótus, isso não tem muita importância. Controle dos sentidos, atenção ao momento presente, deixar os pensamentos fluírem como nuvens que viajam no céu, sem alimenta-los em seus desdobramentos; eles simplesmente passam.
Buda não dá grandes explicações sobre as técnicas de meditação. O budismo primitivo difundiu-se pela Ásia, tendo sido assimilado em fusão com as culturas pré-existentes, assumindo diferentes variantes.
Na China, o budismo e o taoísmo em conjunto foram capazes de gerar o Zen-budismo, extraordinária escola, essa sim, com muitas explicações sobre as técnicas meditativas. O Zen, posteriormente migrou para o Japão, impulsionando a cultura japonesa nos seus aspectos admiráveis que ainda existem.
Na China, há também a escola da Doutrina Flor de Ouro, em que os elementos taoístas e alquímicos estão mais presentes.
No Tibet, o budismo teve desdobramentos próprios, com ênfase na transmigração e num sistema hierárquico de lamas, cimento social quebrado ‘a marretadas pelos estado chinês na década de cinqüenta.
Cheguei ao ponto que queria.
Espero, em breve, pensar sobre o Zen budismo.