Arborescência

E no fim de nossa jornada retornaremos ao ponto de partida

E só então é que o conheceremos pela primeira vez.

(T. S. Eliot)

Existe um quê de terrivelmente humano nas coisas externas. Algo de terrivelmente trágico no fim de tudo. Sempre ouvi histórias que me fizeram, por vezes, perguntar se realmente não há alguém ou algo que se divirta com todos os mistérios do mundo. Certa vez, eu li sobre um homem, um grande músico de uma grande banda, cuja razão maior de viver se encontrava simplesmente entre compor e apreciar os sons das mais belas criações. Para ele, era aquilo o paraíso. A sua razão de viver consistia simplesmente em ouvir as mais belas melodias, co-penetrado no silêncio para as outras coisas mundanas. Algum tempo depois - ou talvez tenha sido antes, não me recordo totalmente - li outra belíssima história de um homem que dedicou a maior parte de sua vida a viajar pelo mundo, conhecendo e aprendendo com as diversas culturas dos cinco continentes. Seus conhecimentos sobre o ser humano eram tamanhos que, em sua idade avançada fora considerado o maior entre todos os intelectuais vivos, o maior entre os sábios. Por certo que, o conhecimento fora a grande razão de seu amor pela vida. Talvez, aprendendo estivesse, ele, buscando descobrir-se por um caminho racional, assim como o velho músico talvez buscasse a si na irracionalidade da música. Contudo, de uma maneira estranhamente violenta parece o mundo proteger os seus mistérios da busca incessante dos homens. O fato é que, o primeiro homem fora acometido por uma terrível doença que, por grande ironia, destruíra em grande parte seu órgão auditivo. De forma que, a música que num instante constituía-lhe a fonte inesgotável de prazer e amor pela vida, noutr’ora somente lhe traria dor e angustia. Uma dor insuportável a qualquer ruído, ao menor que se ouvia. O segundo, o grande sábio, já na idade avançada fora atordoado por um mal que, ainda que não lhe gerasse tamanha dor quanto ao primeiro homem, lhe abriria uma nova senda pela qual comprazeriam todos os seres em seguir para um único destino em comum: o fim trágico que consiste em, tentando-se sair dele, mergulhar novamente no mistério do mundo, como se de lá nunca devesse ter saído.

Conta-se que, a sua parcela de tormento na tragédia do mundo fora o esquecimento de tudo o que aprendera sobre absolutamente tudo. Todos os livros que escreveu eram para ele, a partir de então, indiferentes como se nunca os tivesse conhecido. – O homem mais sábio do mundo era, por fim, tão sábio quanto uma criança! E pouco mais que uma criança sabia, por decorrência de uma doença degenerativa que lhe acarretara em perda da memória.

Uma pergunta que não cessa de me perturbar o sono diz respeito à natureza comum entre toda forma de vida. Uma vez que, a origem seja a mesma, por que haveria de ser diferente o fim? Um pequeno mamífero que desde o nascimento têm-se ao cuidado dos pais para que com o tempo aprenda a resistir aos ataques incessantes dos vorazes predadores, para por fim, terem seus próprios pais que dar com as bocas e dentes de seus algozes. E em seguida eles próprios, seguidos por suas proles e assim eternamente. Ao ver tantas mariposas “abraçarem” calorosamente as chamas todos os dias ponho-me a perguntar sobre que possibilidades elas teriam de escapar a este fim. Talvez, o grande sentido de suas existências seja, tão simplesmente, encontrar a luz. Encontrar essa luz reveladora de suas sombras para, então, mergulhar novamente no mistério.

Talvez, todos nós homens, mamíferos, insetos, plantas, (...) Talvez, sejamos todos como meras mariposas voando sempre em direção às chamas. A diferença, talvez, consista no fato de que cada um veja a outra espécie ir de encontro à chama, sem, contudo ver que este é também o seu próprio fim.

Lançarott

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Enviado por lançarott em 16/05/2010
Reeditado em 19/05/2010
Código do texto: T2260390