RACIONALISMO, RAZÃO, RACIOCÍNIO, RACIONAL e RACIONALIDADE, RACIONALIZAÇÃO - Ensaio Filosófico

RAZÃO, do Latim “RATIO”, é um termo freqüente em Filosofia. Na seqüência, serão expostas as definições usuais para este termo. Antes, porém, é deveras importante recordarmos que o termo “Razão” é polissêmico, podendo significar: motivo, raciocínio, racional, racionalidade, lógica; e, de certo modo, Positivismo, Materialismo, Fisicalismo e outras tendências que colocam a capacidade humana de Raciocinar como a única que efetivamente é capaz de agregar Conhecimento ao Homem. Abaixo os usos mais rotineiros:

1. A Faculdade, ou a Capacidade, de julgar. De diferenciar o Falso do Verdadeiro, o Bom do Mal, o Azul do Amarelo, o Sólido do Liquido etc.

2. Mas especificamente, é a capacidade de utilizar certas características inatas (de nascença) do Homem para compreender os relacionamentos entre as Coisas e, a partir daí, estabelecer se a mesma é “falsa” ou “verdadeira”, “azul ou amarela”, “concreta ou abstrata” etc. Ou, ainda, a capacidade demonstrar, justificar uma Teoria, uma hipótese, uma afirmação. Aqui, tem-se a “Razão Discursiva”; isto é, a Razão que seguem um Curso, um Rumo, um Sentido e nesse trajeto vai compreendendo e explicando os fatos e formulando conceitos para, no fim, extrair conclusões sobre aquilo que estudou ou que defendeu enquanto Tese, hipótese etc. Sobre aquilo em que pensou, racionalizou conforme as regras da Lógica. Ver Logicismo, Lógica Aristotélica, ou Clássica.

A “Razão” também é associada ao dom que o Homem já tem aos nascer e que é chamado de “Conhecimento Natural”; ou seja, aquele Saber que lhe é naturalmente acessível, sem a necessidade de ter havido anteriormente uma “Revelação (divina)”. O filósofo LEIBNIZ (1646/1716, Alemanha) assim definiu esse dom: “a Razão é o encadeamento (ou a sucessão coerente) de Verdades ... das Verdades que podem ser atingidas pelo espírito humano naturalmente, sem o auxilio das “luzes (ou Conhecimento) da Fé”.

Doravante, para efeitos de esclarecimento e de diferenciação, abordaremos os Sistemas de alguns filósofos que ao termo “Razão” acrescentaram adjetivos para caracterizá-lo de acordo com a sua doutrina.

1. RAZÃO SUFICIENTE – LEIBNIZ propôs ser a “Lei” que faz com que para todo Fato que ocorra, haja uma Razão (ou Motivo, ou Causa) para que tal fato aconteça. E aconteça daquela maneira e não de outra.

2. RAZÃO TEÓRICA – constante no Pensamento de Kant (1724/1804, Alemanha) esse título significa a capacidade inata e A PRIORI (isto é, sem qualquer experiência empirica 1) que o Homem tem de organizar as regras do “Entendimento”, o qual, por sua vez, é a capacidade de organizar os “Fenômenos” que lhes chegam através dos Sentidos (visão, audição, tato, paladar e olfato). Segundo o filósofo: “se o Entendimento pode ser definido como a faculdade de dar aos Fenômenos unidade, por meio de regras, a Razão é a faculdade de dar unidade às Regras do Entendimento sob a forma de Princípios” (Critica da Razão Pura).

Experiência Empírica - (aquela que consiste na percepção dos dados ou características do objeto estudado, através do que foi captado pelos Sentidos; ie. audição, visão, tato, olfato, paladar).

3. RAZÃO PRÁTICA – a Razão ou a Racionalidade vinculada à Moral e utilizada na prática do dia a dia, permitindo ao Homem tomar decisões e agir baseado em Princípios, ou Regras Morais. Para Kant, criador da expressão, é a “Razão Prática” que responde à pergunta: “que devo fazer?”, estabelecendo os Princípios Morais que regem ou governam as atitudes humanas.

4. ASTÚCIA da RAZÃO – expressão criada por Hegel (1770/1831, Alemanha) para designar sua tese de que a RAZÃO materializada (como se fosse um SER espiritual que habita um corpo físico) na HISTÓRIA utiliza-se astuciosamente dos Homens para atingir seus objetivos. Iludidos, os Humanos lutam para atingir seus objetivos que eles julgam pessoais, mas que na verdade são objetivos da Razão, que desse modo conduz o curso, ou rota, da História, tendo na instituição “Estado” sua mais valiosa ferramenta para praticar essa astúcia contra os Seres Humanos. Dessas considerações é que surgiu a célebre frase do Pensador: “o Estado é uma astúcia da Razão”.

RACIOCÍNIO – do Latim “RATIOCINATIO”. É a ação do Intelecto, seguindo as regras da Lógica, pela qual se faz o encadeamento e a organização dos dados recebidos através dos Sentidos, para com isso afirmar a veracidade ou a falsidade daqueles dados; e/ou daquilo que foi formado a partir desses dados. E também, é claro, para exarar os outros conceitos que se formam a partir das características do que foi captado, como, a cor, a solidez, o tamanho, o peso etc.

O Raciocínio também é a elaboração de uma argumentação lógica, coerente, sobre uma hipótese, ou sobre uma tese, um fato etc. Tradicionalmente o Raciocínio é visto de duas maneiras, a saber:

a. RACIOCÍNIO DEDUTIVO – é aquele que se forma de acordo com a Lógica e sob a forma de Silogismos; isto é, a dedução lógica, racional, que se faz de duas premissas, ou pressupostos, ou pontos de partida de um argumento ou de um Raciocínio.

b. RACIOCÍNIO INDUTIVO – aquele que faz uma generalização de Fatos, Pessoas, Objetos após ter verificado que os mesmos se repetem com regularidade e de maneira igual ou similar. Essa repetição regular INDUZ a que se considere que os Acontecimentos, Objetos ou Pessoas singulares, são ou serão Gerais.

RACIONAL-RACIONALIDADE – Racional é tudo aquilo que está associado à Razão. Tudo que é baseado na Razão. A Racionalidade é a característica, ou a condição, ou o estado, de tudo que é Racional. De tudo que está em conformidade com as Regras da Lógica, do Raciocínio, do Racional, da Razão; como, por exemplo, nas seguintes expressões: “Princípios racionais”, “decisão racional”, “pensemos com Racionalidade” etc.

Sob a ótica epistemológica e antropológica de Racional e de Racionalidade são colocadas as questões que seguem:

a. O conceito de Racional ou de Racionalidade é Cultural e, portanto, relativo a um só povo, país, ou cultura; ou é Universal e, portanto, pertencente a toda Humanidade?

b. Esses Conceitos são inatos; ou seja, o Homem os possui desde o nascimento ou os adquire no processo de educação?

c. Serão tais Conceitos derivados das “Leis Naturais” que governam a Realidade? E nesse caso serão Ontológicos; isto é, suas raízes estão além da Física, no plano Metafísico?

Essas discussões sempre foram feitas e prosseguem na atualidade, pois ainda hoje é possível encontrar pessoas que acreditam, por exemplo, em “gnomos”; os quais, para elas tem uma existência real e passível de ser explicada racionalmente (sic).

O sociólogo MAX WEBER (1864/1920, Alemanha) lançou luzes nesse debate ao afirmar em sua obra “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo” que os Conceitos de “Racional e Racionalidade” devem ser separados em dois grupos, os quais podem, ou não, serem considerados complementares. A saber:

1. AÇÃO RACIONAL VALORATIVA – ou “WERTRATIONAL”, no alemão original. É a ação, ou a crença que se possui e que se faz seguindo certos valores que se auto-justificam e são considerados “Verdadeiros” para quem neles acredita. Exemplo claro são os “Rituais Religiosos” onde o cético nunca encontrará qualquer Racionalidade em algumas liturgias ou em passagens das “Sagradas Escrituras” daquela Fé. Desse modo, por exemplo, “Javé”, que em tese é onisciente e, no entanto, reluta entre duas alternativas, ou que se arrepende de atos que fez (sic) só pode ser considerado “Verdadeiro ou Real” para os devotos do Judaísmo e do Cristianismo; os quais, ante essa incoerência apelam para certa “Racionalidade Divina”, que estaria além da capacidade de compreensão dos Homens.

2. AÇÃO RACIONAL INSTRUMENTAL – ou “ZWECKRATIONAL”, no alemão original. Um ato ou um procedimento que visa apenas fins ou objetivos específicos. É executado seguindo cálculos, ponderações e adequações necessários para se atingir o resultado esperado. WEBER associa tal forma de Racionalidade ao Capitalismo* e ao progresso da tecnologia e da Sociedade Industrial. Para ele: “a Racionalidade é o estabelecimento de uma adequação entre uma Coerência Lógica (descritiva, explicativa) a uma Realidade Empírica”. Em outros termos: se quero bater um prego, é “racionalmente lógico” que eu use um martelo, pois experiências empíricas anteriores, minhas e de outros, constataram que não se tem o resultado desejado se eu utilizar uma tesoura.

RACIONALIZAÇÃO – em termos gerais é o método que defende a tese de que a Razão tem papel central na organização da vida humana. Quando se fala, por exemplo, em “Racionalização do Trabalho” quer-se afirmar que se este trabalho seguir uma “Coerência Lógica ou Racional” será mais produtivo e menos penoso.

Praticamente em toda sua vida o Homem é induzido a racionalizar tudo que lhe cerca; e é por essa abrangência que os eruditos criaram subtítulos para facilitar e aperfeiçoar (ou para racionalizar) os estudos relativos. Na seqüência abordaremos as principais categorias:

1. NA TEORIA PSICANALÍTICA – a Racionalização é vista como uma forma de defesa que o individuo utiliza para “explicar racionalmente” suas atitudes; as quais, porém, são motivadas por motivos Inconscientes, reprimidos ou não, que serão admitidos pelo indivíduo em seu tratamento.

2. TEORIA CRITICA – elaborada pelos filósofos da chamada “Escola de Frankfurt” afirma ser a Racionalização uma (falsa) justificativa para que alguns exerçam a dominação e a exploração de outros sob a bandeira da necessidade de tal opressão como único meio para que o progresso e o desenvolvimento social aconteçam. Todavia, como se pode deduzir com facilidade, o verdadeiro motivo da “Elite Dominante” é manter seus privilégios. O filósofo Sêneca (4 a.C/65 d.C. Roma), milênios antes, já alertava sobre esse perigo ao afirmar que “o Tirano sempre apresenta razões para sua tirania”.

A Racionalização também é uma maneira de ver o Mundo, segundo a qual a coerência lógica e racional é extraída de dados parciais; os quais, mesmo com essa limitação, são considerados suficientes para retratar fielmente a Realidade. Por essa ótica errada é que alguns (talvez a maioria) medem, por exemplo, o bem-estar de um Povo pela riqueza de sua Pátria, sem ao menos se perguntar se tal riqueza é distribuída com justiça, se é bem aproveitada e se de fato gera conforto para aquele Povo. Esse mesmo erro também ocorre quando se considera apenas um aspecto de qualquer Coisa, Fato ou Pessoa. E, ainda, quando se acredita que todos os males do Mundo tem apenas uma Causa, um Motivo.

Esse tipo de Racionalização pode iniciar-se a partir de uma hipótese ou a partir de uma Afirmativa totalmente absurda, errada, e que, mesmo assim, acaba tornando-se um “Sistema Lógico” do qual são tiradas conseqüências práticas que, como se viu, tem por base um erro e que por isso se tornam nocivas.

RACIONALISMO – Doutrina segundo a qual, a Razão é a principal faculdade, ou capacidade, humana; e a base de todo processo de aquisição, ampliação e manutenção de Conhecimentos possíveis, feitos pelo Homem.

O Racionalismo tem como primeira tese a afirmação de que o Real, ou a Realidade, é Racional; portanto, a Razão – ou a capacidade de raciocinar – é capaz de compreender a Realidade e de conhecer a “Verdade” sobre a Natureza das Coisas; isto é, o que é tal Coisa, ou tal Fato, ou tal SER? De que é feita? Por que é feita? Quais suas características? Quais suas potencialidades? Etc.

Por outro lado, para os Racionalistas, tudo aquilo que povoa a mente humana, além dos Raciocínios Lógicos, é Irreal, falso, ilusório. Inclusive as Emoções e os Sentimentos, os quais, não passariam de primitivas sensações, vigentes apenas em indivíduos de pouca cultura e de inteligência sofrível. Para os adeptos do Racionalismo, quanto maior for a Capacidade de Raciocinar, menor será o apelo e a carência de ser querido, importante e amado. O individuo plenamente Racional se basta.

É uma posição dura e que, como seria de se esperar, suscitou, e ainda suscita, versões adversárias também severas, dentre as quais citaremos a de PASCAL (1623/1661, França), cuja frase “o coração tem razões que a própria Razão desconhece” tornou-o célebre (nesse campo especificamente) e ícone de todos os que se opõem à frieza da “Racionalidade Cartesiana”; ou seja, do Racionalismo consolidado por DESCARTES (1596/1650, França), que de tão convicto sobre a potencialidade do Raciocínio, usou-o para se certificar da própria existência, fórmula que o mesmo expressou em seu famoso enunciado “penso, logo, existo”.

Outra posição contrária, e talvez mais contundente por ser sistemática, foi a de ROSSEAU (1712/1778, Suíça) que se opôs abertamente ao Racionalismo que imperava a época. Foi ele, provavelmente, o iniciador do Movimento Filosófico chamado de Romantismo* que se iniciaria como tendência no final do século XVIII e floresceria como semi-consenso no século XIX.

Contudo, apesar de nunca ter tido aceitação unânime e ter sofrido as investidas supras citadas, o Racionalismo consolidou-se, e com diferentes matizes e em diferentes escalas permeou os Sistemas Filosóficos, como se verá na seqüência:

1. RACIONALISMO HEGELIANO – que nas Grandes Linhas reafirma a tese já exposta sobre a Realidade ser Racional e, portanto, compreensível a partir do uso do Raciocínio; bem como a afirmativa de que tudo que não puder ser compreendido Racionalmente será irreal, meras fantasias ou ilusões. Hegel (1770/1831, Alemanha) com tal doutrina, fazia dura oposição ao Ceticismo* e ao Misticismo*. Ao primeiro, por discordar de sua tese de ser impossível ao Homem chegar à “Verdade”; afinal, para ele, essa “Verdade” é plenamente acessível através do Raciocínio. E ao Misticismo* devido ao fato de suas teses serem formuladas sem base Racional, o que, segundo Hegel, as invalidava.

2. RACIONALISMO CRÍTICO – doutrina de KANT (1724/1804, Alemanha) sobre os limites da Razão, ou do Raciocínio Lógico, em sua aplicação no processo de aquisição de Conhecimento da Realidade. Em outros termos: até onde a capacidade de Raciocinar do Homem pode chegar, quando é usado para se adquirir “Saber” sobre a Realidade que o cerca.

3. OPOSIÇÃO ao EMPIRISMO* e ao FIDEÍSMO* – em relação ao Primeiro por discordar de sua tese que coloca os Sentidos e a Experiência Empírica (aquela que consiste na percepção dos dados ou características do objeto estudado, através do que foi captado pelos Sentidos; ie. audição, visão, tato, olfato, paladar) como as “Colunas Mestras” do processo de aquisição de Conhecimento, deixando ao Raciocínio ou à Razão um papel secundário. Em relação ao Fideismo por discordar de suas teses que são baseadas apenas na fé irracional e na “Revelação Religiosa”, a qual, só tem significado para quem nela acredita.

O Racionalismo, além das citadas, abriga várias outras Doutrinas, diferentes em pontos específicos, mas todas concordes de que o Raciocínio tem o papel central no cenário da Filosofia.

Em seu sentido Filosófico mais puro, a Racionalidade tanto pode ser um ponto de vista sobre o Universo em que se reafirma a vinculação entre Razão e Realidade; quanto uma visão sobre a Ética em que se afirma serem as ações, as atitudes, as condutas e as finalidades das Sociedades Humanas, estritamente racionais.

Quando faz oposição a outro Sistema Filosófico, o Racionalismo toma o formato que melhor se adeque àquela contestação. Quando, por exemplo, critica o “Pensamento Antigo”, faz-se logicamente argumentativo e critico. Contra o Empirismo, como se viu, torna-se apologista do Método Lógico e Matemático (sobretudo, nesse caso, com Leibniz [1646/1716, Alemanha]). Ao Fideismo, também já citado, faz-se sistematicamente cético em tudo que não possa ser explicado racionalmente, isto é, às crenças movidas apenas pela fé. Contra o Misticismo* argumenta como adepto do Positivismo*, das “Verdades Científicas”. E de acordo com essa sua maleabilidade, o Racionalismo pode servir de base para aspectos isolados, quando, então, aparece como “Raciocínio Moral”, “Racionalismo Político”, “Racionalismo Religioso” etc.

Junto com o Idealismo*, mas em outro sentido, o Realismo forma o conjunto das maiores questões filosóficas, as quais, apesar de tanto estudo continuam tão incógnitas quanto no tempo de suas primeiras apreciações. E como é característica do Ser Humano a pluralidade de opiniões, não se pode prever que um dia uma delas se torne tão consensual que suprima a outra. A dualidade que Platão nos expôs, continuará ocupando nossos esforços, os quais, talvez em si, encerrem a natureza do Homem. Somos duplos.