O OFÍCIO DAS PALAVRAS

 

 

 

Falar não é tudo. Expressar-se é que são elas. No falar, preponderam os efeitos físicos, enquanto no expressar, aspectos culturais, vivências, acúmulo de saberes em áreas específicas, sensibilidade aguçada, domínio da língua, dentre outros aspectos.
Quem vive do ofício da comunicação nos seus diversos formatos, não pode romper com o fundamento disto que é a EXPRESSÃO, sob diversas formas de conceito: comunicação e expressão, significado e significante, mensagem, meio e veículo de comunicação, informação, etc.
Diante das facilidades que a internet oferece, muitos são os que estão por aí fazendo
"literatice".  O que nos salva é que há outra parte de pessoas escrevendo certo, respeitando as regras da nossa língua e se expressando com razoável rigor técnico. Neste sentido é que entra a competência demonstrada no estilo: escrever bem já é um primor, mas se concomitante a isto o autor dispuser de um estilo contagiante, envolvente, elegante, então será o máximo para um "artífice das letras". Faz-se neste aspecto a evidência do princípio da arte de escrever, posto que as várias formas de escrita estejam diretamente ligadas a sua finalidade, tipo: um texto jornalístico não pode ser escrito com uma linguagem de crônica e vice-versa. Por outro lado, escrever um conto vai requerer outro formato na maneira de colocar o pensamento na ilação dos atores e das diversas falas. Não obstante, um poema já foge completamente da forma de ser posto no papel, principalmente porque vai exigir do poeta a poesia em seu sentido mais real: "fotografar a realidade com ângulos de arte que só a imaginação de um bom poeta pode flagrar com ou sem flash".
Outro aspecto da expressão que me chama atenção é a objetividade. O autor de uma peça literária tem por obrigação saber o que vai comunicar, pois a partir daí  vai rechear seu trabalho com as formas próprias que o idioma lhe permite. Um escrito com desfecho trágico, por exemplo, pode ser discorrido de forma bem humorada, mas chegando ao seu final dentro do que não pode fugir que é a objetividade para o que se quer comunicar.
Colocar alguém diante de uma proposta literária, seja ela qual for, é muita responsabilidade. O autor pode até nem ser conhecido e isto é o menos importante, diante da realidade dessa arte em que bons autores nem sempre são referenciados nos circuitos competentes. O mais importante, defendo, é o conteúdo do que se escreve e sua forma. Está implícita a responsabilidade com a verdade acerca do conteúdo em suas diversas matizes intelectiva.
Ninguém divida de que falando somos um, mas escrevendo somos o mesmo de forma diferente. Entre o falar e o escrever, há um complexo simbólico que requer cuidado no elaborar a mensagem. Num discurso político, se houver uma gafe por parte de um pretenso candidato, entra a máxima de que "palavras não voltam atrás". Diante de um pedido de desculpas, mesmo assim fica o estrago feito, como se diz no popular. Com um texto escrito, isto pode ocorrer de forma deliberada, mas dificilmente na forma de equívoco, pois o autor está diante de seu texto e tem a obrigação de verificá-lo como um todo para não se contradizer. Não esquecendo que se tratará, tão logo seja publicado, de um documento assinado.
Escrever, repito, é tarefe dificílima e requer técnica e conhecimento conforme já nos referimos. Quando o que se escreve reverbera toda uma construção interior de vida, conflitos existenciais, então é que a matéria irá se revestir de mais competência e objetividade por parte do autor. Neste sentido, Clarice Lispector, foi ímpar: o texto que segue, no meu entendimento, bem representa esta assertiva:


"Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. 
Entender é sempre  limitado. Mas não entender pode não ter
fronteiras. Sinto que sou muito mais completa  quando não entendo.
Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não  
como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, 
como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura
de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo 
menos entender que não entendo."                    
                                   (Clarice Lispector)