ENSAIO SOBRE A INDIFERENÇA
 
 
 
(Somos estranhos oriundos de um mesmo ninho)
 
 
 
Indiferença. Ah! A indiferença! Tem muito pouca coisa pior do que a indiferença daqueles que nos são mais íntimos. O indiferente é um anormal: tem cérebro e não pensa; tem coração e não sente; tem alma e não ama. Essa anomalia existencial tem raízes mais profundas em todos os seres humanos, pois já dizia Friedrich Nietzsche que: “O homem é um animal doente”. A indiferença é um mal que deve ser tratado como todos os males, mas essa indiferença é um mal que tem raízes no emocional. É bem provável que aqui estejamos tratando com um desequilíbrio psíquico, pois é possível notar que o indiferente carrega traumas que não são bem administrados ou assimilados em sua economia psíquica.
Urge que conheçamos a psique humana, para saber o porquê que fazemos as coisas que fazemos. O ser humano tem em seu inconsciente um arquivo existencial muito grande e, às vezes, nem ele mesmo sabe administrar essa monstruosa economia psíquica. “O arquétipo é um órgão psíquico presente em cada um de nós, um fator vital para a economia psíquica” Carl Gustav Jung. E que, segundo os especialistas nessa área, (Psicólogos e Psiquiatras) afirmam eles ainda que, esses desequilíbrios psíquicos são a origem dos nossos verdadeiros demônios. É fácil de observar esse fenômeno existencial, pois aqui está se tratando de impressões, figuras, vivências passadas que estão reprimidas no inconsciente, nos atormentando e gritando por uma solução.
Esses são os nossos verdadeiros demônios que vivem beliscando e atormentando a nossa mais profunda intimidade, o Id ou a inconsciência O Id é parte de um conjunto do inconsciente ou um departamento psíquico de arquétipos, figuras ou impressões que vão, no futuro,  moldar a nossa personalidade. Mas se não dermos importância aos gritos do inconsciente, é quase certo que estaremos construindo a estrada desastrosa da neurose, que é um evidente desequilíbrio psíquico, e que, normalmente, nos leva a um afastamento das relações pessoais, (apatia, isolamento, solidão) e a uma mania existencial como se estivéssemos se penitenciando na vida. Por isso, as pessoas vivem um vazio existencial, se fecham em si mesmas e se tornam retraídas e desconfiadas, geralmente, isso as leva silente para o caminho da auto-extinção - o suicídio.
Há muito venho observando e percebendo o que está se passando com a minha própria irmandade familiar, estou querendo enfocar um comportamento doentio, anacrônico e de uma frieza fraternal sem precedentes. Eu não sei se posso debitar esse comportamento familiar a um fenômeno da atualidade, ao da bifurcação ou ao da diáspora ocorrida ou a uma triste sina hereditária. Evidentemente somos a repetição ou a história da própria raça que evoluiu. Mas a esse preço e a essa frieza? É algo que deve ser estudado por psicólogos, psiquiatras ou sociólogos, a fim de descobrir aonde se aloja esse tumor vivencial que espalha tão facilmente a sua metástase, a indiferença. Não pretendo generalizar, mas é fato que alguns apresentam essa anomalia indigesta. Essas pessoas vivem uma apatia visível, num isolamento desconcertante e são difíceis de alimentar um diálogo sadio, pois preferem sempre o isolamento e a não tomar conhecimento do que lhes rodeia. Na verdade, essas pessoas são verdadeiras personalidades ególatras ou doentes psíquicos que mais necessitam de uma terapia de apoio. (tratamento)
Eu sei que é difícil tratar desse assunto, pois estou pretendendo fazer uma intervenção cirúrgica na minha própria carne, quero dizer, na minha família, sem anestésico e sem uma terapia de apoio, para enfrentar, cara a cara, essa inusitada e corajosa reflexão. Entretanto, eu acho que sou o único entre seis irmãos que mais nota e sofre com esse mau que, por enquanto, vive sem uma explicação científica ou inteligente. Também é verdade que nos todos temos sérias limitações de comunicação, entretanto, o que é notado e sentido é sem dúvida, o fechamento ou cerceamento das emoções. Todos se fecham como se estivessem resguardando alguma coisa valiosa, todavia, eu penso tratar-se aqui de uma complexa frieza fraternal. Eu sinto que entre os irmãos, eu, possivelmente, seja o menos atingido, talvez tendo em vista, sei lá, por ter sido imunizado desse mal, pelo meu espírito desmesuradamente idílico e liberal. E, acima de tudo, por não ter dado muita importância aos reveses da vida ou por ter assimilado bem esses contratempos existenciais, principalmente, aos da infância. Inclusive, têm alguns que não conseguem levantar da memória os momentos vividos na infância, não que tenham algum problema de memória, mas sim porque aprisionaram no inconsciente, recalcaram os momentos difíceis e os traumas que lhes foram impostos, e que, até hoje, gritam por uma solução. Em virtude dessa práxis de vida, com certeza, sofrem aprisionados por um isolamento sem sentido.
O nosso inconsciente também possui departamentos (arquétipos), que são enclausurados por uma suposta abertura conhecida como “Janela Killer”. Quando essas janelas se abrem, o inconsciente borbulha para o consciente os problemas que ali, até então, estavam represados. Aqui exponho uma definição mais científica de Janelas Killer: Janelas Killers são zonas do nosso cérebro de conflitos intensos, gravadas no inconsciente e que bloqueiam o prazer e a inteligência. Quando sentimentos desagradáveis acontecem, estas janelas ficam escancaradas, reagimos como animais, sem pensar. Estas janelas são construídas através de perdas dramáticas, frustração intensa, angústia profunda, que não se consegue superar. E quando esta janela é aberta e não protegida, perde-se o arquivo da memória. Arquivo este que sustenta o raciocínio. Se não soubermos administrar ou assimilar os ditos traumas, eles se transformam no caminho mais curto para a neurose e, se não houver um tratamento especializado de imediato, estaremos logo em seguida predispostos a trilhar as veredas da loucura.
Já tentei abordar esse assunto em LEMBRANÇAS E REFLEXÕES, MAS SEM SAUDADES – por isso, hoje, eu volto a circundar o mesmo assunto, por achá-lo anacrônico, doentio, esquisito e com um grande carregamento psicológico negativo, talvez seja uma indesejável carga hereditária. Na verdade, nós fomos submetidos a uma educação autoritária e ríspida, e, durante esse processo déspota e violento, nós não sentimos e não fomos contagiados pela emanação do amor paternal, maternal e fraternal, isto quer dizer que faltou muito pouco para que nascêssemos já predispostos a odiar um ao outro. É bem verdade que não sentimos prazer fraternal, esse sentimento muito comum e sadio entre os irmãos, nós vivemos sim, como se fossemos estranhos provenientes e criados num mesmo ninho. Nunca fomos capazes de promover uma ágape de confraternização. Às vezes, eu penso que somos um bando de neuróticos devidamente chancelados academicamente, mas com sérios problemas de socialização fraterna.
Sinto que é psicologicamente doentio e esquisito. Não sou de muita fé nessas coisas de reencarnação, mas, às vezes, eu penso que somos espíritos antipáticos e inferiores que reencarnaram numa mesma família, a fim de purgar o carma de cada um. Entretanto, apesar do meu ceticismo, eu ainda acredito que haja uma explicação para esse fenômeno comportamental no clã familiar. Tenho lido alguns trabalhos de Freud, Jung e outros, por isso, eu sou levado a crer tratar-se de um fenômeno arquetípico familiar, talvez tenhamos gravado silenciosamente em nós, o arquétipo do “totem” raivoso ou do “totem” vingativo, (pais) - sintomas psíquicos que nos reportam às cavernas neolíticas e que trouxemos arrastando pelo tempo afora, através da evolução e da memória genética desde a infância. Diz-se na engenharia genética que, a educação, o método de educação e o modo de vida exercido ou vivenciado, alteram substancialmente as características genéticas.
É um fenômeno visível e que incomoda, principalmente, a mim, mas quanto aos demais, realmente, eu não sei o que eles sentem, parecem adormecidos emocionalmente ou fazem de conta que não o sentem ou simplesmente o sufocam. A falta do espírito fraterno é tão grande que nem nos importamos com a existência do outro irmão.
Mas, dando uma espiada no passado, eu posso ver com muitas lembranças e clareza que, o mesmo fenômeno ocorreu com os meus tios, por parte de nossa mãe e com os tios por parte do nosso pai. Na família da nossa mãe, segundo as minhas observações, esse fenômeno era menos visível ou era hipocritamente suportado, mas com relação aos tios da família do nosso pai, esse processo ou fenômeno familiar era evidente, forte, destrutivo e muito visível, pois pasmem, eram verdadeiros inimigos e, nesse etos de vida, acabaram morrendo sem uma reconciliação.
Por isso, eu acredito que é a manifestação do arquétipo familiar, o “totem raivoso ou violento”, (Pais) - não vejo sequer outra explicação para esse tipo de comportamento familiar. É verdade que o mau exemplo arrasta, pois esse comportamento é perfeitamente verificável na sociedade, mas será que dentro de uma família o mau exemplo foi arrastado de forma genética? Bom, há muito tempo, como é uma coisa natural, nós sofremos a bifurcação da chamada diáspora e, aos poucos, fomos perdendo o contato fraterno. O distanciamento e o afastamento sofrido foram tão grandes que quase chegamos a perder a origem familiar. Mas de uma coisa eu tenho a certeza, aquela união fraternal se apagou com o tempo, acredito eu que cada um cuidou do seu destino e esqueceu a origem e o amor fraterno. É lógico que esse fenômeno tem raízes mais profundas que nós poderíamos debitar também a forma de educação com que fomos submetidos, a rigidez da educação militar, os métodos violentos de castigo e o medo imposto por esses mesmos métodos.
Na infância não tínhamos liberdade pueril e nem expressão lúdica como é natural nessa fase da vida, podíamos apenas contar com as tarefas imposta, sujeito, é claro, a castigos se não fossem bem executadas. Não sei por que isso nos pesa, mesmo já na idade adulta. Na verdade não amamos aos nossos pais, o sentimento que nos assombrava era o do medo da autoridade suprema, às vezes, passando até por momentos de ódio, principalmente, após as surras e os castigos desmedidos. Não sentíamos amor por eles, apenas nutríamos o apavorante medo e a obediência cega. E o que sentimos hoje, nada mais é do que resquícios e sombras de traumas em função do que foi sofrido na infância. Por termos sido educados dessa forma esdrúxula, sem a manifestação afetiva que era pelo menos devida, por isso, hoje somos adultos envelhecidos e endurecidos emocionalmente.
Eu sempre observei esse antipático e anormal comportamento, estou aqui me referindo à indiferença, mas somente agora eu tenho conhecimento das suas supostas causas. Em primeiro lugar, devemos observar que essa indiferença de um pelo outro, foi criada ou motivada pela ruptura do convívio familiar, em segundo lugar, devemos debitar esse comportamento à diáspora sofrida e, em terceiro lugar, devemos mover os nossos olhares para os demônios no inconsciente, que abrigamos e recalcamos no nosso mais íntimo escaninho secreto, por falta de uma terapia de apoio, fazendo com que os traumas ficassem agarrados como verdadeiros parasitas existenciais.
Na verdade, nem todos tiveram habilidade emocional para tratá-los ou extirpá-los, por isso, esses traumas da infância nos perseguem até a idade madura, uns mais outros menos. Pelo visto, nada ficou esquecido e nem perdoado, e agora, amargamos as conseqüências. É lógico que, cada um faz a sua reflexão dentro das suas possibilidades vivenciais e ou psíquicas. Mas acredito que muitos irmãos afogaram esses vestígios inconscientes, para não sofrerem com o levantamento da memória desses episódios. Por isso, eles mantêm as Janelas Killers, fechadas, mas os demônios continuam lá dentro, mas também é fato que, deveríamos enfrentá-los e extirpá-los de nos mesmos para que não criem outros distúrbios psíquicos mais sérios. Por isso, precisamos apagar o quanto antes, essas impressões ou figuras que ficaram impregnadas em nossos inconscientes, e que, formaram um batalhão de fantasmas existenciais de pavor que ainda nos assombram. Como disse o Dr. Carl Gustav Jung: “Cada vida é um desencadeamento psíquico que não se pode dominar a não ser parcialmente”. Somos verdadeiros espelhos, refletimos simplesmente aquela imagem que nos foi exposta ou imposta.